• Cuiabá, 10 de Julho - 2025 00:00:00

Marcelo Sandrin: desafios na Saúde e alerta sobre sequelas da Covid


Rafaela Maximiano

O Entrevistado da Semana é o médico Hélio Marcelo Pesenti Sandrin, renomado Clínico Geral, especialista em Cardiologia, Pneumologia, Terapia Intensiva e presidente do Hospital Beneficente Santa Helena

Ele compartilhou sua perspicácia sobre os desafios enfrentados pela instituição na manutenção de um atendimento de alta qualidade em meio a uma demanda crescente. Neste âmbito, destacou a importância do trabalho em equipe, incluindo funcionários dedicados, corpo clínico sólido e voluntários, para superar obstáculos financeiros e operacionais. 

Dr. Sandrin também discutiu a complexa questão do financiamento da saúde, ressaltando a necessidade de buscar recursos complementares para garantir a sustentabilidade do hospital. Mencionou planos para explorar a energia solar como uma maneira de reduzir custos operacionais e enfatizou a importância de uma abordagem criteriosa, focada na qualidade do atendimento e na segurança do paciente. 

Compartilhou preocupações sobre as sequelas da COVID-19 e a necessidade de cuidados especializados nesse contexto, além do relacionamento médico-paciente, destacando a medicina como uma arte humana. Encorajou as pessoas a valorizarem um bom relacionamento com seus médicos de confiança e a colaborarem de forma positiva para um atendimento de qualidade. 

Ao FocoCidade revela não apenas os desafios enfrentados pelo hospital, mas também sua dedicação e a visão para enfrentá-los e fornecer cuidados médicos de qualidade à comunidade. Marcelo Sandrin também é professor de medicina e ex-presidente da Federação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas de Mato Grosso. 

Boa leitura! 

Como o Hospital Beneficente Santa Helena tem lidado com os desafios de lidar com uma alta demanda de pacientes e a necessidade de manter um atendimento de qualidade? 

É sempre um desafio manter uma instituição do porte do Santa Helena, com as portas abertas e funcionando a contento. O primeiro dos desafios que a gente tem é a alta demanda, como você falou. O segundo grande desafio é a carência de recursos financeiros, mas nós temos que lutar. E conseguimos um certo êxito, graças a Deus, e é o esforço de um time muito bom, um grupo excelente de funcionários, de todos os escalões, de dedicados servidores, dedicados colegas de trabalho, de um corpo clínico sólido que se esmera em fazer o melhor e procura se aprimorar continuadamente com a participação de uma administração sólida, bastante enxuta e com as necessidades que temos no dia a dia, as novidades que chegam, nós procuramos implementá-las sempre.

E, obviamente, a gente conta também com voluntários que nos ajudam e pessoas que têm interesse na área de saúde e que gostam de contribuir ao atendimento de qualidade. Para nós é um desafio a cada dia, mas as batalhas estão aí e a gente procura vencê-las com ética, com a moral elevada e com muito trabalho. 

Estamos no momento gestionando a possibilidade de nos tornarmos independentes de gastos energéticos.

Poderia nos dar uma visão geral sobre o repasse de recursos do SUS para manter o atendimento à população? Existem desafios nesse sentido? 

Hoje os recursos que recebemos no SUS, eles vêm de fonte federal, estadual e são gestionadas pelo município. Hoje estamos sob o regime de intervenção, temos aí grandes dificuldades de caixa, mas sendo um hospital filantrópico, nós lutamos pela participação de convênios e particularmente de particulares, de eventuais doações que chegam à nossa instituição e obviamente lutamos para manter a estrutura funcionando.

O grande desafio da saúde de um hospital, é que existe um preceito importantíssimo: o paciente vem em primeiro lugar, suas necessidades são muito importantes e obviamente jamais se pode abrir mão de qualidade. Você pode um dia, um exemplo assim que não estou generalizando, você tem um restaurante, você serve uma comida, você está usando picanha, a picanha ficou muito cara, você passa para uma alcatra, ou então você majora o preço.

Nós não temos como majorar o preço ao SUS, nós vivemos com uma tabela rígida que tem mais de 17 anos que não é corrigida. Temos a suplementação do FEEF, que é fundamental à sobrevivência dos hospitais filantrópicos. É uma suplementação de uma lei feita pela Assembleia Legislativa com a aval do governo estadual e que traz para a gente a possibilidade de pagar as contas.

Aplicamos tudo que recebemos na manutenção externamente, o particular e o convênio, na manutenção e melhoria do hospital. Então o nosso foco principal é o doente e obviamente temos que usar de criatividade, de muita seriedade, de muita cooperação e contamos com os nossos colaboradores diuturnamente. Tanto da área interna do hospital, como do corpo clínico do hospital. Temos um corpo clínico sólido, uma enfermagem sólida, funcionários de manutenção sólidos, temos laboratório, raio-x, todos trabalhando em prol da utilização adequada dos parcos recursos que advém do SUS, complementados com o que conseguimos produzir e conseguimos com isso lutar pela manutenção sempre aberta às nossas portas, às pessoas que assim precisem. E nossa população maior são pessoas que têm dificuldades econômicas claras. 

Agora, uma coisa importantíssima, saiu esta semana um dado importante de que, além de tudo que a gente já sabe, está comprovado que a Covid inflama as artérias coronarianas.

Quais são as estratégias adotadas para garantir a sustentabilidade financeira do hospital e ao mesmo tempo oferecer atendimento de qualidade? 

Aí é administração, é a estratégia sempre calcada em uma visão de futuro, sempre utilizando os conhecimentos que adquirimos em 41 anos de gestão, ou seja, usamos o passado para mantermos um presente atuante e aberto à população. Não tem mágica, nós precisamos ter um grupo sólido que trabalhe, nós temos uma diretoria, temos pessoas que trabalham cada um no seu setor, vivemos o dia a dia do hospital, nos dedicamos plenamente a esse, a diretoria sempre ao final de semana, tem pelo menos um, dois ou mais membros presentes no sábado, domingos ou feriados, e obviamente as chefias, os nossos funcionários são extremamente aguerridos e com isso fazemos economia e buscamos sempre melhorar. 

Estamos no momento gestionando a possibilidade de nos tornarmos independentes de gastos energéticos. Tentamos ver como faremos para conseguir investir em energia solar, para que tenhamos uma economia que nos propiciará realizarmos mais um número de atendimentos bastante substanciosos, que a energia elétrica está muito cara e é muito cara para uma instituição filantrópica. 

Nesse quesito de modernização que citou, existem planos ou projetos de expansão ou melhoria das instalações do hospital para atender à crescente demanda? 

Sim, temos projetos de crescimento, de expansão, calcada na lógica e na segurança, obviamente pretendemos ver se faremos, conseguiremos chegar ainda a tempo de participarmos de uma revolução no atendimento no Hospital Beneficente Santa Helena. Agora, se não tivermos condições físicas, se faltarmos, obviamente nós temos uma equipe totalmente capaz de dar continuidade ao projeto de médio e longo prazo. A curto prazo, queremos que se estabilize a economia, que a gente continue podendo assistir a população. Hoje realizamos mais de 1.500 altas em mês, em diferentes áreas, maternidade, neonatologia, pediatria, temos uma ala muito forte de cirurgia geral, clínica médica, ginecologia, especialidades, neurologia, cardiologia, pneumologia, e isso pra nós é gratificante. Agora, obviamente o nosso projeto é de expansão criteriosa, não entramos, se Deus assim nos permitir, e tudo correr como pensamos e projetamos, não entramos em aventuras. 

O custo da medicina tem que ser balizado. Está se tornando uma atividade extremamente onerosa. 

Como está o cenário atual em relação ao tratamento de pacientes com sequelas da COVID-19? Quais as dicas para evitar o quadro? 

Assunto muito importante, estamos aí com um grupo muito grande de pessoas que ficaram com problemas relacionados a infecções graves e sequelas importantes na área da afecção por Covid-19 e obviamente vamos precisar para o futuro do maior número de pneumologistas, de hematologistas, de imunologistas, de cardiologistas. Apesar da cardiologia, nós temos um número bastante significativo de excelentes profissionais no Brasil, especialmente no Mato Grosso e obviamente temos bons, nas especialidades que eu citei, nós temos excelentes também colegas, mas não em número tão significativo. E obviamente o tratamento tem que ser estandardizado, ele tem que ser individualizado, cada pessoa é uma pessoa, volto a frisar sempre, nós precisamos escolher uma excelente história, uma excelente história patológica pregressa, se participamos dos eventos do Covid com o doente, já temos uma certa noção, se não temos que fazer o apanhado, temos que fazer um exame físico primoroso, não se esqueçam, não existe medicina sem exame físico, solicitaremos os exames que possam nos auxiliar para visualizarmos mais claramente o quadro geral e implantar o que há de melhor em terapêutica. 

Nos preocupa muito que a cada dia que passa, se temos aí a chamada Covid longa, pessoas que tiveram uma Covid eventualmente nem muito grave, mas tem como se tivesse uma perda energética, um cansaço, uma moleza, pessoas que perderam a gustação e perderam o olfato, pessoas que têm déficit de concentração, pessoas que têm esquecimento e isso daí tem se caracterizado como uma síndrome pós-virose, especialmente a Covid -19, tem sido estudada e nós temos que observar. 

Pessoas que tiveram estragos importantes no sistema vascular, cardiovascular, renal, também podem estar aí precisando de assistência. Pessoas que tiveram afecções hematológicas, tomar cuidado, as pessoas podem ficar com uma síndrome de hipercoagulabilidade, eventualmente alguns têm que tomar anticoagulante durante períodos longos, quiçá não temos ainda até quando. Agora, uma coisa importantíssima, saiu esta semana um dado importante de que, além de tudo que a gente já sabe, está comprovado que a Covid inflama as artérias coronarianas. Isso talvez nos leve à explicação, estamos estudando ainda, porque o grande número de infartos, paradas cardíacas, arritmias e assim por diante.

A inflamação causada pelo Covid nas artérias do coração pode levar à instabilidade de placas, eventualmente também do sistema elétrico, havendo arritmias ou então tromboembolismo, infarto e eventualmente morte. São sequelas e dificuldades que estamos a estudar e por isso mesmo todo o alerta, todo o cuidado é grande. Você que teve Covid, não se esqueça disso, não fique traumatizado, mas esteja sempre observando a sua saúde com seu médico de confiança. 

Na sua opinião, quais são as prioridades que a sociedade deve considerar agora no campo da saúde, e como o hospital está abordando essas prioridades? 

Eu acho que uma das coisas que hoje mais precisamos é tirar um pouco do foco, das novidades na área de saúde. Na última notícia que se teve do exame caríssimo que faz isso ou aquilo ou aquele outro, e voltamos cada dia a mais a uma medicina mais humana, onde a interação e o resgate do relacionamento médico-paciente é fundamental, porque medicina é a mais humana das artes, das ciências. Ela cuida de cuidar de pessoas. Pessoas cuidando de pessoas. E não havendo uma boa relação médico-paciente, uma interatividade, um humanismo, eu vejo com muita, muito desagrado até. Eu não sei o porquê de tanta ansiedade em termos de uma cirurgia robótica, se temos grandes profissionais que as realizam.

Lógico, existe caso e caso, mas todo mundo está focado em chegar a isso. Não há necessidade de você buscar a última novidade. Você precisa de ter o tratamento. Não, você precisa ter o diagnóstico concreto. Isso tem faltado muito para que se institua o melhor tratamento, o melhor acompanhamento. E obviamente, eu realmente acho que vale a pena você ter o seu médico de confiança, onde você aporta os seus anseios, as suas necessidades, as suas dificuldades. E a partir daí esse médico consciente, esse médico ético, de grande conhecimento, a maioria dos médicos tem conhecimento, vai fazer o melhor. Aquilo que não sei, procurar aí, eticamente, quem saiba, e será então encaminhado esse paciente. 

Eu acho que uma das coisas que tem pesado muito contra a medicina é o exagero de exames complementares e a busca, cada vez mais, como agora, em São Paulo, já está aí, partiu de algum lugar do mundo, é fazer o check-up com ressonância nuclear magnética de corpo inteiro. Não existe trabalho médico que comprove que isso tem algum efeito maior na sobrevivência ou na melhor qualidade de vida dos pacientes. Eventualmente, isso pode trazer ansiedade, dificuldades, porque é uma coisa que não tem muito significado. O custo da medicina tem que ser balizado. Está se tornando uma atividade extremamente onerosa. 

Suas considerações finais... 

Finalizando, o que eu peço sempre é que as pessoas tenham uma boa relação com seus profissionais da área de saúde, que colaborem principalmente com o seu médico que está atendendo a sua família, a você e a todos, que tenham a devida aderência e no hospital que as pessoas colaborem positivamente.

Nós temos grandes dificuldades, por exemplo, às vezes as pessoas reclamam, mas lembrem-se: nós vivemos com problemas continuados. Como é que nós podemos manter, por exemplo, a visita de um UTI se está havendo uma parada cardiorrespiratória? E as pessoas às vezes se revoltam. Nós não podemos e não devemos trazer a contaminação exógena para dentro das instituições.

O número de visitantes precisa ser controlado. E até em nível de consultório, hoje por exemplo, um paciente idoso de 98 anos, chegou ao meu consultório acompanhado de quatro pessoas, todas hígidas, todas boas, mas todos eles estavam em contato de uma pessoa cujo diagnóstico era tuberculose. Uma coisa muito desagradável para todos, vão ter que passar um exame também, mas o porquê de quatro pessoas acompanhando uma pessoa que está ambulante, está capaz?

Lógico, é sempre bom você estar com alguém, com um acompanhante. Então, nós precisamos sempre valorar o bom atendimento. E o bom atendimento é aquele que é calcado no excelente relacionamento médico-paciente e na colaboração entre família, especialmente, paciente, médico e a equipe que assiste a esse doente. E, obrigado pelo espaço do FocoCidade.




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