• Cuiabá, 10 de Julho - 2025 00:00:00

A Ilusão da Abundância: o protagonismo feminino na luta contra mineradoras e neocolonialismo


Rafaela Maximiano

"A Ilusão da Abundância" é um documentário que traz à tona o protagonismo feminino mostrando a histórias de mulheres que combatem a devastação provocada por mineradoras em seus territórios, com tragédias humanas e ambientais.  Também expõe a realidade do neocolonialismo despertando reflexões sobre a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos. 

O filme, selecionado em mais de 30 festivais internacionais, terá seu lançamento no país nos dias 15 e 16 de agosto, em Brasília, durante a 7ª edição da Marcha das Margaridas, trazendo à discussão a desigualdade nas relações entre a América Latina e nações desenvolvidas, especialmente no contexto das negociações entre o Mercosul e a União Europeia. 

Sobre o tema, o FocoCidade conversou com os jornalistas que foram produtores, roteiristas e diretores: Erika González, colombiana, e Matthieu Lietaert, belga. 

Na Entrevista da Semana eles explicam que o filme é uma poderosa voz para a luta por justiça e equidade nas relações entre a América Latina e nações desenvolvidas, questionando ‘por que’ a situação não mudou mesmo após séculos de colonização. 

Importante ressaltar o protagonismo das personagens do documentário que são a brasileira Carolina de Moura Campos, do Instituto Cordilheira, de Brumadinho (MG), onde o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, da Vale, em 25 de janeiro de 2019, matou 270 pessoas e despejou milhões de metros cúbicos de rejeitos no Rio Paraopeba; Berta Cáceres, de Honduras, assassinada em 2016 devido às suas ações de defesa ambiental e das terras do povo Lenca, maior comunidade indígena do país; e Máxima Acuña, que venceu grande batalha jurídica contra uma empresa transnacional, chamada Yanacocha, que explora na região de Cajamarca, no Peru, a maior mina de ouro da América Latina e cujos planos de expansão ainda ameaçam os camponeses.  

“As mulheres que estão liderando a defesa da terra. Numa conferência recente ouvi a frase: ‘os homens queimam o planeta e as mulheres apagam o fogo’ e concordo com ela. É impressionante ver e conhecer a quantidade de organizações e movimentos sociais liderados por mulheres”, pontuou Erika González, durante a entrevista.

Boa Leitura! 

Como surgiu a ideia de produzir o documentário "A ilusão da abundância" e por que escolheram abordar o protagonismo feminino na luta contra mineradoras e empresas transnacionais em defesa do meio ambiente? 

Erika González - A ideia de fazer um filme sobre o panorama atual do extrativismo na América Latina surgiu a partir da leitura do livro “As Veias Abertas da América Latina” de Eduardo Galeano. Nós queríamos comparar as mudanças ocorridas 530 anos após a chegada dos europeus, e 50 anos depois de Galeano publicar sua obra. Rapidamente chegamos à conclusão de que não havia acabado o modelo de exploração “norte-sul”, nem a violência, nem os conflitos sociais que essa pilhagem deixa na nossa região. Desde sempre, e por decisão política, foram três mulheres as escolhidas como protagonistas para contar suas histórias, e mostrar quem que resiste a esta nova forma de “conquista". E a nossa decisão acabou por ser muito acertada, porque são justamente as mulheres as que estão liderando a defesa da terra. Numa conferência recente ouvi a frase "os homens queimam o planeta e as mulheres apagam o fogo" e concordo com ela. É impressionante ver e conhecer a quantidade de organizações e movimentos sociais liderados por mulheres.

Durante o processo de pesquisa e entrevistas para o documentário, quais foram os principais desafios enfrentados e o impacto emocional que essas histórias de luta tiveram em vocês? 

Matthieu Lietaert - Surgem vários desafios em documentários internacionais, gravamos em dois continentes e em mais de sete países. A primeira dificuldade foi ganhar a confiança dessas mulheres defensoras do meio ambiente, que já estavam arriscando suas próprias vidas para proteger o planeta. Elas demoraram para nos aceitar, o que finalmente aconteceu quando fomos apresentados com ajuda de ONGs internacionais. O segundo desafio foi a Covid-19, apenas dois meses após começar a produção, ficamos presos com o grande dilema: retornar a Europa, e seguramente parar com a produção do filme, ou ficar na América Latina procurando pacientemente janelas da pandemia para continuar filmando.

Terminamos ficando dois anos na América Latina e conseguimos fazer esse filme. Agora, em termos de impacto emocional, estamos mais empolgados ainda em seguir conhecendo esses defensores, que são determinados e não desistem. Eles nos confrontaram com uma grande questão pessoal: o que eu estou pronto para fazer nesta crise ambiental global? Esperamos ter conseguido fazer um filme que traga essa questão para o público, porque o documentário tem começo, mas está longe de ter fim: ele é apenas um convite a acordar e abraçar a causa ambiental. 

Com o lançamento do filme coincidindo com a 7ª edição da Marcha das Margaridas em Brasília, qual mensagem vocês esperam transmitir ao público e aos líderes políticos presentes no evento? 

Erika González - Nós agradecemos imensamente à Marcha das Margaridas pela oportunidade de apresentar nosso filme no evento em Brasília que, neste ano, reúne mais de 100 mil mulheres de todo Brasil e até de outros países da América Latina. Da nossa parte, queremos tornar visível o papel fundamental das mulheres na defesa da terra e os riscos que sofrem por serem mulheres. As defensoras são frequentemente infantilizadas publicamente em seu papel de líderes. Elas têm que provar sua capacidade duas a três vezes mais para serem consideradas no mesmo patamar que os homens, quando levantam a voz e participam de espaços de liderança. Muitas delas são agredidas sexualmente ou ameaçadas. E apesar disso não desistem. O medo é um motor que alimenta sua convicção. 

Ao longo da turnê pela América Latina e nas projeções em eventos internacionais, como o documentário tem sido recebido pelas plateias e como ele pode contribuir para a proteção dos direitos humanos e ambientais? 

Matthieu Lietaert - Quando começamos, há seis anos, procurando por histórias de violações de direitos humanos cometidas por corporações transnacionais na América Latina, não imaginávamos onde isso iria nos levar. Agora, nove meses após o lançamento do filme, temos surpresas a cada semana. Muitos e-mails de pessoas que assistiram ao filme, das equipes dos festivais de cinema e de cineastas que agora estão nos seguindo por conta desta turnê de impacto que dura dois anos. Nestes nove meses, tivemos cerca de 150 exibições em diversos espaços, em centros culturais, festivais de cinema, universidades, salas de cinemas etc. E o primeiro passo é: compartilhar a informação. Agora esperamos que, após a nossa turnê, o filme motive muitos a atuar nas cidades e aldeias nas quais vivem. 

Considerando a relação desequilibrada entre a América Latina e as nações desenvolvidas, abordada no filme, como vocês veem o papel do documentário em conscientizar o público sobre essa realidade e instigar mudanças sociais e políticas?

Matthieu Lietaert - É muito difícil saber como um filme é compreendido e como ele desencadeia uma ação. Ainda estamos na prematura fase de lançamento. Mas, em um momento chave, em que os tomadores de decisões estão negociando e votando em muitos parlamentos ao redor do mundo, como as instituições da União Europeia, em Bruxelas, a Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, e muitas outras potências, entre elas a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). 

Após 50 anos de globalização baseada em “diretrizes voluntárias” para corporações transnacionais (o que significa que elas podem fazer o que quiserem), novas regulamentações são urgentes para impedir que sigam violando direitos humanos e ambientais na cadeia produtiva global. 

Isso é uma janela grande de oportunidades! E essa é a razão de ter sido exibido em tantos espaços políticos, e em tão pouco tempo. O debate agora está na mesa. Claro que precisamos ser realistas: não conseguiremos resolver todos os problemas do atual e agressivo sistema econômico. No entanto, nesta nossa “pequena" batalha, podemos fazer a diferença. O papel do público, ONGs, festivais de cinema, universidades e outros na hora de aproveitar o filme para levar as questões aos tomadores de decisão locais é importante. Precisamos mostrar que estamos de olho em quem estão prestes a tomar decisões. Isso é ainda mais importante quando se conhece o forte lobby das corporações. Vamos pressionar agora! 

Erika González - E quanto à América Latina, é aqui onde os defensores estão sendo criminalizados, perseguidos e mortos, por se oporem a megaprojetos extrativistas e mineradores, como os casos que mostramos em nosso documentário. Nossa região é o lugar mais perigoso do mundo para quem luta pelo clima e, por isso, estamos unindo forças para amplificar as vozes de nossos protagonistas e, com eles, demonstrar a necessidade de leis que os protejam. 

Na hora que se assina o Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental da região latino-americana, identificamos aqui grandes oportunidades. Por isso que o filme estará na programação da Marcha das Margaridas e em outros espaços no Brasil, para enviar uma mensagem ao Governo de Luiz Inácio Lula da Silva e colocar os defensores no centro de sua agenda. Ainda falta que o Congresso ratifique, urgentemente, este acordo vital para aqueles que defendem com a vida o que é de todos. 




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