Rafaela Maximiano
“O direito à liberdade não é absoluto a ponto de estar acima do direito à saúde das outras pessoas”. A afirmação é da advogada Tatiane de Barros Ramalho, quando questionada sobre a vacinação de crianças de 05 a 11 anos contra a covid, responsabilidade dos pais e a legislação vigente.
Tatiane Ramalho é vice-presidente da Comissão de Infância e Juventude da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Mato Grosso (OAB-MT), membro da Comissão Nacional dos Direitos das crianças e adolescentes e conselheira estadual titular do Conselho Estadual de Defesa das Crianças e Adolescentes.
A especialista pondera que o tema vai além da covid-19 - e se encontra disposto no artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina no 1º parágrafo como “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.
Porém, a conselheira Estadual da OAB-MT revela que há um ineditismo na discussão sobre a obrigatoriedade da vacinação devido à falta de definição de qual é a “autoridade sanitária” mencionada pelo ECA.
Enquanto alguns defendem que o aval da Anvisa basta para que a lei passe a ser aplicada, outros afirmam que precisa ser feita a inclusão da vacina no Plano Nacional de Imunizações (PNI) e no calendário vacinal pelo Ministério da Saúde. O PNI determina algumas vacinas como obrigatórias para crianças e adolescentes, como a BGC (contra a tuberculose, aplicada ainda na maternidade), a tríplice viral, a tetravalente, a vacina contra a paralisia infantil, entre outras.
Caso os pais se recusem a aplicar alguma dessas listadas e dispostas como obrigatórias, eles estão sujeitos às sanções previstas no ECA. “... a simples omissão e falta de justificativa da vacina ocorre as penalidades previstas no ECA que vão de multa, advertência até um ato extremamente gravoso que é a eventual suspensão provisória de guarda do menor”, pontua a advogada.
Confira a entrevista na íntegra:
Quais são os limites de atuação da Anvisa e do Ministério da Saúde com relação à vacina contra a covid?
A Anvisa e o Ministério da Saúde são órgãos responsáveis pelas diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. São esferas de atuação de controle de doenças transmissíveis, bem como tem o papel de definir a regulamentação da vacina e a sua comprovação de qualidade, eficácia e segurança.
O que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê quanto ao direito à vacinação de crianças e adolescentes?
O artigo 14, parágrafo I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, prevê que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias – isso renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.257, de 2016.
Qual sua avaliação jurídica sobre a responsabilidade dos pais em relação aos filhos e as consequências do descumprimento desse dever legal?
Primeiro, é importante deixar claro que há uma enorme discussão entre os juristas sobre a obrigatoriedade da vacinação devido à falta de definição de qual é a “autoridade sanitária”, ou seja, a ANVISA ou o Ministério da Saúde mencionada pelo ECA.
Entendo que falta definir se a determinação do ECA já é válida a partir da recomendação da Anvisa ou se será necessário aguardar a inclusão da vacina no Plano Nacional de Imunizações, PNI, e consequentemente no calendário vacinal pelo Ministério da Saúde.
Entendo ainda que muitos pais estão receosos em vacinar seus filhos, tendo em vista as inúmeras matérias que muitas delas são inverídicas e desabonam a vacina. Vivemos um momento que as fake news se propagam como se verdade fosse, por isso precisamos verificar as fontes das matérias e priorizar a saúde e a própria vida das crianças e adolescentes.
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento que discutia se pais podem deixar de vacinar seus filhos menores de idade com fundamento em convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, fixou a seguinte tese: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico". Pergunta: Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar?
Não. Em meio à toda polêmica envolvendo a vacinação das crianças, o papel dos pais caso sejam contrários a vacina podem custar a vida dos filhos, caso a criança contaminada pela Covid-19 evoluísse para casos mais graves da doença. Tem criança que tem comorbidade e o risco de contrair a covid e ter complicações se torna patente, cabendo aos responsáveis zelar pela saúde e pelo direito a vida dessa criança.
Ultrapassada a questão da obrigatoriedade da vacinação infantil, surge outro questionamento: se uma criança não vacinada por escolha dos pais contrair Covid-19, podendo ficar com sequelas ou até morrer, caberia responsabilização criminal dos pais, uma vez que no ECA não há sanção penal?
Outro ponto extremamente polêmico. O Direito não é uma ciência exata e cada caso tem que ser interpretado de forma única. A legislação é clara no que tange a responsabilidade dos pais em proteger os filhos, resguardando os seus direitos fundamentais à saúde, educação, bem-estar, alimentação e à própria vida, sendo uma garantia constitucional elencada no artigo 227 da Constituição Federal.
Se uma criança com comorbidades não vacinada injustificadamente vir a óbito os pais podem ser responsabilizados penalmente pela omissão do evento danoso, respondendo em tese pelo crime de homicídio doloso por omissão. Sendo importante ressaltar que a simples omissão e falta de justificativa da vacina ocorre as penalidades previstas no ECA que vão de multa, advertência até um ato extremamente gravoso que é a eventual suspensão provisória de guarda do menor.
Para que a obrigatoriedade da vacina contra Covid-19 em crianças esteja presente, se faz necessário à sua inclusão no plano nacional de vacinação, ou a mera recomendação de vacinação pela autoridade sanitária já a torna obrigatória para as crianças por força normativa do ECA?
Entendo que falta definir se a determinação do ECA já é válida a partir da recomendação da Anvisa ou se será necessário aguardar a inclusão da vacina no Plano Nacional de Imunizações, o PNI, e consequentemente no calendário vacinal pelo Ministério da Saúde.
As escolas podem exigir o comprovante da vacina para que o aluno assista aula presencial? Até por exigência de outros pais que já vacinaram seus filhos...
As escolas particulares podem exigir o comprovante de vacinação dos alunos, porém o fato da criança ou do adolescente não apresentar caderneta de vacinação não significa que a criança seja afastada da frequência escolar, não podendo ser impedida de assistir aulas, que é o seu direito absoluto.
Importante salientar que estados e municípios possuem legislação própria quanto à necessidade de apresentação de comprovante de vacinação nas instituições de ensino público.
Qual a responsabilidade do Poder Público e dos gestores federais, estaduais e municipais em passar uma mensagem clara sobre a segurança da vacina, não sendo admissível qualquer insinuação sobre a segurança das vacinas em desacordo com as decisões da Anvisa?
Vivemos tempos difíceis, onde todos os dias viralizam boatos e informações falsas acerca dos imunizantes contra a Covid-19. Essa desinformação atinge a sociedade e traz maléficos à população. O Poder Público tem o dever através de políticas públicas de realizar campanhas incentivando e demonstrando a segurança da vacina.
O Artigo 196 da Constituição Federal determina que saúde é um direito de todos e um dever do Estado e dos Municípios. Sendo assim os Estados tem obrigação constitucional de implementar políticas sociais que visem à redução do risco de doenças.
Considerações finais aos leitores do FocoCidade...
Importante deixar claro que nenhum direito fundamental é absoluto, ou seja, o direito à liberdade não é absoluto a ponto de estar acima do direito à saúde das outras pessoas.
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