Rafaela Maximiano
Trabalhadores de saúde de 11 países latino-americanos apresentam altas taxas de sintomas depressivos, pensamentos suicidas e sofrimento psíquico, conforme um estudo da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
O estudo foi feito em parceria com a Universidade do Chile e a Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Entre 14,7% e 22% dos profissionais de saúde entrevistados apresentaram sintomas de depressão e até 15% confirmaram ter tido pensamentos suicidas. Ainda segundo a Opas, em alguns países, o atendimento psicológico só estava ao alcance de apenas um terço dos profissionais que precisavam do serviço.
A verdade é que a pandemia aumentou o peso sobre os profissionais de saúde devido às horas de trabalho ainda mais exaustivas e dilemas éticos que tiveram um impacto na saúde mental.
E, não só os trabalhadores da saúde, mas todo o mundo foi afetado emocionalmente pela pandemia do coronavírus. E, para falar sobre o assunto, saúde mental e emocional, o FocoCidade conversou com a psicóloga e consultora, Cleiri Souza.
Ela fala sobre os posicionamentos dos chamados negacionistas, que podem ser de “indivíduos que não compactuam com a sociedade no geral, com o bem-estar do próximo. Só compactuam com os seus próprios pensamentos” ou pessoas que possuam transtornos mentais.
E alerta: “se não tivermos a temperança, se não estivermos cultivando a nossa inteligência emocional, nós nos mostraremos opositivos também”.
Na Entrevista da Semana Cleiri analisa ainda como a pandemia afetou a saúde mental e emocional das pessoas; como os profissionais da saúde podem manter o equilíbrio da sua saúde mental e emocional; quando e como devem ser as conversas com as crianças sobre a covid; o negacionismo contra as regras sociais; e carnaval x pandemia.
“Com certeza a pandemia impactou profundamente a vida de todos, em todos os níveis e em todos os setores... não tem como fechar os olhos para esse momento em que foi extremamente impactante e extremamente desestruturante na nossa sociedade e para o mundo”, Cleiri Souza.
Boa Leitura!
É possível fazer um balanço da saúde mental após dois anos de pandemia, ou seja, na sua avaliação de que maneira a pandemia afetou a saúde mental e emocional das pessoas?
Com certeza a pandemia impactou profundamente a vida de todos, em todos os níveis e em todos os setores. Entre os aspectos afetados estão principalmente a saúde mental e emocional. A saúde mental é a que nos coloca no eixo, como vamos administrar todas as outras áreas da nossa vida impactada sem tem a nossa mente saudável, as nossas emoções saudáveis? E emocionalmente foi muito difícil porque houve perdas, muitas perdas, ficamos em luto pela nossa família, pelo mundo e o medo de também termos a saúde afetada e quando afetados o medo de vir a óbito, de ficar muito tempo dentro de um hospital sem saber o que vai acontecer.
Tudo muito abruptamente, tudo muito novo, tudo muito temeroso. E, tenho que destacar que dentro da minha clínica houve um aumento de 200% de pacientes mulheres e jovens, que trouxeram problemas de ansiedade, síndrome do pânico, por causa desse momento. As mulheres por questão de aumento da sobrecarga do trabalho doméstico. De uma hora para outra tivemos que nos fechar dentro das nossas casas e diuturnamente cuidar dos filhos, dos afazeres doméstico e também do home office, porque além do trabalho de dentro de casa teve o trabalho trazido para dentro de casa. E como administrar tudo isso? E, os jovens, pela sua privação, da vida social que nessa fase é de extrema importância.
Então, não tem como fechar os olhos para esse momento em que foi extremamente impactante e extremamente desestruturante na nossa sociedade e para o mundo.
Devido a estes dois anos de pandemia, os trabalhadores de saúde estão desgastados. Um estudo divulgado em janeiro deste ano, pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), mostrou que trabalhadores de saúde de onze países latino-americanos apresentam altas taxas de sintomas depressivos, pensamentos suicidas e sofrimento psíquico. E, a pandemia ainda não acabou como esses profissionais podem se cuidar para evitar impacto em sua saúde mental?
A OPAS trouxe para nós um estudo bem significativo a respeito da saúde mental, do impacto da pandemia no âmbito global. O estudo cita dados, que sugerem que um terço das pessoas que sofreram convid-19, foram diagnosticadas com transtornos neurológicos e mentais. Sobretudo as pessoas com a obrigatoriedade de tratar pessoas com covid. Aí colocamos em primeira instância os médicos, os enfermeiros, os atendentes, os psicólogos hospitalares e todos esses que precisavam ter contato ou estar dentro de uma unidade de saúde.
Se formos pensar é assustador. A necessidade de o médico lançar mão de uma ferramenta importante que é a inteligência emocional, foi exorbitante. Enquanto as pessoas se isolavam da covid, eles tinham que receber as pessoas com covid. A pressão psicológica e emocional é muito grande e como fazer para desafogar? Através da inteligência emocional, um trato muito grande com a sua inteligência emocional, um trabalho muito grande psíquico de não deixar se afetar por isso, e procurando lançar mão de subterfúgios: de fotos, de gravações, de ligação pela internet, de chamadas de vídeos, de tudo aquilo que cada um individualmente tem como algo que o retira desse lugar de pressão. Algumas pessoas gostam de conversar, outras pessoas gostam de meditar, outras pessoas gostam de fazer exercícios, fazer leitura, música, ou seja, lançar mão de outras atividades que trazem alegrias, um desafogar dessa pressão psicológica. São inúmeras as possibilidades, cada um tem as suas.
Como saber se uma pessoa está passando por problemas emocionais? Existem alguns sinais?
Sim, existem sinais. O próprio cansaço intenso, fora da medida, porque todos nós nos cansamos do trabalho, do dia a dia, da labuta, mas um cansaço fora da média fora do normal, isso traz principalmente agora com essa pressão uma preocupação, que possivelmente essa pessoa esteja com problema emocional.
Uma tristeza abrupta. Existem situações que todo precisamos notar: todos temos o nosso perfil, ou somos mais calados ou somos mais expansivo, comunicativos. Tudo aquilo que traz você para o extremo é passível de ser observado, de ser um problema emocional. Aquele que é mais comunicativo de repente se fecha ou aquele que é um tanto mais comedido nas palavras, tímido, der repente se mostra muito expansivo. São sinais de que há um problema mental.
Assim como dormir demais ou ficar acordado e não consegui dormir, ter problemas de sono, hiper vigilância. Chorar muito, porque chorar faz bem, mas chorar em demasia já nos indica um sinal de algum transtorno, alguma emoção que esteja abalada. Tudo que é muito diferente daquilo que o indivíduo é, pode ser um sinal de problemas emocionais, nem sempre, é uma questão de olhar o contexto da situação do momento.
Quanto a pandemia e as crianças: como lidar com o cenário, até que ponto devemos conversar com elas sobre a pandemia, uma vez as informações estão em todos os lugares, televisão, internet, escola; isso não é perigoso?
É certo que hoje as crianças têm acesso a praticamente todas as informações. É cabível aos pais tomar cuidado com isso, mas infelizmente nós temos aí a abertura dessa grande e extensa quantidade de informações e muitas vezes indevidas, e, também as fake news.
Os pais precisam estar atentos a isso e conversar é importante. Só que precisamos ter noção da idade e da necessidade, algumas crianças são muito pequenas para falar sobre morte em demasia. É necessário de no lugar de contar ou dizer tudo que estar acontecendo sermos comedidos - os pais, ou aqueles que cuidam - à quantidade de informação e o nível de informação que aquela criança tem necessidade.
Os adultos precisam ser muito responsáveis quanto ao que dizer, como dizer, a idade e a necessidade daquela criança. Algumas coisas não precisam ser ditas.
O que falar de pessoas que não respeitam as regras de saúde como uso de máscara, não querem se vacinar e acabam colocando a vida delas e de outros em risco. O que pensar, a sociedade perdeu os valores ou amor à vida?
Bem, a sociedade em si não perdeu nem amor e nem valores. Precisamos falar de indivíduos que estão nessa posição de opositivos, que não aceitam, que não respeitam e que não cultivam a compaixão nem a empatia. E, também do momento abrupto, que foram pegos, é na crise todos mostramos uma outra face. Se não tivermos a temperança, se não estivermos cultivando a nossa inteligência emocional, nós nos mostraremos opositivos também.
Tem uma outra face que fora da lógica a gente acaba mostrando e atrapalhando o coletivo, aquilo que é necessário coletivamente. Vemos isso em campanhas de trânsito, contra violência doméstica, e tantas outras. Essas campanhas mostram essa janela dos indivíduos que não aceitam, que não compactuam com a sociedade no geral, com o bem-estar do próximo. Só compactuam com os seus próprios pensamentos.
Também não podemos negar que existem as pessoas que além de estarem passando pela crise, por um momento de transtorno, que tiraram elas do prumo, mas também existem aquelas que têm um transtorno, que é o chamado TOD, que é o Transtorno Opositivo Desafiador, essas são passíveis de tratamento, e elas estão aí na sociedade e ainda mais pontuais nesse momento. Porque ela com certeza não vai compactuar, não aceitar. O sintoma, o sinal do sintoma opositivo é exatamente se opor a uma regra, a uma autoridade, e, é aí que entendemos que muitos de nós temos um pouco desse transtorno opositivo.
O que fazer? Quem tem TOD precisa ser tratada e quem não tem e aparentemente apresentou, pela questão da crise, é tratar através das campanhas. Quiçá elas não tenham nenhuma experiência próxima para que ela possa aprender, possa ver dentro da sua família, do seu círculo de amizades, poderá aprender de uma forma dolorida que é preciso sim colaborar, que é preciso fazer a sua parte, olhar para o próximo e não só para si.
Como lidar com a saúde mental e o “novo normal”? Por exemplo: alguns querem carnaval mesmo em pandemia, outros têm medo de voltar ao trabalho..
É complicado lidar com isso. Novamente a gente cai na questão dos que não acreditam no vírus e não têm medo e dos que acreditam, mas não têm medo. E, a questão muito maior é financeira, nós estamos falando de economia. O que causa a falta de carnaval? O carnaval não existir muitas famílias serão afetadas financeiramente. Não estamos só falando da questão emocional e de nos divertimos, quando a gente fala de pandemia afeta todas as questões.
Afetando financeiramente também afeta sua emoção; afetando socialmente também afeta sua emoção; afetando o seu trabalho, a sua casa, afeta sua emoção. Como lidar com isso: Eu creio que só o tempo fará com que a gente encontre o caminho. Vão haver muitas desavenças, algumas não são tão ruins pois é no desencontro das nossas ideias que encontramos a ideal. Algumas vezes os conflitos são necessários para que a gente encontre o ideal, não sabemos tudo, estamos descobrindo como vamos lidar.
Assim como nós tivemos outras pandemias anteriores a HN1, da gripe, a gente vai encontrando o caminho para que possamos ter uma sociedade mais unida, mais saudável. A vacinação está aí, algumas pessoas continuam como eu, fazendo todo o trabalho de autocuidado e com o próximo para que a gente possa caminhar e não tem outra forma, não tem como a gente lançar uma ideia e todos abraçarem. A gente vai aprendendo a lidar todos os dias com todos os problemas que existiram, que existem e que vão existir.
Quando é o momento certo para buscar ajuda profissional com relação à saúde mental e onde é possível encontrar essa ajuda?
O momento exato é onde surge a dúvida. Se você sentiu dúvida se está bem é o primeiro momento, o primeiro sinal. As emoções elas balançam, principalmente agora que passamos por problemas intensos, elas vieram com intensidade. Então, procurar uma ajuda, um momento onde você pode estar com um profissional a saúde mental e conversar, expor e falar, é agora. É no momento em que sentiu esse desejo.
Se a pessoa acha que não tem nenhum problema, que está tudo bem, mas de repente uma tristeza veio com intensidade ou passou por situação traumática, morte na família, divórcio, desemprego, todas são causas que podem trazer sintomas de angustia, tristeza ou desalento. Ou a pessoa perde totalmente a visão de futuro, fica cega quanto à possibilidade de um futuro. Se a pessoa apresenta também sintomas de dor de cabeça constantes, estômago, gripes ou resfriados, dores constantes, a máxima é que o corpo fala de algo que acontece com as nossas emoções. Mas do que uma dor de estômago ou de cabeça, que a gente entende que seja patológica, na verdade ela pode ser uma questão emocional. Vale sim em qualquer quadro desses procurarmos uma ajuda psicológica, alguém que está preparado para lidar com essas questões.
Também existem as vontades fixas de lavar as mãos, vontades que não passam, ou de ajeitar a casa o tempo todo, também podem indicar TOC. O desejo de dormir constante ou falta de sono constante, tudo o que sai do normal, pode ser uma questão emocional.
O primeiro lugar que podemos procurar ajuda são nos postos de saúde, as UPAS, porque são os mais próximos; até mesmo o SAMU se a pessoa estiver tendo uma crise. Temos o Centro de Valorização à Vida, o CVV, onde os atendentes têm treinamento para tratar de pessoas assim. Também foram criados vários grupos de WhatsApp de profissionais de saúde mental, onde eles fazem os primeiros atendimentos urgentes sobre a questão desse transtorno, dessa angustia, desse sofrimento no momento. É importante também achar esses grupos nas redes sociais, principalmente se a pessoa não tem um grupo de família ou amigos que possa indicar um psicólogo ou psiquiatra, porque a psiquiatria também trata dessas questões, não é só de loucura gente. Todas essas portas são válidas.
Quais suas orientações para vivermos este ano com mais leveza?
Nós podemos lançar mão da esperança, manter uma mente mais positiva, tudo isso, mas não é fácil. Não é fácil buscar essas coisas dentro das nossas emoções mediante todo quadro de luto que passamos e que ainda vivemos.
Podemos alimentar a nossa mente com as possibilidades que estamos tendo da ciência, aquietar um pouco mais. Precisamos alimentar a nossa mente com tudo o que já aprendemos sobre a covid, o vírus, como lidar com cada questão.
Usarmos o conhecimento e a sabedoria pois eles, sem a prática, não nos conduzem a nada. Porque infelizmente sabemos que quando um vírus é lançado, ele não some, vamos ter que conviver com ele e tratar o resto das nossas vidas. Mas assim como nós aprendemos em outras pandemias a como lidar a exempli dos cuidados, da vacina, os novos hábitos, acho que isso é importante.
Termos mais leveza no sentido de acreditarmos que nós podemos, através do nosso crescimento pelo conhecimento e pela ciência, superar o nosso inimigo, o vírus.
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