• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Deadlock: tabuleiro societário e as estratégias para evitar o xeque-mate


Lucia Regina P. Moioli 

No universo ideal das sociedades empresárias, a harmonia entre os acionistas seria um pilar inabalável, permitindo a tomada de decisões de forma fluida e racional. No mundo real, no entanto, os interesses nem sempre convergem e, quando os desacordos atingem um patamar irreconciliável, surge o temido deadlock. Um impasse dessa natureza é o equivalente corporativo a um jogo de xadrez no qual ambos os lados se encontram bloqueados, incapazes de avançar sem arriscar perdas irreversíveis. A paralisação da gestão, a incapacidade de definir estratégias e a deterioração do ambiente interno são apenas alguns dos sintomas dessa patologia societária.

O dilema não é recente. Desde os primeiros tratados sobre o direito societário, doutrinadores destacam a importância de se estabelecer mecanismos de solução para dissensos entre sócios. No entanto, a prática mostra que, em muitos casos, os acionistas só percebem a gravidade da ausência de cláusulas de resolução de deadlock quando a situação já se tornou um xeque-mate sem saída.

Nos sistemas jurídicos de vanguarda, diversas soluções foram desenvolvidas para mitigar os efeitos do deadlock. A Russian Roulette, por exemplo, é uma cláusula que confere a um acionista o direito de fixar um preço pelo qual pretende vender suas ações ao outro, que, por sua vez, pode aceitar a aquisição ou inverter os papéis e obrigar o ofertante a vender pelo mesmo valor. Trata-se de um jogo de estratégia em que a racionalidade econômica deveria imperar, mas que pode facilmente se tornar uma armadilha para quem subestima a capacidade financeira do oponente. Em um famoso caso na Inglaterra, uma empresa de tecnologia viu seu fundador ser expulso da própria criação por um investidor que, com cofres mais profundos, simplesmente "comprou" a briga e levou todo o controle do negócio.

Não menos interessante é o Texas Shootout, na qual os acionistas fazem ofertas secretas de compra das participações um do outro, sendo que a maior proposta prevalece. Parece justo, mas há um problema: esse modelo pressupõe que ambos os lados tenham acesso a recursos financeiros semelhantes, o que nem sempre ocorre. Assim, o suposto jogo de equidade pode se tornar um palco de massacre financeiro.

Além dessas, há outras soluções contratuais igualmente eficazes. O Buy or Sell, por exemplo, funciona como uma variação do Russian Roulette, mas sem o fator surpresa. Ambas as partes podem estabelecer um preço justo, e a decisão de comprar ou vender fica vinculada a essa precificação previamente definida. Já a Divisão de Ativos pode ser uma solução interessante para sociedades em que há múltiplas unidades de negócios, permitindo que cada acionista assuma o controle de um segmento específico da empresa, reduzindo a necessidade de dissolução.

Outra abordagem sofisticada é a Cláusula de Venda Obrigatória, pela qual, caso o impasse persista por um determinado período, um dos acionistas é obrigado a vender sua participação para um terceiro investidor estratégico, previamente definido em contrato. Esse mecanismo impede que disputas internas comprometam o valor da empresa e evita que a inércia destrua oportunidades de mercado.

Além disso, pode-se adotar a Nomeação de Perito ou Comitê de Especialistas, um modelo amplamente utilizado em setores regulados, no qual um painel de especialistas independentes analisa a questão e impõe uma solução vinculante. Essa abordagem reduz a incerteza e acelera a resolução do conflito, mitigando os custos e os impactos sobre a operação da companhia.

Outro modelo amplamente adotado é a Cláusula de Rotação de Voto, em que, em caso de empate, a decisão final é atribuída alternadamente a cada acionista, conforme um calendário pré-definido. Embora simples, essa solução pode ser eficaz em sociedades de capital fechado com acionistas que compartilham um grau razoável de confiança mútua. Para companhias com conselhos de administração robustos, a nomeação de um Conselheiro Desempatador pode ser uma alternativa menos traumática do que a imposição de um mecanismo de compra e venda de ações.

Outras soluções incluem mecanismos como mediação e arbitragem, amplamente utilizados em jurisdições como Estados Unidos e Reino Unido. A ideia é que um terceiro imparcial, com experiência e bom senso, auxilie na resolução do conflito sem a necessidade de acionar o Judiciário. No entanto, a arbitragem também tem suas armadilhas: pode ser lenta, cara e, se mal estruturada, resultar em decisões que desagradam a todos os envolvidos.

E, claro, existe sempre o remédio extremo: a dissolução judicial da sociedade. Recurso drástico, equivalente a derrubar o próprio rei para impedir o xeque-mate adversário. Empresas que recorrem a essa saída geralmente já estão em frangalhos, e a dissolução acaba funcionando mais como uma autópsia do que como um tratamento.

O jogo societário, tal como o xadrez, exige planejamento, leitura antecipada de cenários e movimentos estratégicos bem calculados. Negligenciar a necessidade de prever o impasse é o mesmo que entrar em uma partida sem estudar as peças e suas movimentações. Em tempos de fusões, aquisições e investidores cada vez mais sofisticados, cláusulas de resolução de impasses não são um luxo, mas uma necessidade.

Como diria um velho advogado de Wall Street, "um bom contrato é aquele que você espera nunca precisar usar". No tabuleiro societário, vence quem enxerga além das jogadas imediatas e antecipa a partida até seu último lance.

 

Lucia Regina P. Moioli é advogada, L.LM pela Cornell Law School, head da área de M&A do Chodraui & Hohl Advogados, professora universitária, palestrante e escritora.




Deixe um comentário

Campos obrigatórios são marcados com *

Nome:
Email:
Comentário: