Rafaela Maximiano - Da Redação
Nessa última semana, o Brasil viveu dias conturbados não somente na saúde mas também na política. Semana Santa, onde cristãos de todo o mundo relembram a morte de Jesus Cristo e sua ressurreição, que representa para a humanidade fé, esperança e renascimento de dias melhores, vimos no Brasil a explosão de casos de coronavírus e de mortes, além de estados inteiros imporem quarentena obrigatória e medidas mais rígidas para evitar a propagação do vírus.
Em Brasília, no Congresso Federal, parlamentares viram a troca do Ministro da Defesa e de três generais das Forças Armadas Brasileiras como uma tentativa de golpe pelo presidente da República para quem sabe, impor uma eventual ditadura. Na desconfiança, emplacaram mais um pedido de impeachment do Presidente Jair Bolsonaro.
Mas o que de verdade há em tudo isso? Para saber e esclarecer, o FocoCidade conversou com os analistas políticos Alfredo da Mota Menezes, Lourembergue Alves e Onofre Ribeiro.
Na Entrevista da Semana, os analistas responderam à pergunta: as recentes movimentações da segurança nacional que deixaram o governo Bolsonaro e os cenários paralelos, como a ação no Congresso que pede impeachment do presidente coloca o Governo numa balança, cai ou não cai? Qual sua análise desse processo e o que de fato há no contexto de suposto golpe?
Vale ressaltar que nas entrevistas em formatos especiais como esta, o FocoCidade sempre buscou a informação e o conhecimento com quatro analistas, porém nesta edição o professor João Edisom não pôde participar devido à problemas de saúde na família. A falta do valoroso analista deixará de enriquecer nosso debate hoje, mas sabemos que em breve poderemos contar com suas análises e críticas. Compreendemos sua ausência e desejamos pleno restabelecimento a seus familiares.
Ao leitor do FocoCidade, boa leitura e Feliz e abençoada Páscoa!
Alfredo da Mota Menezes
Eu acho que foi uma semana complicadíssima para o presidente lá em Brasília. Se me permite falar um pouco da aprovação daquele orçamento, que foi uma tragédia. Colocaram R$ 26 bilhões a mais para emendas de parlamentares. O senador Márcio Bittar do Acre parece um desatinado e aquela movimentação do Arthur Lira - falando agora sobre sua pergunta - dizer aquilo, etc., o meu ponto de vista é que eles estão tentando aprisionar o Bolsonaro. Aquilo foi um recado, eles não vão caminhar para o impeachment porque sabem que não têm apoio na rua. Impeachment é quando, no caso do Collor e da Dilma você tem o povo na rua, e, com pandemia não vai ter nada disso.
Aquilo – que você se referiu na pergunta – parece que foi um recado e pegou. O que quero dizer que pegou, naquilo que eu falei do orçamento, que o presidente da República deve ter concordado - porque o Bittar disse que conversou com ele e que seria dinheiro para obras e tudo mais – e o Centrão conseguiu emplacar àquela deputada no setor que libera as emendas – Flávia Arruda (PL-DF) é a nova secretária de governo da Presidência responsável pela articulação política e coordenará a distribuição de emendas não impositivas e demais verbas obrigatórias aos congressistas – então o recado a que me refiro foi nesse sentido: de tornar o presidente prisioneiro do Centrão.
Não acredito que ia ter golpe, não acredito que ia ter impeachment, não há clima para isso. E, o presidente parece que caiu na esparrela, como se dizia antigamente. Se me permite vou estender um pouco e dizer como a semana do presidente foi ruim. Aquela situação de demitir o Ministro da Defesa e logo depois piorou porque os outros três comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, quando vão conversar com o novo Ministro da Defesa e ele informa a eles que já estavam demitidos. Isso provocou na tropa, nas forças armadas o desassossego. Lá dentro também o presidente perdeu espaço. Ele não tem e já não tinha tanto assim, com o que ele fez de maneira atabalhoada, acabou nesse setor também tendo problema.
Eu achei a semana em Brasília, complicada para o presidente. Quem ganhou foi o Centrão. E, agora, mais ainda. Vamos ver como ele vai fazer com o orçamento, se ele não vetar como está pedindo o Paulo Guedes muitas coisas, e, deixar correr como está ali, que parece que ele concordou como o Bittar conversou com ele, pode ter espaço para quilo que aconteceu com a Dilma que é crime de responsabilidade. Pedalada fiscal. Ele vai deixar? Vamos ver na próxima semana.
Lourembergue Alves
Primeiro é preciso dizer que se trata de dois cenários distintos. Embora venham a se entrelaçar ou não lá na frente. Em seguida, cabe acrescentar: ao ser eleito e empossado, o presidente da República nomeia e empossa seus auxiliares diretos, afinal é ele “o dono dos cargos”, atribuições que lhe são assegurados pela Constituição Federal, e garantidos pela vitória eleitoral obtida. Contudo, não se pode, nem deve perder-se de vista que o presidente, a todo instante, é pressionado por forças políticas, pois são estas que lhe dão respaldo no Congresso Nacional, sem as quais ficariam difíceis as coisas, afinal, o chefe do Estado e do governo pode muito, mas não pode tudo, até porque não se trata de um ditador, nem de um “dono” da Nação. Ele está sob, e não sobre as regras e as normas, além de sê-lo, ou deveriam suas ações e atos, como os de toda a administração, religiosamente fiscalizados, conforme reza o artigo 49, inciso X do Estatuto do estado brasileiro.
Em meio a uma situação ou outra, o presidente pode, no instante em que achar necessário, trocar seus auxiliares. Muito embora se saiba que tais trocas se dão, quase sempre, por pressão das forças políticas distribuídas no Parlamento federal. Isso, a princípio, nada há de ilegal ou imoral. Torna-se, porém, imoral quando se estabelece o toma lá dá cá, como moeda de troca pela aprovação de projetos do interesse do governo. Infelizmente, inexiste, no país, um governante que estivesse alheio ou fora desse troca-troca. Todos foram, e barganharam. E, desse modo, sua base no Congresso ora se amplia, ora se encolhe. E, ao encolher-se, pode resultar em enfraquecimento do presidente e de seu governo. Enfraquecido, ele se torna refém em vários momentos das exigências de sua própria base. Daí o seu cuidado para manter sempre uma base ampliada.
Contudo, não é apenas neste particular que o presidente se enfraquece. Enfraquece também quando perde o apoio popular, embora, hoje em dia, um tanto dificultado pela atual divisão existente no país, transformando-o literalmente em uma grande arena, com a torcida “A” (a favor) e a “B” (contra) se posicionarem nas arquibancadas, sem qualquer filtro e senso crítico, uma vez que a condição de torcedor esmaga a de crítico, além de subtrair o caráter da razão, prevalecendo assim à emoção e a paixão. Emotivo e apaixonado, o eleitor é uma presa fácil, facilmente guiada, conduzido e ludibriado. São muitos os exemplos. Por falta de espaço, não cabe aqui citá-los. Mas um país dividido não é bom para ninguém. Não o é para o próprio Estado, tampouco para a sua população. Nem, ao menos, para o governante. Engana-se completamente quem pensa ao contrário.
Dividido o país, o governante tende a se enfraquecer também, o que pode resultar em dificuldades também no Parlamento, onde haverá maior cobrança por liberação de emendas e disponibilidade de cargos. E é neste contexto que se deve analisar as trocas das peças do governo. Ainda que haja particularidade, tal como a demissão do general Fernando Azevedo da chefia do Ministério da Defesa. Demissão já desejada e querida pelas forças de pressão. Acontece que ao demiti-lo, o presidente não contava com a reação imediata dos chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica, os quais decidiram por entregar seus cargos. Isso poderia ser entendido como atitudes louváveis, uma vez que poderiam soar como uma espécie de liberdade para o novo titular da pasta. Contudo, não é bem assim. Basta que se dê uma olhada criticamente às divergências entre o presidente e aqueles ditos chefes, em especial o comandante Edson Leal Pujol (Exército).
O presidente, em muitas ocasiões, teve seus desejos ignorados por eles, não de forma afrontosa, mas teve sim, em respeito a ordem e a disciplina bastante caras nas Forças Armadas. O que descontentou, e muito, o presidente, sem que tivesse o apoio irrestrito do general Azevedo, que foi demitido, e, antes que os comandantes entregassem seus postos, o presidente também exonerou os comandantes Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antonio Carlos Bermudez (Aeronáutica).
A demissão simultânea dos chefes das três forças é um fato inédito no país. Para ser mais preciso: não se vê isso desde 1985. O que marca a crise. Crise inegável, ainda que não se queira visualizá-la. Crise que também foi captada pelos congressistas, senão todos eles, mas grande parte deles, sobretudo os oposicionistas, que ingressaram com um pedido de impeachment contra o presidente da República. Mais um. Já são mais de setenta pedidos. Qual a chance de que esse pedido venha a prosperar? Nenhuma chance. Mas será mais um trunfo que o chamado Centrão se utilizará para pressionar o governo.
O fato, porém, de não prosperar não significa que a crise foi abortada. Nada disso. No jogo político, carta alguma é de toda descartada. Ainda que algumas delas sejam mais importante que outras. E nesse jogo, o presidente, mal assessorado, deu passos desorganizados, fora do tom, e falou o que não devia por muitas e muitas vezes. E foram justamente esses passos desorganizados e falações desencontradas do ocupante do cargo mais importante do Estado, que abriu brechas, lacunas enormes para as críticas, e para o entendimento de que o presidente tentava dar um golpe (ou auto-golpe).
É claro que há aqui um exagero, até porque não se tem clima mais para isso, mesmo que haja uma parcela da população que torce para esse desfecho, mas esta parcela não é todo o conjunto da população. Se é um exagero no golpe, não tem nada de exagero quando se diz que o presidente procurou, e procura de todas as formas obter o apoio irrestrito das Forças Armadas em suas vontades miúdas, até como um galho da árvore para que possa se segurar, uma vez que ele percebeu o seu próprio enfraquecimento dentro do Congresso, o crescente índice de desaprovação a sua conduta e falações, em especial ao período da pandemia. Não basta ter enviado dinheiro para as unidades e municípios, auxílios emergenciais, com a participação dos congressistas. Seria preciso uma força-tarefa no combate ao vírus, com a liderança do governo federal, o que não aconteceu. É isto.
Onofre Ribeiro
Essa análise é um pouco complexa porque ela pega muitos fatores históricos e outros fatores da atualidade. Então vamos por partes. O Bolsonaro se elegeu em 2018 e trouxe muito do idealismo militar. Os militares governaram de 1964 a 1985. E, quando entraram em 64 eles tinham uma teoria e a pratica de combater o comunismo e a bagunça que era o governo João Goulart, e é verdade.
O governo de João Goulart era uma bagunça incalculável. Ele pegou o Brasil mais ou menos como está agora, desorganizado. E, os militares tiveram que tomar medidas duras e governaram com a filosofia positivista de que para que haja progresso é preciso ter ordem. Esse é o positivismo de Augusto Comte do século XIX. O Bolsonaro se elegeu com essa leitura: os militares retornam ao poder através dele e nós vamos ter um ciclo de desenvolvimento daquele estilo, restrições de liberdade e ao mesmo tempo um progresso muito forte. Acontece que a sociedade de agora está muito mais intolerante do que naquele tempo, muito mais organizada e com muito mais voz. A mídia de hoje não é a mídia de antes. Então, qualquer projeto que o Bolsonaro eventualmente tivesse naquela linha de endurecer, não deu certo porque a sociedade se movimentou e não aceitaria. Esse é um ponto.
Segundo ponto: os militares de agora, os generais de hoje, foram formados de pois do fim do regime militar. A maioria não tem conhecimento do que foi o regime militar. Só aquelas informações que eles recebem dentro do Exército, da Aeronáutica e da Marinha. Alguns anos atrás eu dei palestras anos seguidos para turmas de estudo da Escola de Comando e Estado-Maior da Academia Militar das Agulhas Negras do Rio de Janeiro, quando os oficiais se preparam para o grau de coronel e de general de brigada, eles fazem viagens de estudo e vieram a Mato Grosso com pautas específicas e eu fui designado para fazer palestras para eles.
Em um almoço de confraternização logo em seguida, eles viram que eu sou uma pessoa muito politizada quiseram sentar comigo, os dirigentes e um grupo de coronéis juntaram as mesas, quebraram o protocolo para me escutar falar como era o regime militar. Porque eles me confessaram que não sabiam e que se sentiam muito desconfortáveis com a lembrança que eles veem na mídia sobre o regime militar. Lembrando que o PT construiu uma narrativa antimilitar porque o PT nasceu durante o regime militar e sofreu repressão, contra o sindicalismo, etc. Então, os militares de agora eles não tem ligação com o governo, eles não são mais politizados, eles são voltados para dentro da caverna, para função técnica.
É importante lembrar também que em 64 quando os militares chegaram ao poder eles vinham de projeto que nasceu lá na transição da república velha para a república nova. Em 1922 os tenentes, os militares fizeram um movimento chamado “Tenentismo” que era contra a república velha, aquela corrupção de São Paulo e Minas Gerais drenando o país pelos dois estados. Os militares vieram se posicionando desde 1922 até 1964 quando chegaram no poder. Eles chegaram pela construção de uma carreira política para governar. Era a leitura dos militares até 1964 e ficaram até 1985. Foi um preparo que eles fizeram na época, o país não tinha a organização que tem hoje, e os militares eram organizados. Isso acabou, eles não têm mais preparo para governar, eles têm preparo para usar as suas armas em defesa do Estado brasileiro.
Então hoje eles estão muito preparados do ponto de vista de estratégia, desenvolvimento, arma como arma de defesa do Estado e não como arma para ser usada na política. Então quando os três generais saem agora mais o Ministro da Defesa, porquê que eles saíram: porque eles disseram a Bolsonaro que eles cumprem uma defesa constitucional de defesa do país e não uma ambição política do governo Bolsonaro ou de qualquer outro governo.
O que acontece com tudo isso: o Bolsonaro perde nessa crise o discurso de que as forças armadas o apoiariam em qualquer circunstância. O que resta ao Bolsonaro já que perdeu as Forças Armadas, resta construir com o Congresso, que é o Foro adequado, um canal de comunicação, não de articulação como dizia Rodrigo Maia que ele estava falando de dinheiro e de interesse, o banditismo do Rio de Janeiro, passou isso. O que o Congresso tem é um papel moderador, um papel de articulação com a sociedade e de conversas com o governo porque o Congresso é um braço do governo. Então o Bolsonaro vai ter que aprender a conversar com o Congresso e o Congresso a conversar com o governo. Não na linha do Rodrigo Maia e do Alcolumbre que eram gângsters. Agora é conversar politicamente como estadistas.
O Congresso junto com o governo são os únicos capazes de frearem a ganancia ideológica e política do Supremo Tribunal Federal que extrapolou completamente o seu papel e a sua visão de Brasil, de Nação e de Estado. Se o Congresso começar a dialogar com o presidente da República, com o Poder Executivo no sentido de Nação, eles têm a condição e frear o STF e colocá-lo no seu papel judiciário e não ideológico-político. Aí nós estamos readquirindo a estabilidade, porque a estabilidade que o Bolsonaro não teve ela se baseou nos partidos de oposição que é natural, no STF que se tornou um inimigo natural do governo e na mídia.
A mídia tornou-se uma sambista de uma nota só, batendo, batendo, batendo e batendo, porque toda vez que acontece essas coisas do Supremo extrapolar, da mídia extrapolar é porque está faltando uma autoridade de conversa. Se o Bolsonaro adquirisse com o apoio da interlocução do Congresso, o Brasil entra no eixo em 30 dias. Se não, vai ter uma crise realmente grande, mas não é uma crise provocada pelos militares, eles não representam mais perigo para a democracia e digo uma coisa com convicção: nós não queremos governar, estamos fora.
Governar é coisa da política. Bolsonaro foi capital hoje é deputado federal há seis mandatos e agora presidente da República eleito por voto político a ele não a generais e nem ao Exército. Eu comecei a achar nesta semana que o país toma jeito. Uma razão que me leva a crer é que os dois presidentes, da Câmara e do Senado, são mineiros. Toda vez que o Brasil entrou numa travessia veio de Minas a solução. E não é só porque é de Minas não, é porque em Minas Gerais que se tem o hábito de se cultivar a política como conversa. Se os dois são capazes de conversar e o presidente está sem força para impor vai ter que aprender a conversar.
O Supremo é só um detalhe de um bando de 11 loucos que acharam que podem governar o país pelas suas cabeças, com aquelas togas ridículas. E, a sociedade acordou que não dá para ter Rodrigo Maia, e Alcolumbre, e Supremo e esse Congresso louco que estava ali. Penso que estamos chegamos ao início de uma nova jornada positiva, tenho fé nisso, a história mostra isso.
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