Sonia Fiori – Da Editoria
Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar “crime” o não pagamento do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoras devidamente declarado, recebe alertas de renomados advogados tributaristas.
O ICMS representa aos cofres públicos de Mato Grosso a maior fonte de receita própria, e sob a ótica das empresas, se transforma em “desafio” dado o contexto da política e legislação acerca da alta carga de tributos – federais, estaduais e municipais.
Nesta Entrevista da Semana especial, o FocoCidade aborda o assunto com dois especialistas referência na área: Carlos Montenegro e Victor Humberto Maizman. E as considerações são categóricas.
“Espero apenas que a decisão do STF seja empregada de forma restritiva. Claro que se o não pagamento do ICMS deu-se por inadimplência ou problemas de fluxo de caixa, não deve ser criminalizado. O duro será a prova nesse sentido e a subjetividade inerente à conduta dolosa. O que deve vir antes? O pagamento dos funcionários ou dos tributos? As despesas regulares ou os tributos? Investimentos ou tributos? Tudo é muito subjetivo. O que será considerado dolo para fins desta criminalização?, crava Montenegro.
“Criminalizar o imposto devido vai colocar no mesmo patamar o sonegador e o contribuinte que apenas deixou de pagar o imposto por falta de recursos financeiros, devendo com isso, congestionar as Delegacias de Polícia Fazendárias, Ministério Público e Poder Judiciário”, assevera Victor Maizman.
Confira a entrevista na íntegra:
Carlos Montenegro
A decisão dos ministros do STF de criminalizar o não pagamento de ICMS declarado pelo comerciante, mas não recolhido não pode aumentar a sonegação?
Não podemos afirmar isso por enquanto, pois será necessário verificar como será aplicada esta decisão na prática. Os Ministros deixaram claro que a responsabilização criminal somente ocorrerá nos casos onde houver o dolo, ou seja, a vontade expressa de não recolher o imposto, e esta conduta possui um enorme grau de subjetivismo.
O Ministério Público terá que ser extremamente sensível neste ponto para não propor ações criminais contra contribuintes que simplesmente não pagaram o ICMS por falta de recursos, pelo giro regular de sua atividade.
Lembro que ao mesmo tempo em que foi proferido este posicionamento pelo STF existem também posições jurisprudenciais contundentes no sentido de que, não haverá crime por dívida e também que a mera inadimplência fiscal não é causa geradora de responsabilização pessoal dos sócios.
Além disso, fundamental notar que quem deixa de recolher o ICMS é a pessoa jurídica e não seu sócio e nem o administrador, de modo que, a comprovação do dolo precisará ser clara. Como isso ocorrerá que será o “x” da questão.
A generalizar-se a conduta criminosa, deve sim haver um aumento da sonegação, por outro lado, a limitar-se a conduta à fraude ou ao devedor contumaz, creio que não deve ocorrer aumento na sonegação por este fato isoladamente.
Esta posição, contudo, não entra no mérito de que o julgamento em si, tecnicamente, não nos parece correto, além do que, pode propiciar má interpretação e enorme injustiça.
É certo que a pesada carga tributária eleva a sonegação de impostos?
Sem dúvida nenhuma, o Brasil é um país onde o empreendedor sofre muito com a elevada carga fiscal. Quem trabalha de perto com os empresários vê a enorme dificuldade com que estes cumprem com suas obrigações. Empresários de bem sofrem no mercado estreitando suas margens para poder competir em igualdade de preços com aqueles que sonegam e ainda possuem o pesado encargo trabalhista. E mesmo quando pagam todos os tributos em dia e todas as suas obrigações legais, ainda assim, são surpreendidos com multas por descumprimento de obrigações acessórias, ações trabalhistas descabidas e tantos outros fatores de risco. É uma temeridade como os empresários deste país são tratados. Estamos matando as nossas galinhas dos ovos de ouro e precisamos tomar alguma atitude rápido pois muitos já fecharam suas portas ou foram para outras regiões do país. A sonegação nada mais é do que o reflexo de tudo isso. Ela não é causa, é consequência.
Isso, note, não estamos nem entrando no mérito do retorno dos tributos à sociedade, o que é outra conversa.
Então criminalizar os impostos devidos não piora a situação?
Essa pergunta está vinculada à primeira, por isso digo que é cedo para avaliar as consequências da decisão do Supremo. O fato é que a criminalização da inadimplência, por si só, é algo impensável, ao menos no momento atual em que vivemos, onde corruptos e bandidos é que devem ser punidos e não empresários que a duras penas mantém seus negócios. Vale sempre lembrar que a fraude, a sonegação e a ocultação de bens, já eram crimes antes desta decisão, estamos aqui a falar de ICMS declarado, ou seja, aquele espontaneamente declarado e confessado pelo contribuinte. Como penalizar aquele que não sonegou informação e que confessou sua dívida? Menciono ainda que estas situações abreviam a própria cobrança do ICMS pelo fisco. Ao declarar e confessar suas dívidas, o contribuinte deixa de se submeter ao processo administrativo, ou seja, o fisco pode executar o valor diretamente. Por isso, ao que aparenta, a decisão do STF quer potencializar a arrecadação mesmo havendo meios hábeis, previstos na legislação, para a cobrança não só do ICMS, como dos demais tributos.
O entendimento dos ministros da mais alta corte de Justiça pode ser compreendida como um reforço na tese de que ao não recolher o imposto que é pago pelo consumidor e não pelo comerciante, o mesmo está praticando crime de apropriação indevida?
À exceção dos Ministros que votaram de forma contrária, a corrente vencedora defendeu este posicionamento, com o qual não concordo. A situação é diferente dos casos de retenção onde já houve julgamento pela criminalização. Os casos de retenção são aqueles onde o responsável pelo recolhimento desconta do contribuinte o valor do imposto para que possa repassá-lo ao erário. Nestes casos, não há imposto próprio e sim, um tributo de terceiro que ficou sob a responsabilidade de outrem para que este apenas faça o repasse ao fisco. Claro nesta situação é que se não foi feito o repasse, o responsável pelo pagamento beneficiou-se do recurso de um terceiro em manifesto prejuízo do fisco. Com o ICMS a situação é completamente diversa pois é um tributo não cumulativo, onde apuram-se os créditos de ICMS nas aquisições e os débitos na venda. Ao contribuinte cabe pagar o ICMS próprio, que é a diferença entre ambos. Existem situações onde em determinado mês, sequer existe ICMS a pagar posto que, os créditos superam os débitos, além do que, estamos a falar de créditos escriturais e não recursos financeiros de terceiros. O ICMS devido ao erário é próprio e não de terceiro, o que eliminaria a tese de que há apropriação indébita.
A maioria dos Ministros do STF, contudo, foi contrária a este entendimento. Respeitamos, pois posições jurídicas não são objetivas, apenas discordo tecnicamente e também ideologicamente.
E como analisa esse cenário sob o contexto em que muitas empresas lidam com inadimplência de seus clientes - que em alguns casos decorrem do próprio poder público?
Espero apenas que a decisão do STF seja empregada de forma restritiva. Claro que se o não pagamento do ICMS deu-se por inadimplência ou problemas de fluxo de caixa, não deve ser criminalizado. O duro será a prova nesse sentido e a subjetividade inerente à conduta dolosa. O que deve vir antes? O pagamento dos funcionários ou dos tributos? As despesas regulares ou os tributos? Investimentos ou tributos? Tudo é muito subjetivo. O que será considerado dolo para fins desta criminalização?
Ao que tudo indica, as provas terão que ser periciais. Acredito que serão criminalizadas situações onde o negócio alavanca-se financeiramente por meio da inadimplência fiscal, em situação de habitualidade ou ainda, negócios que tenham lucro rotineiramente, em valores que extrapolem o necessário para uma vida razoável de seus sócios, e com inadimplência usual. Mesmo assim, veja, o grau de subjetividade é enorme.
Victor Humberto Maizman
A decisão dos ministros do STF de criminalizar o não pagamento de ICMS declarado pelo comerciante, mas não recolhido não pode aumentar a sonegação?
É evidente que se o contribuinte não tiver recursos para pagar o ICMS declarado, seria melhor então sonegar e declarar um imposto no valor compatível com a sua capacidade financeira momentânea. Todavia, nesse caso o contribuinte estaria trocando a conduta criminosa da apropriação indébita conforme entendimento polêmico do STF, pela prática da sonegação.
Contudo, nos tempos atuais com o avanço dos sistemas de fiscalização decorrente de cruzamento de dados, é de fato temerário o contribuinte optar pela via da sonegação, hipótese em que além de resultar na possibilidade de agravantes no tocante as penas aplicadas no âmbito criminal, ainda sofrerá a incidência de multas com percentuais mais elevados.
É certo que a pesada carga tributária eleva a sonegação de impostos?
O assunto deve ser analisado de forma casuística. Um pequeno contribuinte pode comprovar que sonegou no sentido de manter o seu estabelecimento em funcionamento. Por sua vez, tal justificativa não cabe no caso em que restou comprovado de que o contribuinte tinha a intenção deliberada de fraudar a legislação tributária.
De salientar que há um sentimento de revolta por parte do contribuinte que cumpre com suas obrigações tributárias extremamente onerosas, uma vez se paga muito tributo para um retorno pífio do Poder Público, principalmente no tocante os serviços básicos, tal qual saúde e segurança.
Então criminalizar os impostos devidos não piora a situação?
Como escrevi em recente artigo publicado nesse prestigioso sítio de notícias, criminalizar o imposto devido vai colocar no mesmo patamar o sonegador e o contribuinte que apenas deixou de pagar o imposto por falta de recursos financeiros, devendo com isso, congestionar as Delegacias de Polícia Fazendárias, Ministério Público e Poder Judiciário.
O entendimento dos ministros da mais alta corte de Justiça pode ser compreendido como um reforço na tese de que ao não recolher o imposto que é pago pelo consumidor e não pelo comerciante, o mesmo está praticando crime de apropriação indevida?
Essa foi a justificativa da maioria dos Ministros, considerando apropriação indébita o fato de que o contribuinte ao vender a mercadoria embute o imposto não recolhido no seu preço.
Porém, ao meu ver, a apropriação indébita ocorre quando um contribuinte empregador desconta do pagamento do salário do empregado o imposto de renda e as contribuições previdenciárias, vindo por ato contínuo, deixa de repassar aos cofres da União. Ora, tal hipótese não pode ser comparada com o presente caso em que o contribuinte apenas repassa todo o custo na operação no preço do produto.
E como analisa esse cenário sob o contexto em que muitas empresas lidam com inadimplência de seus clientes - que em alguns casos decorrem do próprio poder público?
Nesse caso caberá ao contribuinte apresentar defesa no sentido de que, muito embora vendida a mercadoria, não houve o devido pagamento por parte do adquirente, resultando assim na ausência de qualquer apropriação de dinheiro do consumidor, uma vez que sequer este pagou pelo produto adquirido.
O que haverá no caso será a impetração de muitos habeas corpus preventivos, a fim de resguardar o direito à liberdade do contribuinte que não agiu com dolo ou com má-fé pelo simples fato de deixar de pagar o imposto confessadamente devido.
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