• Cuiabá, 31 de Julho - 2025 00:00:00

Autossabotagem Não É Falha – É Medo de Ser Livre


Paulo Lemos

Por que repetimos padrões que nos destroem? E como quebrar esse ciclo com atos concretos de coragem.

A autossabotagem costuma se disfarçar de identidade. A gente se agarra a ela como se fosse parte do nosso DNA. Mas a verdade é: você não é ansioso, procrastinador ou autodestrutivo — você atua assim. E tudo o que é aprendido pode ser desaprendido. Ainda que o sofrimento pareça familiar, seguro, o preço de continuar nele é alto. Seu cérebro prefere o conhecido, mesmo que doloroso, ao desconhecido que liberta. Isso não é sinal de fraqueza — é biologia. Mas você não é refém do instinto. Você pode escolher.

Faça um teste hoje. Algo simples, quase bobo: ande descalço na grama, mude o tom de voz ao pedir um café, cumprimente alguém que você normalmente ignoraria. Observe. Sinta. Perceba se, por um segundo, algo muda por dentro. Às vezes, um ato mínimo já é uma microfratura no velho roteiro.

Muita gente acredita que a autopunição é uma forma de conserto. Que se ferir primeiro nos protegerá da dor vinda de fora. É uma ilusão cruel. A autocrítica severa ativa no cérebro os mesmos circuitos da dor física. Ou seja: cada vez que você se ataca mentalmente, está se machucando como se levasse uma pancada. Mas sem cicatriz visível. Quando se pegar se julgando, experimente perguntar: “Eu falaria isso para alguém que amo?” Se a resposta for “não”, talvez seja hora de rever quem você tem escolhido ser para si mesmo.

E se a repetição é sustentada por rituais, então romper o padrão começa ao quebrar esses pequenos rituais. Mude um detalhe. Antes de se render à compulsão, beba um copo de água. Antes de desistir, escreva “Vou tentar por 5 minutos”. Antes de explodir, respire. Além disso, o corpo pode ser a alavanca da mente: caminhe ereto mesmo que inseguro, sorria mesmo que por dentro esteja desabando — seu cérebro vai registrar isso como experiência real. Mude o gesto, e aos poucos o sentimento acompanha.

Você pode até começar um “diário das micro-rebeldias”. Anotar quando foi diferente. Quando se retirou de uma conversa tóxica sem se explicar. Quando não pediu desculpa por existir. Quando não se autoaniquilou por medo. Pequenos gestos que, somados, reescrevem o roteiro da sua vida.

Talvez a parte mais difícil seja entender por que a liberdade assusta mais que a prisão. Ser vítima é um lugar confortável: não se espera de você coragem, ousadia, mudança. Enquanto você se mantém no papel do que sofre, não corre o risco de ser o que falha. E mais: há quem prefira manter a identidade de “problemático” a encarar o vazio de não saber quem se é de verdade. Mas você não precisa se definir por padrões dolorosos. Tente, por uma semana, abolir frases como “Eu sou um fracasso”, “Eu sou ansioso”, “Eu sou o problema”. Troque por: “Às vezes ajo assim.” Isso abre espaço para uma identidade viva, em movimento — não uma prisão.

O mais importante: você não precisa estar “pronto” para mudar. Ninguém se sente preparado antes do salto. A coragem não vem antes. Vem depois. No momento em que você age, mesmo tremendo. Mesmo em dúvida. Então comece pequeno. Escolha um padrão. Interrompa-o uma vez nesta semana. Só uma. E repita. A primeira vez vai parecer esquisita. A quinta, libertadora.

Autossabotagem é só um nome bonito para medo de viver. Mas você — você é maior do que qualquer medo.

 

Paulo Lemos é advogado, filósofo e psicanalista.




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