José Renato Miglioli Cordovez
Consagrado no artigo 2º, caput de nossa Constituição Federal, o princípio da Segurança jurídica, vem sendo vilipendiado em constantes decisões proferidas por nossas cortes extraordinárias, que em repentina mudança de entendimentos passou a desferir julgamentos tendenciosos e pró Estado.
Referido princípio tem como escopo trazer estabilidade para as relações jurídicas possuindo natureza objetiva e subjetiva. A natureza objetiva versa sobre a irretroatividade de nova interpretação de lei no âmbito da Administração Pública. Já a natureza subjetiva, traz à tona a confiança da sociedade nos atos, procedimentos e condutas proferidas pelo Estado.
E é exatamente este o ponto que está sendo maculado pelas sucessivas decisões teratológicas proferidas por nossas cortes extraordinárias. Para elucidar a presente situação, podemos citar o acórdão proferido pelo STF no julgamento do Re nº 718.874, que mudou completamente os indícios de entendimento sobre o Tema.
Referido acórdão decide a questão da constitucionalidade do FUNRURAL, perante o advento da lei 10.256/2001, nos seguintes termos: “é constitucional, formal e materialmente, a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção”.
Todavia, a referida decisão vai ao encontro com indícios que a Suprema Corte demonstrava sobre a matéria. Fato que se comprova ante ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 596.177, do Supremo Tribunal Federal, em que o Ministro Marco Aurélio acompanha o voto do Ministro Relator Ricardo Lewandowski, afirmando que a edição da Lei nº 10.256/2001 não tornou constitucional a exigência do Funrural, senão vejamos trecho do voto: “Veio à balha não uma lei complementar que atendesse ao artigo 195, §4º, da Carta Federal, mas uma lei ordinária, a nº 10.256/2001. E nem se diga que a Emenda Constitucional nº 20 acabou por placitar a utilização de lei ordinária para criação desse tributo, porque apenas alterou o §8º do artigo 195 para expungir a referência a garimpeiro. A situação, portanto, é idêntica àquela com a qual o Plenário se defrontou - se não me falha a memória, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 363.852/MG -, e concluiu pelo provimento do recurso do contribuinte."
Percebe-se que quando da decisão da constitucionalidade da referida contribuição, mudou-se completamente os indícios até então apontados, trazendo instabilidade sobre as decisões da Suprema Corte no meio jurídico.
Principalmente pelo fato de que o voto que abriu a divergência fora emanado pelo então recém-empossado Ministro Alexandre de Moraes. Outro tema que este ano obteve destaque, negativo, foi o julgamento do RE nº 1.163.020/RS pela primeira turma do STJ que, acabou decidindo pela legalidade da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), cobrada nas contas de grandes consumidores que adquirem a energia elétrica diretamente das empresas geradoras.
Como um dos argumentos para a “pseudo” legalidade da referida tarifa, a decisão faz alusão ao impacto financeiro que a exclusão da TUSD da base de cálculo do ICMS teria para os estados. De acordo com o Estado do Rio Grande do Sul, a exclusão do ICMS geraria uma perda de mais de R$ 14 bilhões em receita por ano.
Referida decisão vem de encontro com o entendimento firmado pelo STJ de que a referida tarifa é ilegal, tanto é verdade que a 2ª Turma da Corte Superior, pouco tempo depois no julgamento do RESP 1.649.658, reafirmou o entendimento até então adotado de que a tarifa TUSD, não integra a base de cálculo de ICMS sobre o consumo de energia elétrica, uma vez que o fato gerador ocorre apenas no momento em que a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida.
Pois bem, vislumbra-se que a mudança sobre os entendimentos ora discutidos, tem cunho político e reflete o momento pelo qual passa o Estado brasileiro. Em meio à aprofundada crise que abala os setores da economia, seria suicido a declaração de inconstitucionalidade do FUNRURAL, visto a parcela que a união teria que desembolsar dos cofres públicos para restituir os contribuintes, que realizaram o recolhimento do referido tributo seria exorbitante.
Ademais, com a referida inconstitucionalização da contribuição, os cofres públicos deixariam de arrecadar milhões de reais, que agora os produtores correm para pagar a conta. Para apimentar ainda mais a situação de teoria da conspiração, o governo federal por intermédio da Medida Provisória nº 783 de 2017, instituiu o programa de regularização fiscal, denominado PERT, para regularização de débitos federais dos contribuintes.
Além é claro da possibilidade de qualquer contribuinte aderir ao programa pela ausência do recolhimento de tributo federal, o referido programa abarca também os contribuintes devedores do FUNRURAL. Coincidência, não é?
Desta forma, agindo na contra mão dos indícios apontados e até mesmo de entendimentos já consolidados, as cortes de última instância do poder judiciário vêm proferindo decisões em processos que se arrastam a mais de 20 anos, decidindo o passado com base no atual cenário econômico brasileiro, causando extrema insegurança jurídica.
Assim, “legislando” sem qualquer controle e principalmente atendendo aos anseios políticos e financeiros da administração pública, tanto o STJ como o STF, rasgam nossa Carta Magna sem verificar os princípios constitucionais, causando instabilidade jurídica e o descrédito da sociedade brasileira.
José Renato Miglioli Cordovez é Advogado especialista em Direito Tributário.
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