Mecanismos para o aumento (ou redução) da competitividade do comércio exterior não faltam ao redor do mundo. Com o Brasil, não é diferente. Nomes como drawback, ex-tarifário, Recof (Regime Aduaneiro Especial de Entreposto Industrial sob Controle Informatizado), Repetro (Regime Aduaneiro Especial), Zona Franca de Manaus, e tantos outros fazem parte do vocabulário comum dos tributaristas, planejadores, profissionais de comércio exterior, inclusive dos times comerciais. São estratégias e modelos de operações sem as quais muitas empresas no Brasil sequer sobreviveriam.
Dentre os pontos da reforma tributária que podem influenciar a competitividade do comércio exterior no âmbito federal, estão: a) as mudanças relacionadas às operações por conta e ordem de terceiros, passando por possíveis mudanças nos papeis de responsabilidade solidária, antes do adquirente e agora do terceiro/trading. Nas operações por encomenda não são previstas mudanças; b) drawback, em sua modalidade isenção, poderá apresentar mudanças relevantes, abrangendo apenas o Imposto de Importação, e não mais o IPI/PIS/COFINS, que serão substituídos pela CBS; c) ZFM (Zona Franca de Manaus): previsão de manutenção completa de regimes condicionados às localizações geográficas, seja a ZFM, ou as ZPEs (Zonas de Processamento de Exportação).
Como essas questões afetam a competitividade do comércio exterior brasileiro? Analisemos alguns dados interessantes.
De 2015 a junho de 2024, deixaram de ser pagos mais de R$ 281 bilhões somente a título de Imposto de Importação. Neste mesmo período, R$ 113 bilhões deixaram de ser pagos a título de IPI.
Para não nos estendermos de maneira muito complexa nessa conta, para o II, temos que apenas 10% do montante não pago provém do uso do drawback, que só ganha da admissão temporária, que tem representatividade de 6,8%. Acima do drawback vem o Repetro, representando 33,6% desse montante, seguido de Recof e ZFM, ambos com 15% e 10% de representatividade, respectivamente.
Para o IPI, porém, o ranking de representatividade é bem diferente. A até então terceira colocada (ZFM) para o II, agora segue na liderança, representando quase 30% do montante não pago, seguido por admissão temporária com aproximadamente 10%, drawback e entreposto aduaneiro, com 8% e 6% respectivamente.
Olhando apenas para montantes financeiros, pode-se dizer que as mudanças do drawback apontadas acima trariam impactos relevantes, que podem chegar até a casa as dezenas e bilhões de reais somente para o IPI. A esse montante, somam-se o PIS e COFINS. Isso significa que para boa parte das empresas, tais valores terão de ser agregados aos custos de seus produtos, levando-os a um preço mais alto e menos competitivo que hoje. Já para Zona Franca, Recof e admissão temporária, não haverá impacto.
Acontece que, quando se olha para volumes financeiros, tem-se uma percepção; mas quando se analisa o volume de empresas que utilizam os regimes, o cenário é bem diferente.
Neste período de 2015 até junho de 2024, quase 11 mil empresas utilizaram algum desses regimes mencionados acima. Só que daquele volume financeiro que expusemos anteriormente, menos de 200 empresas são responsáveis por 80% dos montantes não pagos (suspensos ou isentos) a título de II e IPI. Se aprofundarmos a análise, os números são ainda mais alarmantes: menos de 30 empresas detêm metade dos valores suspensos ou isentos a título de II e IPI, enquanto somente cinco empresas são responsáveis por 25% dessas renúncias.
No âmbito estadual, a sistemática de oferta de regimes especiais de tributação não foge muito à sistemática do âmbito federal: objetiva gerar renda e empregos, contribuir com o desenvolvimento socioeconômico do estado, gerando equilíbrio de balança comercial através de exportações, em troca de suspensões, reduções ou isenções do ICMS, que será substituído pelo IBS.
Inúmeros benefícios como os existentes em MG, PR, SP e SC são prova disso, fazendo com que o planejamento das empresas considere a relevância do ICMS em suas operações a ponto de alocar suas instalações ou até mesmo trocar de portos de desembaraço, condicionados a tais cenários e fomentando a "guerra-fria" entre os estados.
Pode-se concluir que o impacto será grande, mas será para poucos. Da mesma forma que para as empresas com menor representatividade nesses percentuais, haverá uma abertura de espaço para o aumento da utilização dos regimes e incentivos para expandirem cada vez mais seus volumes de produtos importados e exportados, gerando todo um efeito em cadeia, que pode ser muito positivo, ou muito negativo (a exemplo das inúmeras medidas antidumping que vêm sendo adotadas em relação a produtos oriundos da China).
Porém, pairam algumas dúvidas importantes. Será que empresas hoje localizadas em locais de tributação favorecida muitas vezes com escassa mão de obra qualificada e recorrentes contratempos logísticos poderão realizar uma migração de volta aos grandes centros urbanos? Haveria mais empresas dispostas a enfrentar os desafios de conformidade operacional e logística das zonas francas? É possível ocorrer uma migração maior de empresas que utilizam drawback para o Recof?
Logo, vê-se que a reforma tributária trará significantes mudanças ao cenário socioeconômico do país, trazendo reflexões sobre como as empresas se adaptarão para garantir a geração de renda e emprego que condiciona seus regimes, negociações com sindicatos e entidades de classes.
João Casalatina é especializado em gerenciamento de projetos, e sócio de Global Trade no Simões Pires Advogados.
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