Ao trafegar por diferentes regiões do Estado de Mato Grosso nos deparamos com a cobrança de “pedágio” efetivada por associações indígenas, fato que motivou a analisar a natureza jurídica de tal exigência frente à Constituição Federal.
De início, é oportuno salientar que mesmo denominando a exigência de "cobrança pelo direito de passagem” não afasta a natureza jurídica de pedágio.
De acordo com escritos antigos antes de Cristo, já se registrava a cobrança de pedágios. Também se relata a cobrança pela utilização de vias que ligavam a Síria à Babilônia, há mais de 4 mil anos.
No Brasil, a primeira via de rodagem prevendo a cobrança de pedágio foi a estrada “União e Indústria”, tudo de acordo com o Decreto de nº. 1.301 de 1.852 expedida pelo então Governo Imperial.
Pois bem, a referida cobrança pela passagem ou utilização de vias públicas ou privadas, terrestres ou fluviais, foi desde cedo percebida como uma fonte inesgotável de recursos.
Ao fazer uma comparação da atual Constituição Federal com os textos constitucionais anteriores, é possível identificar que a incidência do pedágio na Carta Política atual, não se prende a fundamentação jurídica específica da Constituição de 1946, onde o produto da sua arrecadação se destinava exclusivamente à indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas.
Em 1967, o pedágio foi criado para atender ao custo de vias de transporte, e agora a partir de 1988, a cobrança do pedágio é pressuposto fático para prévia manutenção de via pública pelo Poder Público.
De todo modo, a Constituição Federal de 1988 reservou a possibilidade de se estabelecer a limitação ao tráfego de pessoas ou bens mediante a cobrança de pedágio, vedando, contudo, que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios venham a instituir qualquer tributo tendente a restringir a circulação de pessoas e bens, exceto através de pedágio.
Sendo assim, apenas cabe a exigência de pedágio por parte do Poder Público de forma direta ou através de concessão às empresas privadas, as quais têm o dever de conservar e manter a trafegabilidade das rodovias nos moldes da legislação vigente, não havendo qualquer autorização constitucional para que entidades indígenas possam efetivar tal cobrança.
A propósito, no julgamento da ação sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a utilização das estradas que passam pelo aludido território não pode ser objeto de qualquer cobrança por parte da referida comunidade.
Portanto, a exigência do pedágio por parte das entidades indígenas é indevida, cabendo ao Poder Judiciário, caso seja provocado por aqueles que fazem uso da rodovia ou pelas entidades que os representam, ou até mesmo ao Ministério Público, afastar tal inconstitucional imposição.
Victor Humberto Maizman é Advogado e Consultor Jurídico Tributário, Professor em Direito Tributário, ex-Membro do Conselho de Contribuintes do Estado de Mato Grosso e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal/CARF.
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