Quando a bola começou a rolar, ainda havia resistência. Uma parte preferiu ficar olhando de longe, meio “ressabiado”. Outra estava ali, assistindo, mas ainda sem se entregar. E claro que ainda existem aqueles que se jogam mesmo, compraram o kit churrasco, chamaram os amigos e já não aguentavam mais esperar pela bendita Copa. Mas foi lá, aos 62 minutos de bola rolando que o grito saiu da garganta. Um grito que já apertava o peito, de emoção, de raiva, de alegria. Onze minutos depois veio a consagração, o grito do alívio.
O Brasil está passando por um dos momentos mais tensos de sua recente democracia. A divisão política ultrapassou os limites das eleições, chegou nas famílias, nas rodas de amigos, no trabalho, separou casais, provocou brigas e até violência. Há radicais de todos os lados, há intolerância de sobra e poucas vozes de sabedoria e clareza.
Por outro lado, as pessoas estão cansadas. Querem voltar a trabalhar normalmente, falar sem ter medo, acreditar de novo, abraçar, discutir sem brigar, debater o futuro sem cisão, com união. E precisaram quatro anos, uma pandemia, muitas brigas para que o momento chegasse.
Não se trata de superficialidade ou do velho conceito do “pão e circo” que, apesar de perigoso, é necessário - só fazendo um parêntese, sem comida e sem cultura, ninguém sobrevive. Mas a Copa também é economia, desenvolvimento, infraestrutura e educação. Todo país tem suas “paixões nacionais” que conseguem promover a união dos povos, sensibilizar pessoas de diferentes personalidades, origem e ideologia.
E vai além disso. Os economistas sabem que, de quatro em quatro anos, o mercado interno fica aquecido. Indústrias de eletrônicos, de alimentos e de bebidas se preparam para este período, o comércio se enfeita para atrair os clientes, o setor de bares e restaurantes montam uma programação especial. Tudo isso é dinheiro circulando, pessoas consumindo, geração de renda e desenvolvimento social.
São quatro semanas de alegrias e de tristezas compartilhadas. Desta vez chegou um pouco mais tarde, pela primeira vez uma Copa é realizada no final do ano. Há também mais polêmicas envolvendo o país sede do que nas edições anteriores. Questões culturais, sociais e econômicas estão provocando manifestações por parte dos atletas e dos espectadores. E que bom , o esporte também tem essa função. Olhar para os que não são vistos, questionar as guerras, pedir união, ressignificar a convivência entre povos. Foi assim lá em 1980, quando uma ursinha fez o mundo chorar na final das Olímpiadas da antiga URSS.
Voltando para cá. Onde também há guerra interna, desunião, intolerância, a esperança é que a cada gol surja uma oportunidade de reaproximação. A cada vitória, um novo posto de trabalho seja criado, e que a cada fase que a seleção avance, uma barreira seja derrubada. Em caso de derrota, que o pranto seja de todos. E que seja breve.
Vai ser em campo que, mais uma vez, o Brasil vai voltar a sorrir.
*Luciano Vacari é gestor de agronegócios e diretor da Neo Agro Consultoria & Comunicação.
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