Meu coração de pai está inteirinho neste artigo.
Exatamente nesta data de 7 de dezembro, em 2004, Carmem e eu sepultamos o nosso filho Marcelo em Cuiabá, vítima de um acidente de moto no dia anterior em Salvador. Aos 29 anos, Marcelo, era o nosso terceiro filho. Casado com Daniela Guimarães e pais do Luka, de 3 anos.
Não é necessário relatar todo do drama daqueles dois dias e dos dias, meses e anos seguintes. Hoje, 17 anos depois, o mundo girou tantas vezes. O nosso coração cicatrizou as feridas. Ficaram os sinais. Como cicatrizes na pele. Nunca somem. Daniela não se casou novamente e voltou a morar em Cuiabá para a nossa alegria. Junto veio o Luka, hoje com 20 anos. Aliás, hoje ele está em Aracaju, morando com a família do Fábio, o nosso segundo filho. Estuda medicina e, certamente, de lá ganhará o mundo. Parece muito ao pai. Aventureiro e ousado. Será cidadão do mundo. Tenho certeza.
Marcelo está profundamente incorporado às nossas lembranças. Sem dor. Sem lágrimas. Sem ressentimentos contra vida e nem contra Deus. Estamos convencidos de que ele cumpriu a sua trajetória. Encerrou a sua missão e voou. No começo não entendemos com essa clareza. Confesso o sofrimento profundo. Lágrimas escondidas. Silêncios amargurados. Mas passou! Carmem e eu estamos conscientes do que se passou e que do que se passa. Ele está onde está. Ou melhor: onde estiver. Conhecendo o seu jeito ousado, está muito ocupado. Pra variar, envolvido com gente.
Por canais espirituais confiáveis e por amigos soubemos que ele está lidando com jovens que morreram em situação de risco, tipo acidentes ou o uso de drogas. Bem o jeito dele.
Desejo mesmo neste artigo dizer aos pais e mães que todos estamos sujeitos a uma experiência inesperada como essa. De repente um filho ou filha parte sem avisos... É uma explosão de sentimentos desconhecidos. Junto vem a dor, a inconformidade. Lidar com a morte é um mistério profundo. Ainda mais de um filho. Contraria a aparente lógica da vida. Afinal, a relação com os filhos começa antes deles nascerem e prossegue vida afora. De repente um deles resolve voltar por sua conta e decisão. Inverte a corrente esperada...
Contudo, passados os sentimentos iniciais, a memória vai assentando e a vida aos poucos volta ao normal. Mas quando olhamos pra vida, lá estão as cicatrizes. É perfeitamente visível o quanto crescemos e amadurecemos com a experiência. A família toda cresce junta. Lições duras. Mais solidários. Mais familiares. Mas fraternos. Mais humanos. Mais generosos. Mais sensíveis. A capacidade de chorar toma conta de antigos sentimentos duros. Coisa pouca basta pra emocionar o coração. Viver não fica mais difícil. Fica mais humano!
Marcelo nos acompanha e não esconde isso. Nós o acompanhamos e também não escondemos. Mas os sentimentos de hoje são leves. De doce companhia. Ficou tão claro que foi um privilégio tê-lo conosco por 29 anos. Nos deixou o Luka, com temperamento parecido e o jeitão do pai pra não nos deixar sentir tanta saudade...
Se perguntarem à Carmem, a mim e qualquer dos três filhos, André, Fábio, Tiago e à Daniela como nos sentimos, todos diremos que a vida segue normal. Aqui pra nós, e lá, pra ele. Onde estiver...!
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso.
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