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Unificação das polícias: uma solução?

  • Artigo por Mário de Magalhães Papaterra Limongi
  • 03/12/2021
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São conhecidos os problemas de relacionamento entre as duas polícias. Não é raro que as cúpulas das duas instituições divirjam publicamente e responsabilizem a "coirmã" por falhas do sistema de segurança. A existência de duplo comando e a tênue distinção entre as funções de cada uma das instituições constituem duro desafio a secretários de segurança dos estados. Não por acaso, muitos especialistas em segurança pública propõem a unificação das polícias.

A matéria é extremamente polêmica.

Hoje, com a chamada bancada da bala no Congresso Nacional, não vejo a menor possibilidade de consenso na questão. Sempre que se fala em unificação das polícias há resistências corporativas e, equivocadamente, a meu ver, se diz que a unificação necessariamente enfraquecerá o combate à criminalidade.

Sendo realista, não há a menor possibilidade de o tema merecer a discussão da classe política, pelo que cabe discussão sobre a qualidade e eficiência do aparelho repressivo do Estado como um todo.

Duas recentes operações chamam a atenção e demonstram que há mais convergências na atuação das duas polícias do que diferenças.

Com foi amplamente noticiado, em 6 de maio de 2021, em operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro na comunidade de Jacarezinho, vinte e oito pessoas morreram- um policial e vinte e sete moradores, marginais ou cidadãos de acordo com a visão de cada um.

Em 22 de novembro, em operação agora da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro ao menos oito pessoas foram encontradas mortas por moradores de manguezal no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo.

As duas operações apresentam semelhanças, embora tenham protagonistas diferentes.

Seja na ação da Polícia Civil, seja na ação da Polícia Militar chama a atenção que foi precedida da morte de um policial.

Bem por isso, moradores de Jacarezinho e do Complexo do Salgueiro afirmam que houve represália por parte da polícia.

Como seria lógico se esperar, as cúpulas das duas instituições, com o respaldo do Governo do Rio de Janeiro, desmentem qualquer represália, defendem a legalidade da conduta, com a ressalva de que "eventuais excessos" serão "devidamente apurados".

Não se tem notícia de qualquer punição efetiva aos participantes da operação de maio e tudo leva a crer que, passada a indignação dos moradores do Complexo Salgueiro, também na recente operação não haverá qualquer punição (espero, sinceramente, ser desmentido com a atuação efetiva das duas corregedorias, além do Ministério Público e Defensoria Pública).

Outra semelhança chama a atenção.

Como é sabido, desde o início da pandemia, está em vigor medida liminar concedida pelo Ministro Edson Fachin que tornou excepcionais operações policiais em comunidades. De acordo com a liminar, operações como as duas aqui tratadas "devem ser devidamente justificadas por escrito" pela autoridade competente com a imediata comunicação ao Ministério Público estadual responsável pelo controle externo da atividade policial.

Ao contrário do afirmado precipitadamente por alguns, não houve, em nenhuma das operações, desobediência a liminar concedida pelo Ministro Fachin.

Em verdade, a liminar concedida em ação movida por partido político que questiona a política de segurança pública do Governo do Estado do Rio de Janeiro, não proíbe a atuação da polícia, condicionando-a apenas a justificativa por escrito e prévia comunicação ao Ministério Público.

Pois bem.

Nas duas desastradas operações- nenhuma operação que redunde em tão elevado número de mortes pode ser considerada bem-sucedida- a liminar foi obedecida.

O Ministério Público do Rio de Janeiro confirmou ter sido comunicado das duas operações policiais, o que demonstra que a decisão do Supremo Tribunal Federal, além de discutível por não se tratar de matéria da competência da mais alta corte do país, é inútil para impedir excesso na ação da polícia.

A atuação da polícia comporta ampla discussão por toda a sociedade.

A insegurança vivida pela população conduziu a um discurso baseado exclusivamente na repressão.

Importante lembrar que o governador eleito pela população do Rio de Janeiro (curiosamente ex Juiz Federal) nunca escondeu que daria liberdade total à polícia no combate a marginais, chegando a defender a ideia de execução. A imagem do governador descendo de um helicóptero comemorando a morte de sequestradores foi emblemática e não mereceu, à época, a devida repulsa.

O tempo se encarregou de demonstrar que uma polícia sem freios, sem compromisso com o cumprimento de formalidades legais para sua atuação, acaba por vitimizar a própria população que deveria ser protegida.

Ainda que seja importante a discussão sobre a unificação das polícias, o mais importante é a cobrança de uma política de segurança pública em que a prevenção seja mais importante que a repressão.

Com a palavra, o eleitor.
 

Mário de Magalhães Papaterra Limongi é procurador de Justiça em São Paulo e diretor do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).



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