O público e o privado nada têm em comum. Não são parentes, nem consorciados. São diferentes ao trajar, distintos no se comportar, distanciados ao andar. Coisa alguma existe para juntá-los, aproximá-los. Pois nada há que possa trazê-los mais próximos. Cada qual, aliás, tem conceito próprio. Mas, não é de hoje que o privado invadiu o campo do público. Desde então, tem feito balburdias, rebuliços por demais.
Por fim, tomou de refém o Estado, e serve-se dele como serviria de uma vaca leiteira, pendurado as suas tetas, enquanto seus cães ladram para afugentarem os penetras. Ao ladrarem, os cães também fazem pressão e ameaçam quem ousarem retirar-lhes as tetas.
Ficam, portanto, a ver navios os que esperam por migalhas, depois do crescer do bolo, como diria certo ministro do regime burocrático-militar. Longa espera. Cansados, buscam a sombra. Buscas sem êxito. Mal se dão conta de que a árvore do esperançar, a um tempão, esvaiu-se do lugar. Fora atacada pelo fogo que invadiu o grande pântano, varreu o cerrado, corrompeu a Amazônia e esfumaçou o céu, prejudicou a natureza e arderam as narinas dos citadinos.
Mesmo assim, diante de todo o mal causado, há quem preferem ficar esparramados ao sofá à frente do aparelho de TV, com a mão cheia de pipocas, sempre envoltos com enlatados, sem somarem com coisa alguma. Também há os que passam horas e mais horas a manusear as pequeninas teclas do celular, smartphones, curtindo e alimentando as Fake News. O redemoinho se alastra, deixa atrás de si pegadas de devastação. Nuvens se formam. Contaminam o ambiente, já tomado pela onda do negacionismo. Versões e versões são divulgadas. Ignoram-se os fatos.
Corretos apenas os que defendem a um determinado ponto de vista. Até as prisões são contestadas. Excetos as que têm como alvos os adversários. Decisões jurídicas também são questionadas. Questionadas por não agradarem a alguns. Vozes se levantam, e dizem o que devem ser lavados em consideração. Realçam-se a liberdade de opinião. Entendida também para se fizer ofensas, ameaças e acusações. Inversão de sentido. Mudanças de conceito das palavras. “Novos” tempos.
Quem aponta desacertos do governo nada tem de patriota. São tidos contra o país. Humanos são os que zombam da dor de perdas. A intolerância reina. O poder tem que estar a serviço da força, e não o contrário, como em qualquer Estado democrático. Tudo, então, está de ponta-cabeça, a ponto de modificar o ensinamento de Cristo. Fé e política passam a ser irmãs siamesas. Utilizadas como passaporte para quem deseja fazer parte do banquete. Banquete que escancara o público. Tornando-o ainda mais privado. Há certa correria em direção das tetas da vaca. Tetas que são disputadíssimas. Nunca deixaram de ser. Sempre foram. Esta é a verdade. Nem é típico do momento vivido o público como extensão do privado.
A ingenuidade tem limites. Ser bobo também. Ainda que se possa imaginar o tamanho do crescimento dos idiotas, que constitui a maioria, no dizer de Nelson Rodrigues, cuja sensibilidade sarcástica se torna ainda mais clara ao analisar os diversos idiotas que tentaram ocultar fatos tidos como degradantes de uma moralidade corrompida, com o fim de se manterem indolentes e próximos a uma temperança casta.
Ao contrário do idiota descrito por Dostoiévski, em um de seus livros, com o príncipe Míchkin colocado como vítima de tudo que o circunda. Vítimas existem aos montões, quer seja por causa de uma situação ou de outra. E cada vez se tornam mais e mais. Também, pudera, sempre é reforçada a condição do público como extensão do privado. Situação complicada. O Estado como refém de poucos. Uso único e exclusivo. Daí a dificuldade de se combater a desigualdade social gritante e criminosa. Paliativos não curam as feridas, nem as cicatrizam, ainda que venham a ser usados como bálsamos. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
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