A Lei 14.181/2021, sancionada em 2 de julho do corrente ano, conhecida como “Lei do Superendividamento” – tem despertado muitas dúvidas e contraposições no meio jurídico. Isso porque ao proteger os consumidores de uma possível insolvência civil e uma incapacitante negativação, coloca os credores em considerável insegurança e lacuna jurídica.
É salutar admitir que a lei objetiva ao devedor a recuperação de sua capacidade financeira, ao credor a recuperação do crédito, e à sociedade a moralização da venda a prazo, contudo, a princípio repassa ao Poder Judiciário uma dificílima missão de operacionalização da referida norma, especialmente diante de um texto legal, extremamente evasivo e subjetivo, apesar de agregá-lo ao Código de Defesa do Consumidor.
A nova legislação estabelece o instituto da repactuação de dívidas – algo que se assemelha com a recuperação judicial no caso das pessoas jurídicas e sociedades empresárias. Todavia, as regras dessa repactuação abrem diversas margens para se chegar a um resultado, que ao final, salvo melhor juízo, poderá se mostrar absolutamente ineficaz, causando a médio e longo prazo, maior recessão ao crédito, inadimplência e acréscimo inflacionário.
Aliás, o impacto social possivelmente negativo ficou refletido nos próprios vetos realizados pelo Executivo Federal, que tentaram diminuir os riscos ao capital estrangeiro, a limitação do endividamento consignado a 30% e diminuiu a restrição à publicidade concessiva, ou seja, nota-se ainda a divergência quanto aos impactos dessa lei na economia nacional.
O legislador criou um mecanismo que permite ao devedor apresentar um plano de pagamento junto aos credores, não estabelecendo hierarquia de créditos, impedindo, a princípio a possibilidade de utilização dos juizados especiais, dada a complexidade do procedimento e a pluralidade de partes, retirando algumas modalidades de crédito, tal como os garantidos por garantia real, estimulando a repactuação extrajudicial junto aos Procons e a prévia tentativa de conciliação, para só então impor compulsoriamente prazo, a remuneração e a amortização da dívida, sem contudo, impor também sanções claras ao devedor contumaz.
Vale destacar que a lei também não protege os pequenos credores, que muitas vezes são mais vulneráveis que os próprios consumidores nessa relação, sem falar na ausência de ferramentas a maioria dos credores, para se realizar uma efetiva análise de crédito, inclusive diante da também novel, lei de proteção de dados (LGPD). A rigor o credor bancário continua, como sempre, extremamente privilegiado, colocando o crédito de produtos e serviços, em situação ainda mais desfavorável.
Caberá ao poder judiciário e à advocacia estabelecer os parâmetros que a lei tornou subjetivos, além das já destacadas lacunas, fragilidades, como por exemplo, a análise do devedor de “boa-fé”, o consumo de luxo e o crédito de alto valor, que não são considerados para os fins desta lei, mas sabemos a relatividade de tais condições.
Que fique claro que as empresas não enxergam os consumidores como inimigos, e sim estabelece o critério da cautela quanto aqueles que demonstram mais volatilidade na aquisição de crédito, produtos ou serviços, além de desempenharem indispensável papel na macroeconomia.
Quanto ao plano de repactuação das dívidas, mesmo que estabeleça uma relação sinalagmática, não se pode ignorar as questões que ficarão ao critério do juiz para avaliar o consumidor pode ser tratado como de boa-fé ou não, o critério do mínimo existencial – princípio positivado pela nova lei e que, por enquanto, seguirá critério subjetivo – e a ordem dos credores, seria, muito mais fácil, por exemplo obrigar aos credores a utilização dos mecanismos matemáticos para a concessão de créditos, como os índices de pontuação de aptidão ao crédito, quando não utilizados, no caso concreto, penalizar o credor, sem jamais colocar credores numa vala comum, prejudicando substancialmente os credores qualificados e responsáveis.
Não é porque se mostrou possível a recuperação judicial para as pessoas jurídicas, que tal instituto venha a ser adequado para os indivíduos comuns, aliás, espera-se na verdade, imensa e tão somente, modificação de comportamento pelos credores e Poder Judiciário.
Em suma, apesar dos avanços trazidos pela nova legislação, fica claro que o processo legiferante ainda peca quando expressa ânsia em resolver problemas de ordem econômica por meio da positivação, mas deixam as regras imprecisas. Aguardemos os resultados dessas alterações nas formas de concessão de crédito no mercado e seus efeitos nas relações com os consumidores, por ora mais protegidos, mas também sob o risco de alcançarem menor dinamismo em suas relações consumeristas.
Alex Cardoso é advogado e gestor de riscos, crédito e recuperação de crédito e atualmente conselheiro de Instituição Financeira.
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