Outro dia, à noitinha, uma pessoa bastante conectada ao jogo político-eleitoral, ao menos era o que dizia sempre e em alto e bom som, chegou a dizer: “O STF e a esquerda no Congresso Nacional se juntaram para derrubar o presidente Bolsonaro”.
Acreditava mesmo no que dizia, e disse isso em uma roda de conversa com integrantes de um grupo de Whatsapp. Grupo pequeno. Velhos amigos. Ainda dos tempos dos bancos escolares das séries iniciais, em uma escola pública do interior. Depois de certa ausência, eles se reencontraram, e, desta feita, com o pacto de não se separarem mais. Conversavam de um tudo, e diariamente. Sempre com muita descontração. Regada por lembranças. Lembranças que os marcaram. Joaquim, um tanto inquieto, perguntou ao falante: “Qual o fundamento que tens para fazer tal afirmação?”
Silêncio. Sinal algum de alguém a teclar. Incomodado, Joaquim insistiu: “Responda, vai”. Nada de resposta. “Uai!...” – digitou José. Fora seguido por Marcos: “???????” Mesmo assim, Pedro – quem saiu com a afirmação-bomba – se mantinha mergulhado em sua taciturnidade. “O que ganharia o Supremo, com a derrubada do presidente?” – provocou-lhe Manuel. “Amigo Pedro, somos testemunhas da sua capacidade de reflexão... Fale alguma coisa, não nos deixe sem resposta” – provocou Artur, ironicamente. “E aí?...” – nova provocação, desta feita de Alcebíades, o mais brincalhão deles. Por fim, escreveu-lhes Pedro: “Vocês não entendem nadinha de nada”. “O que não entendemos?” – indagou-lhe Felipe que, até então, coisa alguma havia dito. “Vamos Pedro, responda...” – provocação do Alfredo, outro que também não havia se manifestado. “Seu sabichão, vais permanecer em silêncio?” – sarcasticamente, voltava à carga Joaquim. “Roubaram a nós e ao nosso país por dezesseis anos...” – dizia o Pedro, quando foi interrompido por Alfredo: “Roubaram-nos!... Verdade?... O que isso tem a ver com a sua afirmação de que a esquerda e o STF se juntaram para derrubar o presidente?” “Pobre amigo, ficou gagá antes do tempo, pois desaprendeu o que aprendeu nas aulas de aritmética, com a professora Perpétua” – brincou Alfredo, sem perder sua tacada irônica.
O riso foi geral. Quase, na verdade. Afinal, o Pedro continuava calado. Por certo, a bufar-se de raiva. Entre eles, o único que não aguentava a gozação, logo apelava. “Como podes!... Não é possível... Ficaremos sem as respostas” – voltava a instigar Alcebíades. “Não morro de amores por nenhum ministro, mas acusa-los de se juntarem com a esquerda para derrubada do presidente é, no mínimo, fora de lógica, de discernimento das coisas, de racionalidade” – manifestou-se Angélica, a única mulher do grupo, cujo verde dos olhos era bastante cintilante. “Essa é uma lorota, e das grandes... E pior, pensar que somos bobos o bastante para acreditar nela” – antecipou Manuel. “Caro amigo, até que somos bobos, nunca idiotas” – arrematou Angélica. Todos riram.
Um deles, claro, não riu. “Idiota! Lembra-se, Pedro, como a escrevia?” “Escrevias e falavas” – corrigiu Manuel. Nova risada no grupo. “Você fazia questão de acrescentar o ‘N’ antes do ‘D’ e depois do ‘I” – caçoou Alcebíades. “Ríamos todos, e você tiririca de raiva ficava” – lembrou-se Joaquim. “Como não nos lembrar!... Saiam-lhe faíscas dos olhos e os lábios tremiam-lhe de raiva” – brincou Artur. “Vocês são todos uns imbecis” – respondeu-lhes Pedro. “Não entendo como pude ser amigo de uns i...” – dizia, mas interrompeu-se, antes de concluir a escrita. “Por que parou? Vamos, complete a palavra” – caçoou Angélica. Nova risada. “Como não percebi antes, tenho amigos esquerdopatas, comunistas” – acusava-os Pedro. “Amigo, não apenas desaprendeu o que aprendeu da aritmética, faltara também às aulas de história...” – chamava-lhe a atenção Alcebíades. “Perdeu de vista os conceitos dos termos...” – completou Joaquim. “É uma pena que esqueceste as lições básicas: ser de esquerda não significa que seja comunista" – acrescentou Alcebíades. “Assim como também, caro amigo, ser de direita não significa que seja fascista” – completou Angélica. “Afinal, Pedro, de onde tiraste a informação de que o STF se juntou a esquerda para derrubar o presidente? – cobrou-lhe Joaquim. “No Almanaque, Google ou nos panfletos das redes sociais?” – questionou-o Manuel. Silêncio. Quebrado por um aviso: 9999... saiu do grupo. Situação frequente. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
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