O Pantanal está em risco e apenas a ação cientificamente informada e politicamente comprometida pode salva-lo – não apenas do fogo, mas de todas as ameaças que incidem sobre a maior planície inundável do planeta. O destino do Pantanal depende das respostas que daremos, sociedade e governo, ao desafio que que nos mobiliza.
Ao enfrentarmos esse desafio estaremos, na verdade, agindo na defesa de todos os biomas que estão sendo destruídos por uma mesma lógica, uma lógica determinada pelo projeto político do governo federal de solapar a política e as instituições ambientais conquistadas pela sociedade brasileira nas últimas décadas.
Muito mais do que uma fatalidade, ou resultado apenas da mudança do clima, a magnitude dos incêndios no Pantanal, na Amazônia e em todas as partes, se deve, em boa medida, à combinação de um discurso oficial - que incentiva e tolera os crimes ambientais, com uma investida agressiva e predatória ao meio ambiente de indivíduos e grupos econômicos – que agem motivados e protegidos por aquele discurso, seguros de receberem, além do saque, a impunidade como recompensa.
Por essa razão, a mais importante e urgente tarefa que recai sobre todos nós é a de frearmos esse projeto de terra arrasada do governo federal. Enquanto perdurar esse governo não haverá perspectivas. E nisso o presidente da República tem sido coerente com o anúncio que fez, ainda em campanha, de não demarcar nenhum palmo de terras indígenas, de não criar Unidades de Conservação, de não reconhecer os territórios quilombolas e de acabar com a indústria de multas que, para ele, se chama IBAMA e ICMBio.
Portanto, impedir a extinção da politica ambiental é a mais alta prioridade para salvar o Pantanal, uma vez que está comprovada a conexão e interdependência da manutenção de todos os biomas para evitar o colapso total, ou das partes, que compõem o sistema ecológico.
Ao mesmo tempo, são necessárias outras medidas para que o Pantanal se recupere e para que novos incêndios não se repitam na escala de catástrofe. Algumas dessas medidas estão sendo discutidas e elaboradas no âmbito da Comissão Externa da Câmara dos Deputados criada pelo presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), em atendimento a requerimento de minha autoria, para apresentar propostas de enfrentamento aos incêndios no Pantanal e nos demais biomas, entre elas:
1. Apurar e responsabilizar tanto a omissão do poder público, notadamente a do governo federal, como a eventual conduta criminosa de agentes privados envolvidos em práticas ilegais do uso do fogo.
2. Assegurar os meios necessários (materiais, humanos e financeiros) para aumentar a capacidade de prevenção e respostas dos órgãos ambientais aos incêndios.
3. Rever e atualizar o marco legal e normativo sobre o uso e manejo do fogo, incluindo as legislações federal e estaduais, bem como protocolos de boas práticas que orientem os agentes privados. Uma iniciativa em curso que merece todo o apoio é o GT Pantanal MT/MS, integrado pela OAB e outras entidades, cuja finalidade é justamente propor medidas que integrem e harmonizem as legislações dos dois estados sobre o tema.
4. Estabelecer um processo de ordenamento territorial da Bacia do Rio Paraguai (BAP) a partir do resgate, balanço, integração e consolidação de iniciativas já realizadas, a exemplo do Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Rio Paraguai, Avaliação Ambiental Estratégica do Pantanal, Planos Diretores da BAP, Projeto BID-Pantanal e outros projetos e planos setoriais. A finalidade maior dessa tarefa é superar a abordagem fragmentada de planejamento e gestão que separa a planície do planalto, estabelecendo o que pode, o que não pode e como pode ser realizada a ocupação e uso da terra, da água e do espaço geográfico como um todo. E o principal instrumento para tal tarefa é a consolidação do Zoneamento Ecológico-Econômico da BAP.
5. Fortalecer a governança ambiental e territorial do Pantanal apoiando os arranjos institucionais já implantados, a exemplo da Reserva da Biosfera do Pantanal e dos Comitês de Bacias, e criando outros. O debate na Comissão indica a importância da criação de um Fórum Permanente de Governança do Pantanal, composto por representantes da sociedade civil, do poder público, da comunidade científica, do Ministério Público e outros agentes.
6. Resgatar e inovar a economia pantaneira. Sem uma economia diferenciada e sustentável, adaptada à mudança do clima e às condições específicas do Pantanal - que garanta renda e condições de vida aos pantaneiros – não haverá como proteger o bioma dos incêndios futuros e dos demais desafios ambientais.
7. Consolidar e manejar as Áreas protegidas e naturais. É sabido que a origem e propagação dos incêndios ocorreram em imóveis rurais privados. Isso não significa desconhecer o fato que, na ausência de manejo adequado, as Unidades de Conservação, as Terras Indígenas e demais áreas naturais são espaços de risco de incêndios. Não obstante há falácia do discurso ideológico que atribui a criação de áreas protegidas a causa primordial dos incêndios, por isso o tema está merecendo a devida atenção da Comissão. O estabelecimento de mecanismos de manejo da vegetação seca, com uso do fogo e outras técnicas e protocolos aplicáveis às áreas protegidas, é uma das abordagens que estamos adotando na Comissão.
8. Reconhecer e apoiar o protagonismo das ONGs e do voluntariado. O envolvimento direto em ações de combate aos incêndios, e de forma extraordinária a dedicação no regate e salvamento da fauna pantaneira, fez da presença e mobilização de ONGs e voluntários um dos acontecimentos mais emblemáticos na cena trágica de fogo e devastação que ainda não foi completamente encerrada. E o fizeram de forma altruísta e corajosa, na maioria das vezes com meios materiais precários e sem a devida retaguarda do poder público, por mais que tenha havido esforços nesse sentido. A Comissão tem reconhecido e valorizado esse papel e busca agora sistematizar as propostas que atendam as reivindicações que apresentadas por essas organizações.
Nosso trabalho tem sido incansável. As chuvas recentes amenizaram os maiores incêndios já registrados em décadas, no Pantanal, mas ainda há focos de calor no bioma. Seguiremos trabalhando para que possamos apresentar propostas concretas que visam impedir que a tragédia ambiental se repita. Não esqueceremos os incêndios criminosos que tem se abatido sobre o Brasil, desde primeiro de janeiro de 2019. Lutaremos sempre em defesa de todas as formas de vida.
Professora Rosa Neide é Deputada Federal (PT-MT).
Ainda não há comentários.