• Cuiabá, 22 de Março - 00:00:00

Padrão duplo

Existem valores civilizatórios que estão acima de diferenças políticas. Talvez o mais importante de todos é aquele que garante o direito do cidadão de se defender do poder arbitrário do Estado, aquilo que conhecemos popularmente como direitos humanos.

O grande problema está no padrão duplo assumido tanto pela esquerda, quanto pela direita nesta questão central. Ambos preferem se calar diante das atrocidades cometidas por seus pares ideológicos, porém, não cansam de criticar as mesmas violações cometidas por seus opositores. Aqueles que ousarem criticar os crimes de seu próprio grupo político, conhecerão a solidão do expurgo e do ostracismo.

Gabriel Boric, presidente do Chile, um dos expoentes da esquerda no continente, preferiu tentar virar este jogo, condenando as violações contra direitos humanos ocorridas na Nicarágua. Permaneceu isolado diante do silêncio ensurdecedor de líderes de esquerda que preferem se calar sobre os crimes de Daniel Ortega. Boric já havia reconhecido que violações inaceitáveis também ocorriam na Venezuela.

A direita também já mostrou o mesmo triste padrão duplo ao silenciar sobre os crimes cometidos pela ditadura de Pinochet no Chile. Se a esquerda acoberta Díaz-Canel, Maduro e Ortega, a direita adula Orbán, Putin e bajula Donald Trump. Em todos os casos, o mesmo problema: a fidelidade ideológica falando mais alto do que integridade moral.

Fato é que violações aos direitos individuais são inaceitáveis como padrão moral básico em uma democracia. São injustificáveis e precisam ser coibidos de forma severa pela lei. Ao justificar atrocidades de regimes amigos, tanto direita quanto esquerda acabam por rezar pela mesma cartilha, algo que reduz sua importância moral no processo político. Infelizmente, o radicalismo atual acabou apenas por dar voz aquilo que temos de pior.

Gabriel Boric é o expoente de uma nova esquerda, capaz de criticar os erros autoritários daqueles que ultrapassam os limites legais do exercício do poder. Este é exatamente o tipo de liderança que se espera de uma nova geração capaz de entender que suas políticas não dialogam com retrocessos civilizatórios. Boric enfrentará resistências, mas se vencer este debate, se apresentará como a vanguarda de uma nova esquerda.

Este é também o desafio que se coloca para a direita, que significa reencontrar seu rumo, encontrar uma liderança que se afaste dos radicais, busque um discurso conciliatório e moderado, capaz de unir conservadores e liberais na construção de uma agenda que passe longe do extremismo e da radicalização. Aquele que conseguir unir em torno de si este espectro, pode levar a direita a um novo patamar.

A tarefa é árdua, especialmente pela falta de apelo emocional da moderação. Vemos que o radicalismo em ambos os lados gera apelo e votos. Além disso, o populismo é o caminho fácil usado pelos extremistas em ambos os lados do espectro político para seduzir as multidões. Isto serve para aqueles que se julgam eleitores de direita ou de esquerda. O padrão duplo em adular autocratas precisa desaparecer, dando espaço aos valores civilizatórios que estão acima de diferenças políticas.
 

Márcio Coimbra é da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. A pós é focada em formar profissionais da iniciativa privada capazes de dialogar com o governo e capacitar gestores públicos na tarefa de ouvir a sociedade nas três principais dimensões estratégicas de trabalho: Direito, Comunicação e Inteligência. Coimbra também é Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.
 

Sobre a Faculdade Presbiteriana Mackenzie

A Faculdade Presbiteriana Mackenzie é uma instituição de ensino confessional presbiteriana, filantrópica e de perfil comunitário, que se dedica às ciências divinas, humanas e de saúde. É uma das mantidas do Instituto Presbiteriano Mackenzie (IPM), entidade mantenedora e responsável pela gestão administrativa dos campi em três cidades do País: Brasília (DF), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ). Entre seus diferenciais estão os cursos de Medicina (Curitiba); Administração, Ciências Econômicas, Contábeis, Direito (Brasília e Rio); e Engenharia Civil (Brasília).



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