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O acúmulo de proventos na proposta da reforma

  • Artigo por Bruno Sá Freire Martins
  • 29/03/2017 10:03:03
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Uma das alterações mais significativas da proposta apresentada pelo Governo Federal reside no novo regramento acerca da possibilidade ou não de recebimento de proventos cumulados, sejam eles originados de aposentadorias sejam de pensões ou de ambos.

Hoje a realidade existente caminha em um sentido onde se admite que o recebimento de proventos tanto de aposentadoria quanto de pensões e dos dois em conjunto, no âmbito do Regime Próprio ou mesmo quando decorrem de vínculos do Regime Próprio e do Regime Geral.

Na nova realidade pretendida, essa situação sofrerá alterações que impedirão o recebimento de dois benefícios, ressalvadas as aposentadorias, conforme será demonstrado adiante.

1 – Autonomia dos Regimes Previdenciários

O sistema previdenciário brasileiro foi organizado pela Constituição Federal sob a forma de dois regimes básicos de filiação obrigatória para todos os trabalhadores.

Sendo o Regime Geral responsável pela previdência de todos os trabalhadores do País que não integrem o rol constitucional de filiados ao Regime Próprio que se destina aos servidores públicos.

Regime Próprio ao abarcar os servidores públicos figura no âmbito da discricionariedade dos gestores de cada Ente Federado e nessa condição integram o poder de auto-administração de Estados e Municípios estabelecido pelo artigo 18 da Constituição Federal.

O fato de integrar essa autonomia dos Entes Federados aliado à sua destinação específica faz com que sua existência seja totalmente desatrelada do Regime Geral, evidenciando, com isso, a autonomia de ambos os regimes previdenciários básicos.

Autonomia essa que foi referenda pela própria Constituição Federal em razão da previsão contida no § 5º de seu artigo 201 in verbis:

§ 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência. 

O referido dispositivo analisado em conjunto com o caput do artigo enseja a conclusão de que o servidor público que exerça atividade privada que o enquadre como segurado obrigatório deverá ser filiado ao Regime Geral e, consequentemente, contribuir para usufruir dos benefícios por ele oferecidos.

Isso porque se tratam de vínculos previdenciários com natureza jurídica distinta.

E é bom deixar claro que o dito parágrafo não está sendo modificado ou revogado na proposta apresentada, ou seja, será mantida a obrigação de filiação do servidor ao Regime Geral quando ele exercer atividade privada que o enquadre como segurado obrigatório.

2 – Natureza Jurídica das Pensões

Superada a questão que envolve a autonomia dos regimes previdenciários, necessário se faz discorrer acerca da natureza jurídica da pensão por morte antes de se discutir a proposta apresentada.

A pensão por morte se constitui em benefício pago aos dependentes economicamente do servidor falecido, pelo fato de este receber remuneração decorrente do serviço ativo ou proventos de aposentadoria até a sua morte. Trata-se de um benefício derivado, pois depende da existência de proventos de aposentadoria ao inativo ou remuneração/subsídio ao servidor ativo.

Na condição de benefício derivado, pressupõe-se que ao se definir as possibilidades e limites de sua cumulação, observe-se os regramentos constitucionais relativos à cumulação de cargos para definir o número de benefícios que poderá ser recebido pelo dependente, bem como que considere a autonomia existente entre os regimes previdenciários autorizadora do recebimento de aposentadorias em ambos os regimes básicos.

Sem contar que as contribuições previdenciárias vertidas pelos servidores ativos e também pelos aposentados tem o condão de custear também esse benefício não havendo razão, portanto, para impedir seu recebimento ainda que cumuladamente com aposentadoria ou outra pensão.

3 – Acúmulo de Aposentadorias

Ao analisar a proposta apresentada, constata-se que a regra geral continua a ser a impossibilidade de acúmulo de benefícios, entretanto o inciso I do § 6º permite o recebimento de proventos de aposentadoria nas hipóteses de cumulação de cargo constitucionalmente autorizadas e também quando se tratar de benefícios concedidos por regimes distintos.

Devendo-se frisar aqui que, em sede de Regime Próprio, somente podem ser recebidos proventos decorrentes da aposentadoria em dois cargos públicos, independente de o Regime Próprio ser o mesmo ou não.

Isso porque, a Constituição Federal autoriza o acúmulo de apenas dois cargos públicos, considerando todos os Entes Federados.

Por outro lado, não há óbice ao recebimento das duas aposentadorias no Regime Próprio e mais uma no Regime Geral, então é possível que o servidor venha a receber até 3 (três) aposentadorias.

Assim, é possível afirmar que a proposta de acúmulo de proventos de aposentadoria considera a autonomia dos regimes previdenciários e também as regras de acúmulo de cargos prevista para a Administração Pública.

4 – Acúmulo de Pensões

Já no que tange ao acúmulo de pensões o dispositivo, no inciso II, foi taxativo ao afirmar que se admite o recebimento de apenas um benefício, seja quando os mesmos forem pagos pelo Regime Próprio, seja quando forem pagos um pelo Regime Próprio e outro pelo Regime Geral.

Conforme já dito, o acúmulo de cargos encontra fundamento constitucional, estando devidamente autorizado pelo inciso XVI do artigo 37 e a pensão por morte se constitui em benefício de natureza derivada, pois pressupõe a existência de prévia remuneração ou proventos.

Assim, o novo dispositivo constitucional proposto contrasta com o teor da própria Constituição à medida que ignora as possibilidades de exercício de dois cargos públicos.

Situação que também se estende ao servidor que já sendo aposentado pelo Regime Próprio passa a exercer um cargo que lhe impõe a filiação obrigatória ao Regime Geral e, cujo falecimento, não implica na concessão de duas pensões a seus dependentes.

Isso porque, o mesmo artigo 37 também prevê a possibilidade de recebimento em conjunto de proventos e remuneração em casos específicos.

A regra que proíbe o recebimento de mais de uma pensão invade, ainda, a autonomia dos regimes previdenciários que, conforme já dito, funda-se na autonomia administrativa concedida aos Entes Federados de optar pela criação ou não de um Regime Próprio de Previdência Social destinado a seus servidores.

Essa autonomia insculpida no artigo 18 da Constituição Federal, encontra guarida na forma federativa adotada pelo Estado brasileiro, onde se permite aos Entes Federados atuar com total liberdade, desde que não conflitem com os interesses da Federação insculpidos na Constituição.

Por isso é correto afirmar que o Estado Federal expressa um modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma forma de Estado) em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competência entre o governo central e os locais, consagrada na Constituição Federal, em que os Estados federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão.

E a autonomia dos Entes Federados, como item fundamental do sistema federativo adotado pela Constituição Federal, não pode ser objeto de proposta de Emenda Constitucional, uma vez que esse sistema integra o rol de cláusulas pétreas do artigo 60 da Carta.

Ora, como cláusula pétrea não há que se falar em sua submissão a qualquer outro regramento pós texto originário, ainda que o mesmo tenha apenas caráter restritivo, motivo pelo qual a alteração que se pretende impor se encontra revestida de inconstitucionalidade, independentemente do fato gerador da pensão, bem como do Regime previdenciário responsável pelo seu custeio.

Além disso, vale destacar que o inciso II da proposta afirma que o pagamento do outro benefício ficará suspenso, ou seja, trata-se de um impedimento momentâneo, já que a expressão suspenso significa uma interrupção temporária.

Dessa forma, em uma primeira análise, é possível afirmar que posteriormente poderá o dependente alterar a pensão recebida, sem evidenciar-se, contudo, as razões ensejadoras dessa modificação.

Entretanto, ao se analisar o texto da PEC, onde se vislumbra o intento de fazer com que o beneficiário receba a pensão de maior valor, é possível afirmar que caso o benefício suspenso, venha por qualquer motivo a superar o que está sendo recebido poderá ocorrer a substituição.

Sem prejuízo de outras circunstâncias que venham a ser estabelecidas em lei.

Restando salientar que não há vedação para acúmulo de pensões quando as mesmas sejam uma proveniente do falecimento de um servidor civil e outra do óbito de um militar.

5 – Acúmulo de Aposentadoria e Pensão

No caso da vedação contida no inciso III do § 6º aplica-se todo o entendimento antes mencionado quanto à ofensa aos ditames do artigo 18 da Constituição Federal, devendo-se ainda acrescer que o texto simplesmente ignora o fato gerador dos benefícios.

Isso porque, a aposentadoria decorre diretamente das contribuições vertidas para o Regime Próprio pelo segurado, enquanto que a pensão exige além das contribuições a presença da condição de dependente, daí,conforme já dito, ser considerado um benefício derivado.

Ora, a proposta simplesmente ignora e confunde os conceitos de direito individual e os decorrentes da relação de parentesco ou familiar que o servidor possui.

No caso da aposentadoria sua concessão, lembre-se mais uma vez, decorre da contribuição direta do servidor, enquanto que a pensão pressupõe a condição de dependente e as contribuições de outro servidor ou segurado.

Não havendo razão para que sejam equiparadas e recebam o mesmo tratamento, ainda que em sede constitucional.

Principalmente, porque não há nenhum impedimento para o recebimento de remuneração decorrente do serviço ativo em conjunto com pensão, então, o servidor pode receber o benefício em decorrência de óbito juntamente com o fato gerador da aposentadoria (remuneração) e tão logo se inative perderá essa possibilidade.

Situação inexplicável, já que o valor antecessor admite recebimento cumulado, enquanto que o consequente, para o qual você contribuiu não permite essa duplicidade.

Além disso, vale ressaltar que o cálculo atuarial, ao estabelecer a alíquota de contribuição do servidor, já leva em consideração a pensão por morte que poderá vir a ser gerada em razão do óbito do segurado.

Por fim, cumpre esclarecer que o inciso III proposto também traz a previsão de suspensão de pagamento do outro benefício, cabendo, portanto, todas as considerações feitas no item anterior.

6 – As contribuições e a busca do equilíbrio atuarial

No que tange as receitas previdenciárias e a necessidade de equilíbrio do sistema merece destaque o fato de que o artigo 40 estabeleceu o equilíbrio financeiro e atuarial, ao lado do caráter contributivo e solidário, como princípio fundamental de estruturação e organização dos RPPS, mandamento cuja carga normativa impõe a sua observância tanto por parte do legislador, na definição das regras que os disciplinam, como por parte dos administradores públicos, na sua gestão.

E nessa condição ao se reconhecer a possibilidade de retirada ou restrição de benefícios previdenciários, faz-se necessário que sejam revistos os valores pagos a título de contribuição para a manutenção do Regime, já que é impossível admitir-se a supressão de prestação sem a devida contrapartida nas obrigações tributárias.

O fato de existirem Regimes Próprios desequilibrados financeira e atuarialmente não admite a criação de uma regra unilateral que atinja a todos os servidores indistintamente, principalmente onde o desequilíbrio não existe, já que não se estará respeitando a equidade no custeio previdenciário e muito menos observando-se o equilíbrio, já que se estará arrecadando mais do que o necessário para a manutenção do regime.

Assim, qualquer restrição ou supressão relacionada aos benefícios deve ser atrelada, no mínimo, à flexibilização das regras de custeio de forma a permitir que os valores sejam de fato definidos considerando a realidade do respectivo Regime Próprio e não o todo.

Até porque o princípio do equilíbrio atuarial se  realiza quando, por ocasião da projeção atuarial de um RPPS (cálculo atuarial), as receitas garantem o pagamento dos benefícios (despesas) no curto, médio e longo prazo.

Mas para a concretização dessa adequação é necessário que a redação do § 1º do artigo 149 da Constituição Federal seja alterada uma vez que atualmente a mesma estabelece que a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores de Estados e Municípios deve ser, no mínimo igual, à do servidor federal.

Sendo que esse dispositivo teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal com fundamento em princípios previdenciários lançados na Carta Magna, senão vejamos:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 149, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ALTERADO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 41/2003).

1. A norma que fixa alíquota mínima (contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos na União) para a contribuição a ser cobrada pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40 da Constituição da República não contraria o pacto federativo ou configura quebra de equilíbrio atuarial.

2. A observância da alíquota mínima fixada na Emenda Constitucional n. 41/2003 não configura quebra da autonomia dos Estados Federados. O art. 201, § 9º, da Constituição da República, ao estabelecer um sistema geral de compensação, há ser interpretado à luz dos princípios da solidariedade e da contributividade, que regem o atual sistema previdenciário brasileiro.

3. Ação julgada improcedente.

Ora se os princípios previdenciários constitucionais têm o condão de autorizar a fixação de alíquota mínima, eles também possuem força suficiente para permitir a cobrança diferenciada em razão da supressão ou diminuição dos benefícios concedidos aos segurados.

Até porque todo e qualquer regime próprio deverá basear-se em avaliação atuarial (estudo prospectivo das obrigações previdenciárias) que tem como objeto o levantamento da situação econômica e financeira de longo prazo, confrontando as obrigações  com pagamento de benefícios com as receitas patrimoniais e de contribuições do ente e do servidor. É feita a avaliação no início e periodicamente para ajustamento do plano de custeio do regime.

Bruno Sá Freire Martins é advogado e presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE). Bruno também é autor de obras como Direito Constitucional Previdenciário do Servidor Público, A Pensão por Morte, e Regime Próprio - Impactos da MP 664/14 Aspectos Teóricos e Práticos, além do livro Manual Prático das Aposentadorias do Servidor Público e diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.



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