“Ano novo, vida nova” – diria alguém mais apressado. Ele pode até ter suas razões para afirmar o que acabara de dizer, ainda que se saiba que as coisas do ano passado foram trazidas para 2018. Mas não cabe a este texto questioná-lo, nem analisar suas questões interiores, tampouco se valer do processo psicanalítico para expropriá-lo e, em seguida, convertê-lo em pura exterioridade. Mesmo que o mundo exterior seja captado pelos sentidos. Estes, contudo, podem levar a pessoa a uma doce ilusão, não a uma verdade sobre a realidade ou as realidades. Daí a importância da reflexão. Esta e aqueles, como diria John Locke, alimentam a mente de matérias-primas, e estas não são outras, senão as ideias. Ideias que veem de algum lugar, pois não nascem do nada. Ainda que o “relacionar-se é caminhar na neblina sem a certeza de nada”, como escreveu Zygmunt Bauman, em “Amor Livre”, ao alertar para a crescente fragilização das relações sociais e afetivas no mundo. Fragilização que se amplia com a ausência do fulgor, de entendimentos e, pior, o desrespeito ao outro, ao diferente e as diferenças.
O não diálogo e o desrespeito são frutos da intolerância. Intolerância, aliada a censura (até como extensão própria daquela) não apenas sutil, mas escancarada, tivera seu espaço abrangido no ano passado, com alguns agentes políticos se beneficiando com ele. Isto, contudo, tende a se agravar agora, em ano político-eleitoral. Favorecida, infelizmente, pela não formação política da quase totalidade da população, pelo baixíssimo índice percentual de eleitores críticos (entre 8 a 9% do contingente eleitoral) e em razão das crises vividas no país. Crises que se estende da política a economia, passando pela ética, social e pela moral. As denuncias registradas reforçam a existência deste quadro caótico, e igualmente faz e aumenta o distanciar (não deveria) o grosso dos brasileiros dos negócios públicos, da coisa pública e do jogo político. O que, uma vez mais, beneficia velhos grupos partidários. Velhos que se apresentam como novos. Mas, de fato, não são. Ainda que alguns de seus integrantes tenham adotado o discurso de “político não tradicional” e se mostrado com a foto ou a “cara de novo”, ou que algumas agremiações partidárias se fundem, ou troquem de nomes ou suprimem uma ou acrescentam uma letra a suas siglas, com o fim de se verem livres dos desgastes sofridos e, tragicômico, ludibriarem o eleitorado. Pois seus conteúdos são arcaicos e carcomidos. Reforça-se, desse modo, o velho adágio popular: “o que o berço dá só a cova tira”.
Contudo, é preciso renovar as esperanças. Sempre. Esperanças do verbo esperançar, não do esperar. Esperanças que são alimentadas pelo agir, e em razão deste. E este, no espaço público, se dá também coletivamente. Isto impulsiona o viver democrático que, por sua vez, permite o aparecimento do Estado de direito. Estado que se vê desmontado toda vez que a democracia é agredida. Agredida, empurrada para trás e paralisada. Isto ocorre, igualmente, toda a vez que se tem ações da intolerância, e, ao lado desta, a censura.
É sempre bom dizer e repetir que a democracia não vem pronta e acabada, mas sim em eterna construção. Esta depende imprescindivelmente das manifestações da população, e não de certa quantia de políticos, ainda que esta tenha sido eleita e empossada para representar os representantes. A participação dos representados não deve ser impedida, nem ofuscada pelos e pela eleição dos representantes, mesmo em ano político-eleitoral. É isto.
Lourembergue Alves é professor, estudioso do jogo político. E-mail: lou.alves@uol.com.br.
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