Àquela hora, a praça já estava cheia. Pessoas caminhavam por suas pistas de concreto, espremidas entre os canteiros, tomados por gramas, flores e rosas, com o pau-brasil em destaque. Contavam os próprios passos, como se estivessem em câmera lenta. Talvez estivessem mesmo, pois andavam despreocupadamente, sem se preocuparem com o tempo. Paravam por vezes, voltavam a caminhar, quase sempre sentavam nos banquinhos de cimento, e jogavam conversa fora. Falavam de um tudo. Até do vizinho ou, na maioria das vezes, da vizinha, a qual era assim e assado.
Tinham acabados de deixar a Igreja, cuja porta se abria em direção à praça e ao rio – alimentador da vida e de sonhos. Instante em que novo filme era anunciado pelo alto-falante do cinema, em meio a canções, entre as quais uma em que um de seus trechos dizia o seguinte: “... Não adianta ir à igreja rezar e fazer tudo errado”. Recado forte e direto. Distante, no entanto, do poder de convencimento, ainda que tivesse por objetivo chamar a atenção para o óbvio: “Não faça isso (esperar) a sorte sentados, sem sair do lugar (...) Sorte tem quem acredita nela”.
O cancioneiro Fernando Mendes era claro: “Desperte pra vida”. Inexiste garoto da época que não tenha se deixado levar pelo ritmo dessa canção. Dançaram-se muito ao som dela, saído da vitrola em um canto da sala, em festinhas de aniversários, brincadeiras dançantes. Enamorados se entusiasmavam. Um ou outro, porém, mais acanhado, não se atrevia a dar um passo, ousar-se, temia por um “Não”, que certamente jamais viria, e saiu-se com a desculpa: “e esse sinal que não abre e não deixa você passar” – outro trecho, outra música, igual cantor.
Anos se foram. Décadas, por certo. E o recado, nem sempre, foi entendido. Talvez, quem sabe, nem era este a intenção do cancioneiro, a não ser o de fazer das palavras, depois de juntadas, um jogo musical. Mesmo que não tenha sido, valeria o pensar sobre, e, então... Ah!... Então, pensar no papel de cada um na comunidade, na sociedade. Papel importante. Independentemente da escolaridade, da conta bancária e da cor da pele ou da igreja frequentada. Afinal, vive-se, ou se quer viver em um Estado democrático. Este Estado requer a participação de todos, até porque ele é uma conquista, não uma dádiva, muito menos presente trazido em uma bandeja por um super-homem, descido dos céus para salvar a Pátria um tanto a deriva, em meio ao redemoinho de dificuldades, ou por um coronel ou chefete da política.
O sentido de Pátria, ou o de que é comum, nada tem a ver com o fato de alguém ou alguns se vestirem com as cores do país, e saírem em desfiles pelas ruas, vez ou outra atacando as instituições, ainda que tenham se desapontados com um de seus integrantes. Atacar está longe de ser sinônimo de amar. Esta e aquela são ações distintas. Opostas entre si. Jamais poderão estar lado a lado. Neste caso - ainda que se queiram - os opostos não se atraem. Nunca. Ao contrário, portanto, do respeitar e amar.
Ama-se, respeita-se. Orações ricas, diversas, sem serem adversas, pois veem acompanhadas da tolerância. Todo tolerante ama verdadeiramente seu país, pois, ao amá-lo, respeita as diferenças nele contidas, ainda que não concorde com uma ou mais delas. Ele se sente parte do branco, do negro, do pardo, do índio, etc., e se posiciona contra a desigualdade, e o faz com veemência, sem perder a razão, ainda que esteja entre amigos, sentado em um banquinho da pracinha.
A praça não é algo isolado, separado, mas, isto sim, parte substanciosa da localidade, independentemente do seu tamanho ou de sua localização. Assim como cada pessoa o é para o seu país, para o seu Estado. Pouco importa se exerça ou não um cargo importante da República. Ela não deve ser avaliada pelo posto que ocupe ou venha a ocupar. Até porque a ocupação é temporária, e a sua existência é o de toda uma vida, cuja construção se dá por igual tempo. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: lou.alves@uol.cmo.br.
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