Tenho visto alguns posts de integrantes de no máximo 20% da população, que saem do ar-condicionado de casa, entra no ar-condicionado do carro, depois no ar-condicionado do trabalho, e volta, sempre no ar-condicionado, com capital acumulado ou estabilidade funcional e financeira, ditando regras para 80% do povo brasileiro.
Entretanto, sem levar em consideração, que esses 80% simplesmente não têm como seguir, ante a precarização do trabalho, o desemprego, a miséria e a falta de cobertura da Seguridade Social e do Estado, quase como um todo.
Enfim, sem serem dadas as condições necessárias, sendo que uma parte nem ventilador ou casa tem, saneamento básico e água mineral, então, uma miragem perante o esgoto à céu aberto e água contaminada, dentro e fora do cortiço, até mesmo embaixo das pontes e viadutos, que abrigam moradores em situação de rua.
Álcool em gel, máscaras e luvas, surreal, para quem pouca ou nenhuma roupa tem para vestir, tampouco sabão em pó em casa, até mesmo moradia, principalmente se ficarem sem trabalhar e desempregados.
Parece até que esses 20% desconhecem totalmente a realidade socioeconômica, geográfica e antropológica brasileira dos outros 80%.
Na verdade, vivem na bolha do Instagram e da desinformação do WhatsApp. Outros tantos, substituem a realidade pela ideologia. E alguns, em pânico, não conseguem enxergar um palmo na frente do nariz, quanto mais o outro.
Teve um infectologista que recomendou pagar contas só com cartão, não mexer com moedas e cédulas de dinheiro. Oxe, tem uma legião de gente que não tem nem conta bancária, quanto mais cartão de crédito ou de débito.
Realmente, temos dois brasis, todavia o maior é invisível para a elite e classe-média brasileira, que foi quem importou o Coronavírus, porém não se preocupa com o extermínio dos pobres, seja por fome, seja por infecção. Tanto faz, afinal, os miseráveis são invisíveis para uns, desprezíveis para muitos.
Por conta do pânico instalado, essas pessoas serão tratadas como "leprosos", "ratos" responsáveis pela proliferação da "peste negra".
Ocorrerá um aprofundamento da "desumanização" estrutural e sistematizada no país. Serão os primeiros a morrer, independente de pegar ou não o Coronavírus. Isso que muitos não conseguem ou não querem entender.
Invés de panelaço para impeachment, o que só vai aprofundar a crise atual, e colocar no poder um general, deveríamos nos preocupar em colocar comida na panela vazia dos necessitados.
Cobremos os governantes disso, independente da coloração partidária.
Primeiro vamos cuidar do povo, depois pensamos em embate político, entre esquerda e direita, ou quem quer que seja, sem oportunismo, demagogia e hipocrisia.
Não é hora para briga de torcida. A ideologia não se sobrepõe à realidade, já ensinara Marx.
Alguns economistas já falam de uma recessão de -4 no PIB, tendo como variáveis centrais da diminuição do investimento público e privado e consumo das famílias.
A maior queda histórica desde a década de 20, do século passado, que faz um striker na microeconomia, no mercado interno, na economia de subsistência, não na elitista, financeirizada.
Preocupar-se com isso, é capitalismo para quem pensa apenas em si, humanismo para quem pensa no próximo.
Contudo, mesmo assim, se fossem taxados os ganhos de capital do sistema financeiro, implementado o imposto sobre grandes fortunas, não tivesse revogado o fundo de 10% do pré-sal e fossem revisados programas de incentivos fiscais em todas unidades federativas, a começar pela Lei Kandir, poderia-se estatizar todas UTI's, fazer testagem em massa rotineira, comprar centenas de milhares de equipamentos de ventilação e prover renda mínima para a população.
Dinheiro tem, porém a destinação não é social, é drenado para o bolso de uma casta que continua colonizando o Brasil e explorando os brasileiros.
Paulo Lemos é advogado especialista em Direito Eleitoral e Público-administrativo, professor, palestrante, seminarista, conferencista e articulista.
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