Àquela hora, o Sol ainda insistia em manter-se de plantão. Talvez, movido por uma força estranha, mas não desconhecida dos enamorados. De soslaio, observava insistentemente a razão que o mantinha ali, e não ter se recolhido. Sua claridade se misturava com a da Lua. Sentiu-se ofuscada, bastante inibida a luz que saia das lâmpadas penduradas aos postes. Parecia dia, e não noite. As estações se encontravam trocadas. Um ar frio se espalhava pelo ambiente que, em anos anteriores, se via embalado pela onda de calor. As pessoas se juntavam. Vinham dos mais variados lugares, inclusive da Igreja. Logo, formaram vários grupos, que se distribuíram em diversas partes da praçinha, exceto no centro, espaço reservado aos casais, em volta de uma coluna de concreto, cuja ponta apresentava uma roda vazia, onde deveria estar um grande relógio. Mas não adquirido. O que frustrou muita gente à época, e até os dias atuais se volta ao lugar onde deveria o marcador das horas, com os ponteiros imaginados a repetirem suas batidas, sempre compassadas, melodiosas. A frustração também se alimenta da ausência, cuja presença foi anunciada, depois propagandeada pelos quatro ventos. Não se sabe o que foi feito com o dinheiro da compra que deveria ser realizada.
É a mesma história de ruas asfaltadas, mas que se mantém a descobertas, não agasalhadas, sem o betume espesso, de material escuro e reluzente, de estrutura sólida. O cascalho continua em substituição do asfalto prometido e até registrado que existe mesmo inexistindo, e não foi por causa do solo inapropriado. Mas, isto sim, do dinheiro surrupiado. Igual aquele com que se compraram remédios de validade vencida, incinerados por estarem fora de uso, a exemplo de parte do arrecadado com impostos e taxas que serve para cobrir auxilio moradia de parlamentares federais e juízes das mais variadas instâncias. Ainda que estes tenham casas nas cidades onde trabalham, ou, com o que ganham, poderiam muito bem custear suas estadias. Isto sem falar de outras mordomias. Mordomias que se estendem a gente grã-fina dos Poderes Constituídos, membros dos Ministérios Públicos.
Gente que se junta a outras tantas, sempre agarradas às tetas da vaca chamada Estado. Não largam as tais tetas por nada desse mundo. Falecidos, em muitos casos, as tetas que lhe tocavam ficam para seus herdeiros. São as famosas pensões a perderem de vistas, e a contemplarem cônjuges de governadores e filhas, mesmo com filhos e maridos, de oficias de alta patente das Forças Armadas. Tem, inclusive, cartão corporativo para ex-presidente da República, motoristas, segurança e tudo mais. Mordomias para todos os gastos. Não apenas para agentes especiais dos serviços públicos. Mas também para muitos da iniciativa privada, cujo galão, sempre aberto, até na tufa de cheio de incentivos fiscais, sem qualquer contrapartida, quase vitalício, ainda que já estejam com um patrimônio a perder-se de vista. E mesmo que falte dinheiro para a saúde, educação e segurança públicas (isto é apenas um detalhe!).
Falta que pode ser suprida com mais impostos, ou mesmo com uma reforma, do tipo da Previdência Social, que retira dos que nada tem, e tanto precisa da assistência do Estado. As torneiras assistencialistas do Estado são abertas para pouquíssimos, uma vez que nunca se viu um trabalhador comum, inteiramente saudável, se aposentar aos trinta e três anos de idade. Veem-se políticos. Veem-se oficiais das Forças Armadas. O atual presidente foi um deles. Oh!... Ah!... Não se ouvia mais o tilintar dos sinos. De repente, uma voz. Vinha do alto-falante. Anunciava o novo filme. Pessoas, então, deixaram a praça com destino do cinema. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.
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