O óbito do servidor se constitui em fato jurídico ensejador do direito ao recebimento da pensão por morte, para o qual pode se habilitar um ou mais de um dependente que preencha as condições estabelecidas na Lei de seu Regime Próprio.
Essa habilitação ao benefício pode ocorrer no mesmo instante por intermédio de um único requerimento ou de vários, para os quais a decisão acerca do benefício é dada no mesmo momento, fazendo com que a sua concessão ocorra no mesmo ato para todos.
Entretanto, pode ocorrer de algum dependente pleitear o benefício posteriormente, quando já houver alguém recebendo o benefício, nessas hipóteses, regra geral, o beneficiário só faz jus ao recebimento a partir de seu requerimento.
Aqui é preciso fazer um parêntese para destacar que em âmbito federal, em razão das alterações ocorridas em 2.019 na legislação, a habilitação tardia somente produz efeitos a partir da concessão do benefício.
Hipótese em que a discussão aqui levada a efeito deixará de existir já que não haverá recebimento em período conjunto.
Mas como essa ainda não é a realidade da imensa maioria dos Regimes Próprios, é preciso salientar que a previsão de que a habilitação tardia produz efeitos a partir do requerimento, rotineiramente, enseja o direito do novo beneficiário ao recebimento de parcelas pretéritas do período compreendido entre o protocolo do pedido e a efetiva concessão do benefício.
De outro lado, nesse mesmo lapso temporal existiram beneficiários que receberão o beneficio com a fração que seria de direito desse novo dependente, ensejando a dúvida acerca do dever de os beneficiários anteriores promoverem a devolução de tais valores ao erário.
E, nesse ponto, é preciso destacar que o entendimento hoje consolidado legal e jurisprudencialmente é no sentido de que devoluções ao erário de valores recebidos indevidamente pelos beneficiários do sistema previdenciário, deve ser feita somente naqueles casos onde restar comprovada a má-fé de quem os recebe.
Isso porque a má-fé não pode ser presumida.
No caso em questão, o pedido de pensão por parte de um novo beneficiário, não caracteriza, por si só, má-fé daqueles que já vem usufruindo do benefício, até porque o pedido não implica necessariamente na concessão da pensão, já que terá ser submetido à análise para verificação do preenchimento dos requisitos legais por parte do pretenso novo beneficiário.
Não sendo possível, dessa forma, afirmar que os beneficiários anteriores agiram com má-fé ao receber o benefício durante o período de tramitação do pedido de pensão por morte formulado pelo novo beneficiário, o que afasta o dever de ressarcir o erário tais valores.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA. SENTENÇA LÍQUIDA. VALOR INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. NÃO CONHECIMENTO. PENSÃO MILITAR. HABILITAÇÃO TARDIA DE COMPANHEIRA. DESCONTOS SOBRE AS COTAS PARTES DAS FILHAS ANTERIORMENTE HABILITADAS, A TÍTULO DE REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. DESCABIMENTO. BOA-FÉ. PROCEDIMENTO DE HABILITAÇÃO. REDUÇÃO DAS COTAS PARTES DAS AUTORAS. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ANULAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA. RECURSO DA UNIÃO DESPROVIDO. 1. Não se conhece da remessa oficial interposta, quando a sentença é liquida e a condenação do ente público inferior a sessenta salários mínimos (CPC, art. 475, §2º). A sentença recorrida anulou ato administrativo que havia deferido a habilitação da segunda ré à pensão por morte e determinado a realização de descontos nos rendimentos das autoras, limitando-se a condenar a União ao pagamento da importância líquida de R$ 3.511,14, a título de restituição ao Erário, razão pela qual não se encontram presentes os pressupostos de admissibilidade da remessa. 2. O ato que determina a reposição ao Erário e fixa os valores devidos a esse título deve, necessariamente, ser precedido de regular procedimento administrativo hábil a ensejar o exercício do direito de defesa, como forma de possibilitar que as autoras (pensionistas) tivessem amplo conhecimento de todos os fatos inerentes ao débito que lhes estava sendo imputado, podendo sobre eles se manifestar. 3. Além disso, a determinação administrativa de ressarcimento mostra-se, no caso, substancialmente, ilegal e indevida, porquanto a União veio pagando às autoras a pensão por morte de forma correta, sem que tivessem elas concorrido para a habilitação tardia da segunda ré, na condição de companheira. Por essa razão, as autoras não poderiam ser compelidas à restituição das parcelas do benefício, de caráter reconhecidamente alimentar, que receberam de boa-fé. Precedentes. 4. De igual forma, o ato de deferimento da habilitação da segunda ré à pensão e que, por consequência, operou a redução das cotas partes da pensão deferida às autoras deveria ter sido precedido de regular procedimento administrativo, calcado no contraditório e hábil a ensejar o exercício do direito de defesa, possibilitando a estas amplo conhecimento dos fatos que motivaram a decisão administrativa, nos termos do que prevê a Constituição Federal, nos seus arts. 5º, LIV e LV e a Lei nº 9.784/99. 5. É certo que a anulação do processo administrativo, por vício puramente formal, nos moldes sentenciados, poderá resultar na instauração de um segundo processo, na mesma esfera, a fim de se verificar se, de fato, existiu relação de união estável entre a segunda ré e o militar falecido, inclusive após o ano de 1975, quando ele teria deixado a cidade de Belém do Pará. 6. No caso em apreço, porém, a segunda ré não interpôs recurso, objetivando modificar a sentença para ver reconhecida a união estável mantida com o militar. Além disso, embora deferida a produção de prova testemunhal por ela requerida, deixou de apresentar o rol de testemunhas e de comparecer à audiência de instrução e julgamento, operando-se a preclusão do direito de produção da prova em juízo. No procedimento de justificação judicial que havia conferido fundamento à habilitação e à concessão da pensão à segunda ré, esta se limitou a apresentar declarações subscritas por testemunhas, com firmas reconhecidas, tendo o juízo apenas homologado a prova trazida. Não houve colheita judicial da prova, por meio da inquirição efetiva dos depoentes pelo magistrado, com a possibilidade de realização de perguntas pelas partes interessadas. É certo, também, que as declarações apresentadas na justificação, por conterem manifestação de ciência relativa a determinado fato (união estável), não possuem aptidão para provar o fato declarado (art. 368, parágrafo único, do CPC/1973 e art. 408, parágrafo único, do CPC/2015). 7. Portanto, o desfecho imprimido ao feito, com a anulação, por vício formal, do processo administrativo de habilitação da segunda ré ao benefício da pensão, com o consequente cancelamento do benefício, mostrou-se adequado na espécie. 8. A incidência da correção monetária e dos juros moratórios legais sobre o débito deve ser realizada em conformidade com o Manual de Cálculos da Justiça Federal. (AC 0003113-08.2007.4.01.3700, JUIZ FEDERAL HENRIQUE GOUVEIA DA CUNHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 09/06/2016 PAG.)
Bruno Sá Freire Martins, servidor público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; consultor jurídico da ANEPREM e da APREMAT; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso e no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso); membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores e do Conselho de Pareceristas ad hoc do Juris Plenun Ouro ISSN n.º 1983-2097 da Editora Plenum; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, e para o site fococidade.com.br, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE, REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS e MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, todos da editora LTr e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.
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