• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

A queima dos arquivos de Zumbi

Um dos episódios mais controversos da história do Brasil é imputado a Rui Barbosa, teria ocorrido entre os anos de 1892 e 1893, e refere-se a uma queima de documentos fiscais que estavam em poder das exatorias do Ministério da Fazenda, cujos conteúdos mantinham relações com os registros de negócios de tráfico e comercialização de pessoas escravizadas no Brasil.

Há quem diga que o episódio tinha por finalidade simplesmente destruir documentos de propriedade produzidos pela burguesia escravocrata, por exemplo os contratos de compra e venda de seres humanos escravizados, outros contratos e negócios tendo esses mesmos seres humanos como garantia, além de hipotecas e similares. Entre os defensores desta vertente está Francisco de Assis Barbosa, coautor do livro “Rui Barbosa e a queima de arquivos”, escrito em 1988.

Para eles Rui Barbosa desejava proteger o erário da sanha capitalista.

No fundo seria um modo de impedir que os “senhores de escravos” pedissem indenização ao estado brasileiro pelas “perdas” decorrentes da chamada Lei Áurea, que acabou com essa vergonha do Brasil perante o mundo.

Em sentido contrário, o escritor Gilberto Freyre teria imputado a Rui Barbosa a responsabilidade pela queima desses documentos, cuja destruição teria desprezado a memória nacional e não possuía objetivos altruísticos. No fundo a queima teria por objetivo “apagar” a memória escravocrata, e ao mesmo tempo impedir que negros escravizados ou suas famílias reclamassem indenizações futuras.

Só que em 2018 alguns deputados estaduais de Mato Grosso surpreendem negativamente, e não medem esforços para promover uma nova queima de arquivos da história, em pleno Século XXI, com a revogação da Lei nº 7.879, de 27 de dezembro de 2002, que instituiu o dia 20 de novembro, data de aniversário da morte de Zumbi dos Palmares e Dia Nacional da Consciência Negra, como um feriado estadual.

A história dos brasileiros escravizados por obra e intenção criminosa dos colonizadores não pode ser apagada da memória popular, as atuais e futuras gerações precisam saber que durante muito tempo alguns seres humanos trataram outros seres humanos como “coisa”, objeto negociável, um simples ativo econômico, como se fossem uma carroça, um cavalo ou um trator. Mulheres foram objeto de sadismo e cobiça, e crianças nascidas de ventres escravizados eram concebidas com o seu destino previamente traçado.

Nosso país não pode esquecer, e precisa compensar as gerações descendentes de tais barbáries. Os deputados estaduais que forem a favor dessa lei precisam ser denunciados por esse absurdo, e nunca mais merecer novamente o voto e o respeito dos eleitores.

O argumento principal da revogação da data comemorativa é o suposto “prejuízo” causado ao comércio, que fecha as portas no dia 20 de novembro. Balela, com a escravidão “dois ponto zero” da “deforma trabalhista” (Lei federal nº 13.467/2017) esse benefício de folga ao trabalhador deixou de existir. Se a burguesia deseja acabar com o feriado da Consciência Negra, que tal acabar com o dia 25 de dezembro como Natal, o Dia dos Pais, das Mães, o Dia das crianças, e outros feriados nada relacionados ao povo negro?

E o prejuízo dos negros escravizados e seus descendentes, quem paga?

Uma nação sem memória e sem história é fadada a desaparecer, e ao extirpar do calendário a data comemorativa de Zumbi dos Palmares, promover a extinção do feriado de 20 de novembro, os políticos de Mato Grosso promovem uma queima de arquivo e declaram que setores da burguesia empresarial e da política ainda veem o negro como mercadoria, já que um feriado comemorativo dos valores desta população é tratado como algo que gera prejuízo e dano material.

Que seja ampliado o alcance da Lei nº 7.879/2002. Além de ser feriado estadual da Consciência Negra, deve impor um programa de sensibilização sobre o tema nas escolas, e que propaganda do comércio nesse dia (20/11) faça alusão à data, bem como a publicidade oficial mostre os fatos históricos referentes à escravização e à libertação dos nossos irmãos escravizados.

 

Vilson Pedro Nery é advogado membro da RENAP – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares.      



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