• Cuiabá, 03 de Dezembro - 00:00:00

Pensar ou obedecer nas escolas

Uma vez em uma discussão no conselho do curso de Psicologia, do qual fui bolsista, integral, pela posição que felizmente conquistei no vestibular, estava eu representando todos os alunos da faculdade, daí defendi que os docentes adotassem também o construtivismo como método de ensino. 

Então, uma professora me interpelou dizendo que não era possível, pois precisaria de um nível muito mais elevado do corpo discente, subestimando a capacidade do alunato. 

Obviamente que me rebelei e fiz uma simples pergunta a ela: com quem Paulo Freire aplicava o método do construtivismo, bem como em que condições? 

Diante do silêncio ensurdecedor dela, e dos olhares de espanto dos demais professores, respondi: crianças, adolescentes, jovens e adultos, todos analfabetos, às vezes desnutridos, muitas das vezes em baixo de uma árvore ou na beira do rio ou da seca, no agreste pernambucano, não em salas com ar-condicionado e projetor, data-show e retroprojetor, tampouco com lanche na cantina na hora do intervalo, sem ônibus com confortáveis poltronas, para levar e buscar os alunos, iam a pé, transitando por quilômetros de estrada de terra e muita poeira. 

Enfim, o despreparo, nesse caso, não pode ser depositado na conta do estudante, sedento por aprender ler e escrever, além de fazer contas e ouvir e contar contos e saber da história do seu povo e das descobertas científicas da humanidade. 

Muitas vezes é o educador que não está preparado, não tem domínio do método, tampouco do conteúdo. 

O grande segredo do construtivismo, além do viés libertário e emancipador dele, ante o currículo pensado para preparar para a vida, não só para provas e vestibular, é simplificar o aprendizado, com exemplos e atividades que levem em consideração o cotidiano das pessoas, afora a dimensão lúdica, que recomenda o contato com os rios, as montanhas, as árvores, as ruas, as praças, e a político-social, que desperta consciência crítica e cidadã.

Nesse modelo, a abitolada Escola Sem Partido não tem lugar, nem vez. Professores autoritários também não chegam a lugar algum. A imagem mental que se pode fazer é de uma roda, de troca, de diálogo e de construção e reconstrução coletiva do pensamento, onde o professor não fica atrás da mesa, como o dono do lugar, e, sim, sentado ao lado dos alunos, e atua como mediador, lembrando do primeiro construtivista que se tem notícia, Sócrates, como um parteiro do conhecimento, por intermédio da maiêutica e da dúvida cartesiana, entre outras técnicas de outros pensadores.

Descartes certa vez disse que busque construir seus próprios pilares das verdades admitidas em sua vida, entretanto não tão rígidos, que, caso você se depara com uma verdade maior e melhor do que a sua, seja aprendida de terceiros, seja por insight, possa implodir seus pilares e reconstruir, agora com sua nova percepção e conclusão sobre algo.

Quando Sócrates disse "só sei que nada sei", logicamente que não significava sua completa ignorância sobre os temas gerais e específicos. Na verdade, ele deu uma indireta para a arrogância dos mestres da época, que diziam tudo saber, bem como pôs em cheque os preconceitos dos seus convivas, já que quando ele tinha a oportunidade, derrubava um por um dos preconceitos do seu interlocutor, até ele assumir que pensava que sabia das coisas, no entanto nunca tinha pensado pela própria cabeça, de forma lúcida, livre e instruída.

Por fim, Paulo Freire, o célebre professor brasileiro, que, contudo, não era pedagogo, formalmente falando, em que pese fosse mais do que muita gente com diploma na mão, só que não vocacionada a lidar com gente, sendo hodiernamente um dos três teóricos mais citados no mundo, inclusive nas universidades de ponta, como Oxford e Harvard, só no Brasil tendo quem o hostilize, por completa desinformação e alienação, disse certa vez que "ninguém sabe tanto que não tenha nada a aprender, como ninguém sabe tão pouco que não tem nada a ensinar".

Sou absolutamente contra o Escola Sem Partido. Tentaram implementar ele na ex-União Soviética, no nazismo alemão e no fascismo italiano, sem sucesso.

Outrossim, por outro lado, não reconheço como educador quem despesa o estudante, quem não reconhece nele o potencial de ser protagonista, não só um repositor de conteúdo. Temor de inverter a lógica do argumento da autoridade. Eu mesmo já tensionei com vários professores por não aceitarem debater em sala de aula e reconhecer quando estiver errado, dentro da civilidade. O que deve ter validade é a autoridade do argumento, venha da onde for, inclusive daquele aluno com condição especial, que, aparentado não estar prestando atenção na aula, derrepente mata a charada que ninguém conseguia responder até então.

Precisamos de um ambiente escolar mais horizontal, menos vertical. Nesse sentido, a militarização do ensino é um grande retrocesso. Precisamos avançar. Precisamos de uma educação que ensine a pensar, ao invés de obedecer cegamente.



Paulo Lemos é advogado, professor de humanas e palestrante de cidadania e direitos humanos.

(paulolemosadvocacia@gmail.com)



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