À direita da minha casa, na Rua Frei Servácio, em Rondonópolis, morava o alemão Manfred Robert Göbel, enfermeiro que faz de sua vida uma bandeira de luta pela erradicação da hanseníase. Manfred sofria com o calorão e se sentia desajeitado com o termômetro nas alturas registrando temperaturas diferentes daquelas de sua terra. Nós, do sertão mato-grossense, onde sempre imperou a lei do coronelismo e onde é comum o culto ou quando nada o respeito ao ‘bom’ ladrão, temos também na vizinhança alguém muito incomodado com Janot.
Questão climática de um lado e aspectos das normas republicanas de outro. São coisas distintas, mas não fáceis de assimilação. Manfred acostumou-se ao nosso ensolarado Mato Grosso e passou a gostar dessa característica tropical predominante em quase todos os dias. Nossa vizinhança ainda tem bolsões de reticências a Janot.
Mais uma vez temperatura à parte. Admiro Janot, apesar da pirotecnia que teima em permear as entranhas de procuradores. Em 2013, quando substituiu o insosso Roberto Gurgel na chefia do MPF, mais que chegar ao topo da carreira o novo procurador-geral transpôs o imaginário portal que mantinha do lado de fora a impunidade como receita sem contraindicação para os donos do poder.
Eleito por maioria esmagadora (551 votos em 2013 e 799 votos em 2015) Janot transformou seus dois mandatos consecutivos no MPF numa chama de esperança pela universalização da Justiça com base no princípio de que todos são iguais perante a lei.
Na sexta-feira, 15, data em que completou 61 anos, Janot cumpriu sua jornada no último dia em seu cargo. Na segunda-feira Raquel Dodge o substituirá. Com a missão cumprida ao longo de 33 anos no MPF, discretamente como manda a tradição em sua Minas Gerais, ele troca a gravata por uma confortável bermuda e se prepara para ir ao Mineirão torcer por seu Galo, que ora não anda bem das pernas.
O Mineirão, feijão tropeiro, pinga da boa e as belas montanhas de Minas serão parte da rotina do aposentado doutor Rodrigo Janot Monteiro de Barros, mas, não tudo, pois o povo mineiro saberá reconhecer seu trabalho e o fará ocupar a mais importante cadeira de BH, aquela que já foi de Benedito Valadares, Milton Campos, JK, Magalhães Pinto e do Doutor Tancredo.
Por analogia, com Janot acontece o mesmo que ocorreu com Manfred. Aquilo que no primeiro momento pode parecer nocivo passa a ser compreendido como imprescindível. A assepsia feita pelo MPF sob seu comando é o que de melhor aconteceu no Brasil nas últimas décadas. O ataque sistemático aos corruptos tem que ser recebido como algo profilático. Os braços de Janot chegaram também a Mato Grosso. Saibamos recebe-los, pois a exemplo do sol que alimenta nossa temperatura, são raios de salubridade: de salubridade moral.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista
eduardogomes.ega@gmail.com
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