O céu se encontrava bem azul, com um vento tímido a tocar as folhas das raras árvores do lugar que outrora foi tida como “cidade verde”, e os raios solares mais próximos do que deveriam, pois o calor se encontrava muitíssimo forte. Amanhecia assim a quinta-feira passada (14/09). Nada diferente de outros dias, os quais servem de transição entre o inverno e a primavera. Exceto claro, o desfile quase sincronizado de carros pretos. Destes, saíram policiais federais determinados à busca e apreensão na Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas e residências de alguns agentes políticos e agentes públicos, citados na delação do ex-governador Silval Barbosa.
Diligência, esperada há algum tempo e criticada pelo atraso, que se estendeu a outras cidades mato-grossenses, até em razão das ramificações domésticas dos envolvidos. Isto pautou a imprensa e norteou as conversas nas redes sociais e nos botequins, com algumas pessoas, porém, ainda se contentando a condição de torcedoras. E, infelizmente, a endossarem as notas divulgadas, mas injustificadas e infundadas dos agentes públicos, agora alvos da Polícia Federal, que cumpriu a determinação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal.
Infundadas e injustificadas porque nenhuma delas rebateu as acusações que pesam sobre as costas de seus autores. Acusações que se tornaram públicas, com a quebra de sigilo da delação. Uma delação que é bastante rica em detalhes. Muitas das acusações, nela contidas, estão acompanhadas de provas; várias delas aparecem acompanhadas de caminhos que podem levar as provas necessárias, a exemplo das que falam em notas promissoras, cheques e suplementação de orçamentos; e outras tantas estão acompanhadas de vídeos, cujos conteúdos não se podem questionar. Pois eles, os vídeos, não estão “descontextualizados”, “deturbados”, e, tampouco, foram apresentados porque um de seus protagonistas exerce o cargo de prefeito da Capital.
Nenhuma documentação que venha a ser apresentada mudará as imagens divulgadas nacionalmente. Imagens que, infelizmente, os vereadores cuiabanos parecem ignorar, uma vez que se recusam a viabilizarem e instalarem uma Comissão Processante – instrumento necessário para julgar se o peemedebista deve ou não continuar a exercer o cargo de chefe da administração pública cuiabana.
O legislativo, ainda que municipal, é independente e, em razão disso, tem suas prerrogativas próprias, independentemente da atuação do Judiciário e do Ministério Público. Os vereadores, porém, parecem ignorar isto, e ficam as esperas de decisões outras. Dependerem de outras instituições, ou se fazerem submissos à atuação delas é esconderem, não terem a coragem de enfrentar os problemas que ora se tem. O que reforça a ideia antiga que muitos munícipes têm a respeito da Câmara cuiabana, cuja legislatura tem comportamento reprovado, assim como tiveram as do passado.
Filme que se repete por décadas, apenas com meia dúzia de rostos diferentes, mas de mesmo roteiro e cenas. Cenas, aliás, também velhas as que realçam as parcerias promíscuas entre o Estado-governo e os empresários-empresas, o pagamento e recebimento de “mensalinho”, de “merenda” dentro do Legislativo estadual, acrescido de propinas. Propinas que se estenderam a Corte de Contas, com as negociatas por suas cadeiras. Quadro absolutamente nítido, sem falhas, sem um traço, sequer um véu de alvaiade esquecido pelo delator Silval Barbosa. Foi este cenário que deve ter assustado o ministro Fux, queimado seus olhos na travessia do inverno para a estação primaveril, e deixando chateada a população local, que sofre sobremaneira com o calor da falta de dinheiro para os atendimentos básicos de saúde e de segurança públicas. É isto.
Lourembergue Alves é professor e analista político.
Email: lou.alves@uol.com.br.
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