Recentemente recebemos a seguinte indagação:
Alguns servidores públicos municipais que lograram êxito em concurso público no ano de 2.000 junto à Prefeitura Municipal foram contratados como Servidores Temporários pelo Regime Celetista, sendo, então, as contribuições previdenciárias destinadas à época (período de 2000 a 2006) ao Regime Geral de Previdência Social. A partir do ano de 2006, tais servidores tiveram sua situação contratual “regularizada” e as contribuições previdenciárias passaram a ser recolhidas ao Instituto de Previdência do Município. Houve Portaria do Poder Executivo que, para regularizar a situação dos servidores, retificou a portaria de nomeação retroagindo seus efeitos à data de início da relação estatutária (ano de 2.000), mas nada mencionou sobre os recolhimentos previdenciários, que foram mantidos no RGPS.
Atualmente, alguns dos servidores nesta situação estão solicitando averbação do tempo de contribuição, junto ao IPM, do período em que as contribuições foram destinadas erroneamente ao INSS, indagando-se o procedimento mais adequado é aquele no qual a Prefeitura Municipal requer ao INSS a devolução das contribuições vertidas ao RGPS equivocadamente (repetição de indébito), recolhendo os valores devidos ao RPPS municipal?
A Prefeitura deve recolher aos cofres do Instituto as contribuições previdenciárias do período que recolheu ao INSS equivocadamente? Tendo em vista a existência de efeitos retroativos, através de portaria, convalidando o período de 2001 a 2006 como estatutário e não celetista?
O Instituto pode aceitar a averbação desse tempo de contribuição? Caso positiva a resposta, como fica a situação dos servidores públicos que auferiam remuneração que superasse o teto de recolhimento do INSS?
Inicialmente há de se ressaltar que a contratação temporária, sem adentrar ao preeenchimento ou não de seus requisitos, implica na filiação obrigatória junto ao INSS, conforme estabelece o § 13 do artigo 40 da Constituição Federal, já que acarreta a existência de um vínculo de natureza efêmera.
Tanto que afirmamos in DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, 2ª edição, editora LTr, página 77:
Conforme já salientado, as pessoas contratadas com base no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal exercem cargos públicos de natureza efêmera e em alguns casos nem sequer exercem cargos, pois podem ser contratados para o exercício de funções determinadas que podem não estar vinculadas a estes, estando sujeitas, portanto, em ambas as hipóteses à filiação ao Regime Geral de Previdência Social.
Então, a filiação previdenciária ao Regime Geral não se reveste de qualquer equivoco que implique em possível restituição, até porque não se nem noticia de que os contratos celebrados no período foram anulados.
Até porque, em que pese se revestir da natureza de contrato, constitui-se em ato administrativo e como tal goza da presunção de legitimidade que, conforme ensina José dos Santos Carvalho Filho in MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 28ª edição, editora Atlas, página 123:
Os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou seja, a presunção de que nasceram em conformidade com as devidas normas legais... Essa característica não depende de lei expressa, mas deflui da própria natureza do ato administrativo, como ato emanado de agente integrante da estrutra do Estado.
E como as nulidades não se presumem, exigindo, portanto, seu reconhecimento expresso com a consequente retirada do mundo jurídico do ato por ela viciado, situação que não se tem noticia no questionamento conforme já dito, não há que se falar em afastamento do vínculo contratual.
Tanto que Weida Zancaner in DA CONVALIDAÇÃO E DA INVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS, 2ª edição, editora Malheiros, páginas 45 e 46 afirma:
A invalidação é a eliminação, com eficácia ex tunc, de um ato administrativo ou da relação jurídica por ele gerada ou de ambos, por haverem sido produzidos em dissonância com a ordem jurídica.
No direito brasileiro são sujeitos ativos da invalidação o Poder Judiciário e a Administração Pública.
O Poder Judiciário poderá invalidar os atos administrativos no curso de uma lide, quando provocado ou “de ofício”, dependendo da reação do ordenamento jurídico com relação aos atos viciados.
A Administração Pública é sempre parte interessada na lisura de seus atos e poderá invalidá-los sponte própria ou quando provocada a faze-lo; entretanto, é bom esclarecermos desde já que o dever de invalidar encontra limites...
Não restando presente a nulidade, não há vício contratual e se não há vício contratual, não há razão para que ocorra a restituição, pois a Lei n.º 8.213/91 é clara ao afirmar que :
Art. 89. As contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 desta Lei, as contribuições instituídas a título de substituição e as contribuições devidas a terceiros somente poderão ser restituídas ou compensadas nas hipóteses de pagamento ou recolhimento indevido ou maior que o devido, nos termos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Portanto, a ausência de nulidade no vínculo, faz com que a filiação junto ao Regime Geral impede a restituição, já que não há que se falar em recolhimento indevido ou a maior.
Em que pese o ideal ser o reconhecimento da nulidade do vínculo temporário, principalmente porque, ao menos em tese, não parece estarem presentes na dita contratação os requisitos constitucionalmente exigidos para sua concretização.
Situação que se torna imprescindível se a retroatividade dos efeitos da nomeação levadas a efeito posteriormente, foi feita com o reconhecimento do direito ao recebimento das remunerações do dito período.
No que tange ao recolhimento de contribuições ao Regime Próprio, essa somente ocorrerá caso a retroatividade da nomeação tenha gerado os ditos efeitos financeiros, ou seja, somente se houver sido concedido aos servidores o direito de receber a remuneração do período compreendido entre os anos de 2000 e 2006, sendo também devidas, nessa hipótese, as contribuições patronais relativas ao período.
Isso porque, a base de cálculo das contribuições previdenciárias do servidor público é a remuneração por ele recebida, razão pela qual em não tendo havido recebimento não há que se falar em recolhimento de contribuições, enquanto que a contribuição patronal encontra fundamento de existência justamente no recolhimento de contribuições por parte do servidor em favor do Regime Próprio.
Contudo, caso não tenha sido dado efeitos remuneratórios retroativos ao ato de nomeação, há de se ressaltar que a ausência de reconhecimento da nulidade dos contratos e o entendimento recente do Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de nomeação retroativa em concurso sem o devido pagamento de remuneração do período, in verbis:
... 7. É assente nesta Corte o entendimento de que não assiste ao candidato nomeado tardiamente por força de decisão judicial o direito de contagem retroativa do tempo de serviço e dos demais efeitos funcionais a contar da data em que, supostamente, deveria ter sido nomeado, uma vez que somente o efetivo exercício rende ensejo às prerrogativas funcionais inerentes ao cargo público, sob pena de enriquecimento ilícito. Assim, e considerando que, na hipótese dos autos, não se identifica uma arbitrariedade flagrante, mas um complexo litígio que se circunscreve a, pelo menos, três processos, não há como falar em efeitos retroativos, quer funcionais, quer previdenciários, como postulam os reclamantes, porquanto implicaria excessiva oneração dos cofres públicos em razão de o litígio ter subsistido por mais de uma década. Os efeitos financeiros e funcionais da nomeação serão contados a partir da data em que os candidatos entrarem em exercício. (Precedente decidido em Repercussão Geral sobre o tema: RE 724.347/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator para o acórdão o Ministro Roberto Barroso, DJe 13/05/2015) ... (Rcl 1728 CumpSent, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-072 DIVULG 15-04-2016 PUBLIC 18-04-2016)
Há de se reconhecer que, diante das circunstâncias apresentadas, de fato e juridicamente o exercício no cargo público se iniciou somente em 2006, momento em que passaram a se produzir todos os efeitos inerentes ao vínculo, dentre os quais os previdenciários junto aos Regimes Próprios, incluindo-se aí o dever de contribuir para o Instituto de Previdência Municipal.
E nesse caso, deve ser promovida a averbação do lapso temporal em que os servidores possuíam contratos temporários e em razão destes contribuíram para o INSS, observando-se para tanto os ditames constantes na legislação do Regime Geral, inclusive no que tange à base de cálculo das contribuições previdenciárias.
Bruno Sá Freire Martins é advogado e presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE). Bruno também é autor de obras como Direito Constitucional Previdenciário do Servidor Público, A Pensão por Morte, e Regime Próprio - Impactos da MP 664/14 Aspectos Teóricos e Práticos, além do livro Manual Prático das Aposentadorias do Servidor Público e diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.
clara lucia campos siqueira disse:
03 de MaioObrigada Professor, o texto é bastante esclarecedor e didático.