Quem é você? Sou alguém inscrito no CPF tal e com RG sob tal número. Então, você é um número? Um nome associado a uma forma física? Não, quero saber da sua essência, no que se tornou, a real identidade.
As máscaras cairão; essa que se apresenta, hoje, sucedeu outra, que perdurará por pouco tempo até a próxima. Continuarão caindo numa constante de espaço de experiências.
A sua história, o caminho percorrido e as conclusões herdadas do aprendizado, eis você, agora sem cores a anuviar a essência. Prazer, andarilho de um caminho complexo, também herdado do caminhar de outros viajantes, ou ainda, em homenagem a Ulisses Guimarães, navegantes.
Os números são plataformas formais, convenções, que nada dirigem à sua essência, a não ser para tomar-lhe no diminutivo, esmagando o sentimento, a vontade e a individualidade.
Em todo lugar há um túmulo do soldado desconhecido (para lembrar da atual situação Rússia x Ucrânia). É desconhecido porque não está ali, representa uma universalidade formal, nunca individual, ainda que haja simbologia a considerar. Você, bem ao contrário, está vivo, significando dizer que detém determinada substância, uma espécie ontológica que, apesar de atributos singulares e imutáveis, avança com as experiências.
Não são os números de mortos numa guerra que adquire maior significância, mas a densidade e implicação das lágrimas derramadas dos que os homenageiam; a cada um, a lembrança da essência na existência. Os números só adquirem significados e causa perplexidade porque sabemos que cada qual existiu, sentiu, sofreu, amou e foi amado, teve vontade, amigos e familiares, e os honraram.
Voltemos. A mensagem de Sartre de que somos livres e por isso condenados é basilar para a compreensão desta essência que substancia em cada pessoa. Somos condenados porque somos os responsáveis pelo que nos tornamos. Ser bom ou mau é o resultado do bem ou do mal que estão por aí como escolhas.
Então, quem é você? Você é aquele que, por ser livre, tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, ou mais claramente, é causa interna da própria ação ou do não agir, como ditou Aristóteles.
Na poesia musicada de Marília Mendonça, “Tortura/E que se dane a minha postura/Se eu mudei você não viu/ Eu só queria ter você por perto/ Mas você sumiu/É tipo vício que não tem mais cura/E agora de quem é a culpa/ A culpa é sua por ter esse sorriso/Ou a culpa é minha por me apaixonar” ... (De quem é a culpa?).
Escolhas, nada mais. A culpa não pode ser imputada aos outros. Cada qual é, em essência, aquilo que se tornou, considerando, aqui, os desejos e as paixões. Condenados se está à liberdade. Aliás, liberdade tanto quanto querida e propagada como princípio de dignidade.
Nessa jornada da existência não há inocentes, nem “coitadinhos”. Precisamos parar de metaforizar a existência, ou fez o certo ou fez o errado, considerando, contudo, a relatividade desses conceitos e a própria complexidade das relações sociais. Mas na quadra mais geral, é por aí.
Gonçalo Antunes de Barros Neto é formado em Filosofia e Direito pela UFMT, magistrado (email: bedelho.filosofico@gmail.com).
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