• Cuiabá, 18 de Dezembro - 00:00:00

CNJ não legisla e a celeridade processual não pode ferir o direito de defesa do cidadão


Bady Curi Neto

A árdua missão do advogado de defender os interesses de seu constituinte, pessoa natural ou jurídica, garantindo que as leis sejam aplicadas no caso concreto de forma correta, diante das questões que são levadas aos órgãos estatais e/ou ao poder judiciário, tem se tornado cada dia mais difícil, com as constantes violações de suas prerrogativas. Importante destacar que a Constituição Federal, no artigo 133, preceitua que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

Humberto Martins, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça, palestrando para o Seminário da Jovem Advocacia, foi categórico em dizer que “Sem advogado não há Justiça e sem Justiça não há cidadania”. O aviltamento às prerrogativas do advogado resulta na depreciação do direito da sociedade como um todo, sobretudo porque as faculdades profissionais são exercidas na defesa de seu constituinte, ou seja, dos cidadãos em geral, portanto, da própria sociedade. 

Quando há, por parte de um magistrado, em qualquer instância do poder judiciário, ao decidir um processo sobre seu crivo, um desrespeito ao arcabouço legal e/ou normas constitucionais, a exemplo do cerceamento de defesa, não está atingindo somente o direito do advogado em exercer seu mister, mas ferindo o direito do próprio cidadão. 

Neste diapasão, por maior liberdade que o magistrado possua em sua interpretação dos fatos diante da legislação posta ao decidir um processo, sua atuação, como dito, é vinculada ao ordenamento legal, sob pena de não o fazendo passar de maneira transversa a mudar o sentido da lei, inovando, por vias oblíquas, a legislação, função dada pela Constituição Federal ao Poder legislativo. Não é novidade as diversas reclamações feitas por advogados que não conseguiram vistas dos inquéritos dos seus clientes no denominado inquérito da Fake News. (https://www.conjur.com.br/2019-mai-27/advogado-reclama-falta-acesso-inquerito-fake-news/

Em 25/06/2020, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, defendeu, no Supremo Tribunal Federal (STF), a continuidade da investigação do inquérito da Fake News, mas alertou que os advogados ainda não haviam conseguido acesso aos motivos das investigações. “É direito das defesas dos pacientes que lhes seja deferido o acesso aos autos, exclusivamente com relação ao Apenso que diz respeito a cada um deles, para que possam as defesas constituídas se desincumbirem de seu ônus de representar adequadamente os investigados”. (https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pgr-diz-ao-stf-que-advogados-ainda-nao-tem-acesso-a-inquerito-das-fake-news/)

As constantes reclamações dos advogados em não ter acesso aos processos ou a demora em tê-los, levou o presidente do Conselho Federal da OAB a oficiar o STF solicitando “adoção de providências necessárias no sentido de permitir acesso aos advogados constituídos pelas partes aos autos dos inquéritos n. 4.781, 4.879, ambos do STF, e demais processos correlatos”, sendo respondido pelo relator do inquérito em 30/11/2022.

A impossibilidade, dificuldade ou o retardamento de vista a quaisquer procedimentos, inquéritos e/ou processos judiciais ao advogado importa não apenas no desrespeito às prerrogativas do profissional, mas em afronta ao direito do cidadão, data máxima vênia.  

Outro fato que chamou à atenção é a constante negativa a sustentação oral do advogado perante o STF e TSE, sob o entendimento de que o regimento interno daquelas casas veda sustentações orais em Recurso de Agravos Regimentais, em divergência ao que estabelece a Lei 14365, publicada posteriormente ao Regimento do STF. (https://www.conjur.com.br/2024-abr-24/veto-a-sustentacoes-orais-resulta-em-conflito-entre-o-supremo-e-a-advocacia/)

Agora, o Conselho Nacional de Justiça, sob o meu entendimento, imiscuindo em poderes que não possui, resolveu legislar em detrimento das prerrogativas dos advogados, criando a resolução 591/CNJ, que permite a sustentação oral assíncrona nos tribunais. Vale dizer, em vez de o advogado fazer a sustentação oral presencial na hora do julgamento, ele poderá gravar um vídeo e enviá-lo aos julgadores com 48 horas de antecedência ao julgamento, caso tenha o relator decidido pelo julgamento virtual, o que fere de morte alguns direitos garantidos na legislação, inclusive constitucional, aos advogados e cidadãos, conforme exposto no brilhante artigo de Lenio Luiz Streck, a saber: 

Violação ao contraditório e ampla defesa (Art. 5º, LV da CF/88)
– A sustentação oral presencial permite interação direta com os julgadores
– O formato assíncrono elimina a possibilidade de perceber reações e adaptar argumentos
– Perde-se a capacidade de responder questionamentos em tempo real

Violação ao CPC/2015
– Art. 937 estabelece expressamente o direito à sustentação oral presencial
– Art. 7º garante paridade de tratamento entre as partes
– Art. 9º assegura o contraditório participativo
– Art. 10 veda decisões surpresa sem prévia oportunidade de manifestação

Prejuízos às prerrogativas da Advocacia (Lei 8.906/94):

– Art. 7º, IX – direito de sustentação oral presencial
– Art. 7º, X – direito de usar a palavra pela ordem
– Compromete a essência da advocacia como função essencial à justiça
– A Lei nº 8.625, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, preceitua no artigo 41, inciso III, que é prerrogativa dos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, “ter vista dos autos após distribuição às Turmas ou Câmaras e intervir nas sessões de julgamento, para sustentação oral ou esclarecimento de matéria de fato”. (https://www.conjur.com.br/2024-dez-12/cnj-nao-tem-poder-de-alterar-o-cpc-e-nem-de-criar-regras-de-processo/)

A opção de permitir o julgamento presencial ou virtual deve ser do advogado, que está à frente da defesa de seu constituinte. As escusas de uma celeridade processual, através de julgamentos virtuais, não podem ferir o direito do jurisdicionado. 

Tenho dito!!!

 

Bady Curi Neto é advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e professor universitário.




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