• Cuiabá, 20 de Setembro - 00:00:00

Como funciona o mercado e por que pressiona o Governo Lula, na análise de Fernando Henrique


Rafaela Maximiano

Colocar em prática novas políticas públicas, trabalhar a economia doméstica e manter o equilíbrio fiscal com o mercado financeiro devem ser os principais desafios do novo Governo Luiz Inácio Lula da Silva, na área econômica. As pontuações são do economista Fernando Henrique Dias.  

Ao FocoCidade, o entrevistado também explica como funciona o mercado financeiro, assinala o cenário em que o presidente está sofrendo pressão desse mercado, detalha o teto de gastos e analisa como a medida para controlar gastos públicos foi driblada nos últimos anos.  

“Na verdade, estamos vendo o teto de gastos ruir e provavelmente vai cair. Da forma que foi feita a PEC foi um grande erro. Outros países como a Holanda, Finlândia, fizeram o teto de gastos para cinco anos, o Brasil fez para duas décadas. Quem propôs esse teto de gastos é totalmente doido da cabeça”, afirma Fernando Henrique.  

O especialista ainda pontua: “é importante que o Governo Lula verifique o que fará com a política fiscal, não para ver como o mercado financeiro reage, mas atrelado ao que se quer como política pública a longo prazo”.  

Confira na íntegra:

Para que o cidadão comum possa entender: o que é o mercado financeiro e quem é esse mercado?  

Antes de entender o conceito de mercado financeiro é necessário entender o conceito de mercado, que é o local onde operam as forças de ofertas e as formas de demanda, um local onde tenho vendedores e compradores, ou seja, eu tenho transferência de propriedade e de mercadoria através de operação de compra e venda.  

Já mercado financeiro é o ambiente, o local onde são feitas as negociações de ativos, como por exemplo ações, títulos, as mercadorias ou até mesmo as linhas de crédito. Nele tenho dois lados de uma operação: o investidor e o que toma dinheiro ou toma crédito. O investidor é uma pessoa ou empresa que empresta dinheiro e espera receber lucro.  

Então o mercado financeiro é o ponto de encontro que quem tem dinheiro ou crédito com quem precisa do dinheiro ou do crédito para realizar seus projetos. Esse mercado financeiro abrange operações, não somente ações, pode ser compra e venda de moeda estrangeira e de mercadoria como por exemplo soja, produtos de renda fixa onde a empresa empresta dinheiro para bancos e governos e querem receber juros por isso, é uma troca.  

Qual a relação da política econômica do país com o mercado financeiro?  

Dentro da política econômica do nosso país, temos um tripé: a política cambial, a monetária e a fiscal. O principal objetivo da política monetária é o controle da moeda em circulação no nosso país, a questão da inflação está muito ligada à política monetária e pode ser contracionista ou expansionista. O controle da inflação funciona da seguinte maneira: se a inflação está baixa o governo pode injetar mais dinheiro ou política expansionista, aí temos mais dinheiro circulando. Quando a inflação está alta tenho juros mais altos e consequentemente dinheiro circulando menos.   

Temos também a política fiscal que atua na manutenção do equilíbrio entre receita e os gastos do governo – ele é um termômetro para como o mercado financeiro externo vai ver o Brasil, justamente pela questão se o Brasil é bom pagador ou não. O Brasil vai emitir títulos e quem vai comprar quer saber se é um bom lugar para se investir ou não. Recentemente a política fiscal está sendo muito danosa, que é a questão do teto de gastos que não é o maior problema, e frente a isso como o mercado reage, como é a questão de enxugamento da máquina pública, tudo isso está atrelado à política fiscal.  

Aí tem a política cambial que é justamente para administrar as faixas de câmbio do país. Quando a moeda estrangeira está em alta, o dólar – nós somos um país periférico então a nossa moeda frente ao dólar já é fraca então é necessário criar mecanismos para que não fique tão fraca – existem fatores domésticos para fazer isso e as pressões externas acabam elevando o dólar, isso tem muito a ver com a dolarização brasileira que chamamos de capitalismo financeiro usado e é bem difícil de fazer essa política.  

Como o presidente da república e ministros influenciam o mercado, o valor do dólar e do real?   

O presidente da República e seus ministros são considerados agentes econômicos, então quando o presidente fala algo que não é aceito no mercado pode subir o dólar. Porém não é esse o raciocínio nem a pergunta. Quando eu falo como o mercado vai reagir a uma declaração de um presidente significa dizer por exemplo que as ações de uma empresa do governo podem despencar porque o mercado entende que não é seguro investir diretamente.  

Também precisamos entender que o que gera emprego no país é o investimento direto e não necessariamente está atrelado a ações ou a mercado financeiro. Algumas questões dessas autoridades monetárias do nosso país ao fazerem discursos podem influenciar diretamente, pois temos uma moeda mais fraca perante o dólar. E, também existe a ilusão que temos sempre que agradar o mercado e não funciona assim, temos que nos voltar para a política doméstica e solidificar ela, é o que falta no Brasil, nos preocupamos muito com o mercado financeiro e não fazemos o beabá.   

O que significa o teto de gastos, ele funciona ou não?  

Em 2016, em 13 de dezembro, foi aprovada a PEC 241 que estabeleceu o teto de gastos públicos no Brasil e passou a vigorar em 2017. Foi uma proposta do governo Michel Temer para que o governo estabelecesse um limite de gastos para as próximas duas décadas a partir de 2017, ou seja par aos próximos 20 anos tendo como base o orçamento do governo de 2016.  

Nesse período ficou impedido de criar um orçamento maior que o anterior e a cada ano ele só pode corrigir os valores de acordo com a inflação. Aí alguns gastos até podem crescer mais que a inflação desde que ocorra cortes reais em outras áreas. Isso implica dizer que as despesas do governo não terão crescimento real durante 20 anos a partir de 2017. O governo Temer argumentava que esse teto era necessário para controlar os gastos públicos.   

Precisamos entender que o aumento desses gastos na verdade não era visto como um problema tão sério na década passada. O governo também arrecadou mais receita graças ao crescimento econômico da década de 2000 e a crise em 2015 chamou a atenção e a PEC em si não controlou o problema de gastos, essa é a grande verdade. O que ocorreu na crise de 2015 foi ligada à política fiscal, que realmente fez com que a presidente Dilma fosse derrubada. O objetivo do teto de gastos era manter as contas públicas controladas mas surgiram outros mecanismos que acabaram driblando o teto de gastos como por exemplo o famoso orçamento secreto. Será que o teto de gastos foi um bom mecanismo?  

Os fatores favoráveis: tentar recuperar a economia através de uma política fiscal robusta tentando controlar as contas públicas, a contenção dos gastos e reestabeleceria a economia a longo prazo. O que tange contra o teto de gastos e é a grande polêmica: a diminuição desses gastos afetam diretamente as políticas públicas que beneficiam diretamente as classes sociais que mais precisam, ou seja, o governo fica sem recurso para fazer políticas que auxiliam uma boa parcela da população. A política de valorização do salário mínimo acima da inflação também é difícil de ser mantida com o teto de gastos e, a dívida pública que precisa ser paga e não ocorre pela falta de recursos causada pelo teto de gastos.  

Na verdade, estamos vendo o teto de gastos ruir e provavelmente vai cair. Da forma que foi feita a PEC foi um grande erro. Outros países como a Holanda, Finlândia, fizeram o teto de gastos para cinco anos, o Brasil fez para duas décadas. Quem propôs esse teto de gastos é totalmente doido da cabeça. O próprio ex-presidente Jair Bolsonaro driblou o teto de gastos, em 2021 com a PEC dos Precatórios e a PEC da Transição também. Existem mecanismos para driblar o teto de gastos e eu acredito que não vai demorar muito para que haja uma mudança. 

Alguns economistas entendem que o novo presidente está tomando medidas que "desagradam o mercado financeiro" para proteger o mais pobre, isso é verdade?

O primeiro escalão do Governo Lula é totalmente político. Pessoas técnicas, mas totalmente político, então ele acena que está tentando negociar e o segundo escalão técnico. Com exceção do Ministério da Saúde que é mais técnico. Na verdade, precisamos de um tempo para vermos como será feito já que o Governo Lula estará priorizando a recuperação. Seis meses dura o casamento entre o Congresso, Senado e o Executivo, temos que aguardar esses primeiros seis meses para entender quais serão as políticas adotadas. Obviamente que já sinaliza para as políticas sociais à exemplo do Minha Casa Minha Vida, de assistencialismo dentro das universidades, para a volta do pagamento de R$ 600,00 para as famílias mais carentes. Tendo um governo mais assistencialista precisamos entender como o mercado reagirá e como o governo quer enxergar o mercado também.  

E, quanto a declaração da intervenção da Petrobras. Como o mercado reagiu? 

Só existe um meio de controlar a dolarização da Petrobras com a política de preço. É preciso mudar mas existe um lobby muito grande. As pessoas não entendem: cortar impostos federais e estaduais em relação à combustível é deixar de arrecadar. É uma política de curtíssimo prazo. O que importa mesmo é como será precificado. Não é possível conseguir manter os preços acessíveis dos combustíveis a longo prazo. As empresas de commodities de combustíveis possuem um lobby muito grande. Por exemplo, as empresas de cana-de-açúcar que chamamos de energia, tiveram suas cadeias de produção danificadas porque se mexeu no ICMS, no imposto, desde o governo Bolsonaro essas empresas estão fazendo um lobby gigante para que volte ao normal essa questão do combustível. E, elas não vão querem abrir mão. 

O que será necessário para o novo governo Lula trabalhar as necessidades políticas do governo e também obter um equilíbrio fiscal?  

A questão fiscal é importante para qualquer nação em desenvolvimento, não tem como andar sem a política fiscal que é importante porque com ela eu consigo ter um planejamento orçamentário e assim consigo fazer política pública a longo prazo. Se o presidente fere a política fiscal, ele consegue fazer um governo até expansionista, mas posteriormente a longo prazo a nação vai sentir. Então é importante que o Governo Lula verifique o que fará com a política fiscal, não para ver como o mercado financeiro reage, mas atrelado ao que se quer como política pública a longo prazo. Esse é um grande desafio para o Governo e teremos que esperar as cenas dos próximos capítulos. Acredito que em seis meses teremos mais transparência, ainda é muito cedo para falar o que vai acontecer, como politicamente o governo vai se comportar nas áreas de políticas públicas. 




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