Rafaela Maximiano
Como transformar uma tragédia em motivação para viver e ainda ajudar outras pessoas a superar suas dificuldades. Este é o tema da Entrevista da Semana que conversou com Jéssica Araújo Reolon, uma jovem de 26 anos, cuiabana, que sofreu um acidente de carro e precisou amputar a perna quando ainda era adolescente decidiu fazer fisioterapia para ajudar outras vítimas.
Após se formar, em 2019, Jéssica Araújo se especializou em reabilitação de amputados e se mudou para São Paulo para trabalhar na clínica onde fez o tratamento na época do acidente.
Ao FocoCidade, Jéssica contou que o acidente ocorreu em janeiro de 2009. Ela estava em uma viagem com a família no interior de Mato Grosso quando a caminhonete em que estava se chocou com um poste. No acidente, ela perdeu o pai e um amigo da família.
"No momento da batida não aconteceu nada, mas quando descemos recebemos uma descarga elétrica muito alta e eu perdi parte da minha perna esquerda. Meu pai e o amigo dele morreram no acidente", relata.
Desde então, a jovem passou a se dedicar na fisioterapia para ajudar outras vítimas de acidente.
"Sempre existiu dois caminhos. Você pode escolher entre transformar toda a sua dor e dificuldade em combustível para a construção de uma nova vida, ou ficar na zona de sofrimento, revivendo o que já passou e o que você não pode mudar mais. Enquanto há vida, há possibilidade", pontua.
Boa Leitura!
Quando ocorreu seu acidente? O que ocorreu para que ocasionasse a amputação parcial da perna?
Foi no dia 28 de janeiro de 2009. Eu morava em Cuiabá e estávamos em uma viagem de família. Eu, meu pai, irmã, madrasta e um amigo. Fomos visitar alguns parentes no interior, em Ipiranga do Norte. Meu pai dirigia quando a caminhonete em que estávamos perdeu o controle da direção após cair em um buraco, e colidimos contra um poste. Até o momento da batida não havia acontecido nada. Estávamos todos bem. Mas não vimos que o poste havia caído e o fio de alta tensão estava sobre o veículo. Aí, no momento em que fomos descer do carro, recebemos uma descarga de alta tensão muito forte. Eu estava sentada no banco do passageiro ao lado esquerdo, e foi exatamente devido ao primeiro contato com o chão ter sido com a perna esquerda, que acabou sendo o ponto de entrada do choque, foi necessária a amputação para que eu pudesse sobreviver. Já não havia mais sensibilidade superficial, profunda e nem mesmo a circulação de sangue no pé.
No acidente meu pai e o amigo dele faleceram devido a descarga. Eu, minha irmã e madrasta tivemos um quadro de queimaduras de segundo, terceiro e quarto grau. Ficamos alguns meses internadas em tratamento.
Quando soube, o que sentiu? Desde então, houve mudança de pensamento?
Eu era uma criança. Tinha 12 anos quando tudo isso aconteceu. A princípio, a dor mais difícil de lidar foi com a morte do meu pai. Como eu ainda estava hospitalizada, em tratamento, cirurgias e mais cirurgias, remédios... eu não tive tempo de processar o fato de eu ter perdido uma perna e de como isso mudaria a minha vida. Eu estava em um momento de muitas dores, emocionais e físicas. E tudo que eu queria nessa fase era não sentir mais tanta dor e voltar a ter uma vida normal, de uma criança de 12 anos, entende? A partir do momento em que eu tive alta hospitalar, caiu a minha ficha. Me vi numa cadeira de rodas, sem uma das minhas pernas. Até então, parecia uma realidade paralela, daquelas que você acredita não ser real. Então, foi um choque. Principalmente por não ter a mínima ideia de como seria a minha vida e se eu realmente teria uma vida normal depois de tudo isso.
Passei por diversas fases, foi um longo processo até aqui. Tive que aprender a lidar com o sentimento de falta, de não me reconhecer no próprio corpo, da não aceitação, da adaptação à prótese... enfim, foi realmente um processo. E como todo processo, apesar de doloroso, nos ensina muito. E me ensinou muito. A gente vai aprendendo a se superar e a superar os desafios, a entender que sentir dor faz parte e que devemos acolher isso como algo fundamental no processo de crescimento e adaptação à nova realidade, a buscar novas possibilidades e encarar as dificuldades que vão surgindo com mais leveza.
E, claro, tudo que eu passei me transformou, me trouxe até aqui e eu sou muito grata a tudo. A vida é um presente e merece ser aproveitada. Todos somos um proposito, e eu realmente acredito que eu estou onde deveria estar e que tudo aconteceu como deveria acontecer... a lição é sermos melhores a cada dia, para nós e para o mundo.
Quando decidiu falar sobre o assunto para outras pessoas?
Desde o início tive que aprender a falar sobre, para outras pessoas. Eu era questionada todos os dias, na verdade ainda sou. A diferença é que eu não choro mais ao contar a minha história, porque já foi superada.
No início era bem complicado lidar com os olhares, perguntas, as pessoas chorando quando eu contava. Eu realmente não sabia lidar com nada disso. Na verdade, ninguém sabe lidar com coisas do tipo. A gente aprende. E eu aprendi.
Sua história de superação remete a uma mulher forte e com autoestima, como foi esse processo?
Eu sofri o acidente numa fase de transição, estava na pré-adolescência. Uma menina que ainda nem fazia ideia do que era autoestima de fato. Tive que aprender a construir e fortalecer a minha. Foi uma fase de muitos questionamentos, medos, mas também de muito amadurecimento. Hoje eu enxergo a beleza como algo que transcende o físico.
É importante sim cuidar da saúde do corpo, buscar ferramentas que fortaleçam a nossa autoestima, mas, mais do que isso, cuidar da mente, do espirito, do que doamos e nos permitimos receber do outro. Aprender a se respeitar, a respeitar seu corpo, seus medos, angustias e desejos. É um exercício de prática diária.
Já sofreu situações de preconceito ou limitações?
Não. Já passei por situações de comentários constrangedores e aparentemente inofensivos. Que no início, sim, me magoaram. Mas é aí que entra o exercício de fortalecer a autoestima. Quando a gente aprende a se respeitar e a nos amar exatamente como somos, qualquer comentário, critica ou ofensa, se torna irrelevante. Qual o poder que o outro tem sobre mim, sobre o que eu sinto? Somente o que eu permito. E é isso.
E não, não sinto e não tenho limitações. Sou completamente adaptada. No início existiram sim algumas dificuldades que são inerentes ao processo, mas a gente vai ajustando a nossa realidade e aprendendo novas maneiras de fazer o que queremos. O importante é tentar.
Qual sua área de atuação e porque resolveu atuar nela?
Eu sempre gostei da área da saúde, desde criança. Uma das minhas primeiras fantasias na época de escola, no ensino fundamental, foi um jaleco, eu sempre me imaginei trabalhando na área. E então, quando eu sofri o acidente e precisei passar pelo processo de reabilitação e adaptação a prótese, tive um contato muito grande com a fisioterapia. Apesar de ter sido uma das fases mais difíceis, porque é um momento em que nós temos que aprender a lidar com as nossas limitações e dificuldades funcionais, eu me apaixonei e todos os caminhos me trouxeram até aqui.
Eu atuo na área de reabilitação de amputados, especificamente, e trabalho na empresa em que cheguei como paciente e hoje sou fisioterapeuta.
Como os pacientes costumam ser antes o tratamento e em quem se transformam?
É engraçado, porque eu vejo muito de mim neles. E todos eles passam por boa parte de tudo que eu já passei. No início, um mundo novo se abre. Muitas dúvidas, medos e a partir do momento em que eles passam a vivenciar uma nova realidade de possibilidades, é um renascimento. É incrível fazer parte disso.
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