Rafaela Maximiano - Da Redação
A campanha brasileira de combate ao suicídio conhecida por “Setembro Amarelo” é o tema da Entrevista da Semana. Para falar sobre o assunto, o FocoCidade conversou com duas especialistas: a técnica de nível superior da área de Saúde Mental, da coordenadoria de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT), Daniela Bezerra e a psicóloga Cleiri Souza.
Ambas apontam a importância do diálogo, e da participação da sociedade para diminuir os índices de suicídios que vêm aumentando nos últimos anos em Mato Grosso e em todo o país.
“Por ano, em média, 11 mil pessoas de todas as idades tiram a própria vida. No caso dos homens, entre 15 a 29 anos, o suicídio é a terceira maior causa de morte e entre as mulheres, fica entre sétima e oitava maior causa de morte, dependendo do estado brasileiro”, afirma a profissional da Superintendência de Atenção à Saúde.
Cleiri Souza, especialista em relacionamentos e violência doméstica, pontua na entrevista que o assunto ainda é visto como “um tabu e preconceito pela sociedade”.
Mas, como o Sistema Único de Saúde aborta a questão? Quais as causas do suicídio? Como prevenir e ajudar pessoas próximas? Como as mídias sociais podem influenciar negativamente em comportamentos suicidas? E, ainda, como cada cidadão pode contribuir com as políticas públicas de combate ao suicídio? São algumas das perguntas respondidas pelas especialistas durante a entrevista.
“É possível sim prevenir a maioria dos suicídios, porque eles estão muito relacionados à nossa vida social. Os preconceitos fazem com que a pessoa não busque tratamento e é importante quebrar isso para que as pessoas que estejam em risco venham a reconhecer e ter a liberdade de buscar ajuda”, alerta Cleiri Souza.
Boa leitura!
Daniela Bezerra
Falando em números, existe uma estatística de suicídio no país? Se sim, Mato Grosso aparece nela e quais são esses números?
A Coordenadoria de Vigilância da Secretaria Estadual de Saúde trabalha nos mesmos padrões da Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde. No Brasil, a taxa de mortalidade por suicídio em 100 mil habitantes, está nas principais causas de morte na idade entre 15 e 29 anos do sexo masculino. A primeira é a violência, que é de 85,2%, a segunda acidentes de trânsito 56,7% e lesões alto provocadas que no caso são os suicídios, 12,3%.
Isso significa que das causas de mortalidade da população jovem de 15 a 29 anos, o suicídio é a terceira ou quarta causa de mortalidade. Por ano, em média, 11 mil pessoas de todas as idades tiram a própria vida. No caso dos homens é a terceira causa de morte e das mulheres fica entre sétima e oitava causa de morte, dependendo do estado brasileiro.
Em Mato Grosso, o número de óbitos por suicídio em 2015 era 148, já em 2020 aumentou para 284. Esse número foi aumentando lentamente, exponencialmente; com o início da pandemia houve uma queda brusca, ainda não sabemos bem analisar esse fenômeno – de março a agosto houve uma queda muito grande, mas depois ele voltou a subir. Então o ano passado houve maior número de mortos por suicídio do que em 2019.
Como o Sistema Único de Saúde trabalha esse tema, como o cidadão pode buscar apoio?
O SUS é um sistema de saúde descentralizado e regionalizado. Isso significa que a Secretaria Estadual de Saúde trabalha com as políticas públicas, com direcionamento e monitoramento dessas políticas públicas e apoia as 16 regiões de saúde do Estado. Que por sua vez orientam cada qual os seus municípios que são ao todo 141, cada regional de saúde tem uma abrangência, uma quantidade de municípios de acordos com o número de habitantes.
Já a execução da assistência à população é realizada na maior parte, pelos municípios. Não é pela gestão estadual que essa assistência à população é realizada. Na temática dos suicídios nós temos que sempre levar em consideração que ela é uma temática multifatorial. Então jamais nós podemos considerar que o suicídio tem como causa somente a questão da saúde porque isso levaria a uma resposta simplista.
Os setores da SES-MT, envolvidos com o “Setembro Amarelo” são em primeiro lugar a Coordenadoria de Humanização e Promoção da Saúde, logo vem a área técnica de Saúde Mental da Coordenadoria de Ações Programáticas Estratégias onde eu trabalho, ambas da Superintendência de Atenção à Saúde e juntamos esforços com a Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica da SES-MT que faz parte de outra superintendência.
O nosso papel é ampliar a discussão apresentando e analisando dados que fornecem um diagnóstico populacional para a implementação de políticas públicas mais efetivas e que causem impacto na melhoria da qualidade de vida da população.
Quais os trabalhos e serviços desenvolvidos pela SES-MT quanto a campanhas, prevenção e tratamento nessa área?
A Saúde Mental não é uma área que se possa ser reduzida a causa e efeitos únicos como mencionei antes, portanto as campanhas – com muitas aspas – elas não são iguais às campanhas do “Agosto Dourado”, do “Outubro Rosa”, do “Novembro Azul”. Existem fatores de riscos ao suicídio que não estão diretamente ligados aos equipamentos de saúde mental dos municípios, para cada fator de risco também há como intervir com um fator de proteção. Por exemplo, primeiro fator de risco é a violência interpessoal, violência sexual, violência de gênero, a transfobia, a homofobia, o trabalho escravo contemporâneo, o trabalho infantil, o trafego de pessoas, violência institucional que são as torturas, as violências por raças, enfim essa violência ela está relacionada com as tentativas de suicídio. Já está comprovado que pessoas que sofrem violência de algumas dessas ordens que eu citei, elas têm uma propensão maior a tentar suicídio.
Outro fator de risco, o uso indiscriminado de agrotóxico nas monoculturas. Já existem pesquisas que demonstram que ao redor das áreas de monocultura e uso muito alto, exposição muito alta ao agrotóxico, existem maior índices de tentativa e de suicídio consumado. O que nós estamos apontando não é simplesmente o fato que o sofrimento psíquico desse morador faça com o morador vá ingerir o veneno do agrotóxico, não é só isso: o agrotóxico causa algum tipo de alteração no sistema nervoso central e isso está sendo pesquisado pela UFMT, e por outras universidades pelo Brasil, mas está sendo muito difícil de concretizar essa pesquisa por interesses mercadológicos mesmo.
Outro fator de risco, as mídias e as redes sociais. E aí eu quero convidar os jornalistas, a conseguirem junto à Secom, e também no site da SES-MT o instrutivo aos jornalistas. Existem pesquisas que mostram, por exemplo, de 1980 a 2009 no Brasil, a mídia foi a terceira causa de morte por suicídio por conta do fenômeno chamado síndrome de Werther, que é o efeito do contágio de informações sensacionalistas com um meio de informação que não é adequada. Já tem um tempo que a Coordenadoria de Promoção e Humanização da Saúde está fazendo um trabalho junto com a Secom para conscientização dos veículos de comunicação na responsabilidade em relação às formas de como as notícias são transmitidas à população. Agora, com as redes sociais, isso perdeu um pouco o controle, mas existe a necessidade de conscientização das pessoas em relação à esta temática.
Esse ano novamente, por exemplo, nós vimos empresas comerciais com marketing incitando violência, mães que colocam crianças para fazer campanha do “Setembro Amarelo”. Nada disso é eficaz, pelo contrário, pessoas que estão em dúvida podem se sentir incentivadas a tentar suicídio com uma veiculação de modo errado e inadequado. O manual para profissionais da mídia – prevenção do suicídio pode ser acessado pelo endereço: www.saude.mt.gov.br/informe/612
A outra questão com relação à informação tem a ver com as notificações. Então a gente também aproveita para fazer um apelo aos profissionais da saúde, da educação, da segurança pública, da assistência social, de que notifique a violência. O formulário de notificação ele fica no site Sinan (portalsinan.saude.gov.br) e ele pode ser preenchido por qualquer profissional que esteja atendendo uma pessoa vítima de violência. Porque que é importante a notificação, com as notificações é que a gente tem a visibilidade dos dados da população. Desde 2011 que existe uma lei, dizendo que é obrigatória a notificação de violência, somente a partir da notificação dessa violência é que os gestores podem criar políticas de intervenção para que possamos prevenir e controlar a coletividade nesse sentido e promover políticas públicas mais assertivas à população.
E por último, a questão de transtornos mentais. Se os transtornos mentais são fatores de risco para o suicídio – o suicídio é apenas a ponta de todo um decorrer de questões e contingências que vão acontecendo ao longo da vida de uma pessoa e por consequência e causa da sua família, do seu bairro, das suas relações. Então o suicídio não é um fenômeno isolado nem individual ele é um fenômeno coletivo, e isso tem que ser tratado de forma coletiva. E aí o boletim epidemiológico que o Ministério da Saúde, assim como boletim epidemiológico da Vigilância Epidemiológica do Estado mostram que os municípios de que tem Caps eles têm 14% menor o índice de suicídio. Esse é um fator de proteção. O que significa o municio ter Caps: não significa simplesmente que o município tem um serviço especializado, significa que esse município implementou uma lógica de cuidados em rede que inclui vários pontos e atenção que não é simplesmente um serviço especializado e esse cuidado inicia-se na unidade básica de saúde, inclui também SAMU, hospitais gerais, unidades psiquiátricas do Estado que são o Ciaps Adauto Botelho.
Nesse contexto nós estamos trabalhando no momento para fortalecer a rede de atenção psicossocial e envolver principalmente a população a participar das Conferências Municipais de Saúde Mental. Essas conferências vão ocorrer entre os meses de novembro e janeiro, procure o Conselho Municipal do seu município, está aberto à toda a população, é um meio de controle social onde cada um vai dizer como acha que tem que ocorrer a saúde mental no seu bairro e no seu município. A partir das conferências municipais serão eleitos delegados que irão participar das conferencias estaduais que ocorrerão de 03 a 05 de fevereiro de 2022. A Conferência Estadual será hibrida, ainda estamos organizando ela, estou também na comissão de organização e ao final da Conferencia geramos um relatório e elegemos delegados que irão para a conferência nacional que ocorrerá em Brasília de 17 a 20 maio de 2022. É um momento importantíssimo de envolvimento da população em busca de seus direitos. Por uma política efetiva de saúde mental que atinja toda a população para uma melhoria de cuidados continuados. Não basta eu pedir uma clínica especializada para internação eu tenho que ter uma continuidade de tratamento depois da internação e principalmente a evitação da internação como manda a lei 10.216. Nós temos que ter promoção de saúde mental.
E ainda em relação ao que a SES-MT tem promovido em relação à prevenção do suicídio, nós temos feito um encontro anual e convidamos a todos os interessados nessa temática a assistir as duas últimas mesas de discussão que aconteceu dias 14 e 15 de setembro, no canal do youtube da Escola de Saúde Pública da SES-MT, o 4ª Encontro de Promoção à Vida do Setembro Amarelo.
Cleiri Souza
O tema do suicídio é pouco abordado. Isso torna um pouco mais difícil de falar sobre ele. Que tipo de abordagens você considera mais adequadas para termos com amigos, colegas de trabalho e familiares?
Sim é pouco abordado e torna mais difícil de falar sobre ele porque existe um tabu, preconceitos a respeito do sofrimento psíquico. O sofrimento psíquico para a sociedade, para algumas pessoas leigas soa como se fossem loucos e não é a loucura, é um sofrimento no nível das emoções que traz um distúrbio onde a pessoa começa a não ter uma visão clara sobre as suas questões, sobre a vida, sobre o processo de sofrimento propriamente dito que ela está passando e que ela pode sair dessa angustia e desse sofrimento. É preciso quebrar esse paradigma, quebrar esse tabu sobre as questões psiquiátricas, psicológicas, os sofrimentos psíquicos, tem que haver uma separação e um entendimento melhor. Por exemplo nós psicólogos, trabalhamos para diminuir os sofrimentos psíquicos, para entender e alinhar emoções de pessoas que por algum motivo estão passando por momentos de dor e angustia e em risco até de morte. Os preconceitos fazem com que a pessoa não busque tratamento e é importante quebrar isso para que as pessoas que estejam em risco venham a reconhecer e ter a liberdade de buscar ajuda.
A abordagem mais adequada é ouvir. Se alguém vir procurar para contar desse sofrimento, dessa angustia, mesmo que seja um problema banal para mim, para você ou para todos nós que estamos ouvindo em estado emocional regular, para ele não é. Então ouça o que essa pessoa tem para dizer sem julgar sobre a magnitude do problema, prepare-se para ouvir com sabedoria essa pessoa. Dê a ela um tempo de qualidade, encontre um lugar tranquilo que não interrupção e só você para escutar, porque afinal de contas essa pessoa vai contar sobre as intimidades dela e já deve ter sido difícil chegar a esse ponto. O objetivo é acolher essa pessoa, confortar essa pessoa, não só com fala e sim ouvir primeiro o que ela tem a dizer. Dar atenção total e tempo de fala também são fatores importantes. Lembre-se não é sobre você ou o que você pensa é sobre o sofrimento do outro. E, se essa pessoa vai expor suas angustias, não julgue, essa é a melhor abordagem.
Se houver necessidade de interação prefira lançar perguntas abertas onde ela possa continuar falando, onde ela possa verbalizar o sofrimento. A fala traduz o sofrimento e externaliza a angustia que o indivíduo está sentindo. E, quando formos aconselhar procure não usar frases prontas como: “isso acontece com todo mundo”, “você precisa sair desse lugar”.
Existem sinais que uma pessoa costuma apresentar que podem indicar a presença de ideias suicidas?
O comportamento é o mais visível, vai indicar o quanto essa pessoa está em sofrimento. Por exemplo quando uma pessoa demonstra desinteresse por coisas que a pessoa gostava anteriormente. Isso é um sinal. Comportamento retraído com dificuldade de relacionar com amigos e familiares, tristeza, remoer pensamentos de forma obsessiva e sem conseguir parar de comentar sobre esse assunto. Se a pessoa trouxer desesperança, solidão e falta de significado na vida, se apresentar irritabilidade constante, com pessimismo, apatia, alterações de extremo humor como excesso de raiva, vontade de vingança ou ter casos de transtornos mentais, de comportamento, de personalidade, esquizofrenia, transtorno de humor. São situações que precisamos ficar atentos e pode-se abordar dizendo: “Se precisar podemos conversar, estou aqui para ouvir”.
É possível prevenir o suicídio?
É possível sim prevenir a maioria dos suicídios, porque eles estão muito relacionados à nossa vida social, com a maneira com que cada um de nós se relaciona com a vida, como cada um se relaciona com sigo mesmo, com o seu trabalho, com a sua família. Então, à medida que você tem um relacionamento bem resolvido é muito mais difícil você cometer ou vir a cometer o suicídio.
Uma coisa importante, o ato em si do suicídio não é algo pensado hoje e realizado amanhã, ele vem de acúmulos de pensamentos em relação a esse propósito. Algo o afetou, algo o magoou, algo o feriu, tirou ele do prumo da sua vida, e isso não foi resolvido e esse pensamento vai criando morada na mente da pessoa até que uma hora ela cria a coragem e comete o suicídio.
Por isso ele pode ser prevenido, ao longo de um tempo essa pessoa certamente vem deixando pistas e aí nós precisamos estar muito alertas para colher essas pessoas e ajudar.
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