Nailton Reis
A dependência química não afeta apenas o comportamento — ela consome energia. O corpo e a mente entram em colapso porque os neurotransmissores, substâncias que controlam nosso humor e nossa disposição, deixam de trabalhar em harmonia.
O dependente acorda, mas não desperta; pensa, mas não age; existe, mas não vive.
Essa perda de energia não é apenas cansaço — é o reflexo de um corpo que parou de produzir prazer natural.
Hoje, o tema é a energia do corpo e o poder dos neurotransmissores na recuperação: como o uso de drogas drena nossa vitalidade e como o movimento pode restaurar a química da vida.
O corpo em colapso: quando a energia desaparece
O cérebro funciona como uma rede elétrica alimentada por química.
Entre os principais mensageiros desse sistema estão a dopamina, a serotonina e a noradrenalina — três substâncias essenciais para o prazer, o equilíbrio e a energia.
Durante o uso da droga, esses neurotransmissores são liberados em níveis muito altos.
O corpo sente uma explosão artificial de prazer e coragem.
Mas, à medida que o uso se repete, o cérebro passa a reduzir sua produção natural.
A dopamina despenca, a serotonina se desorganiza, e a noradrenalina — responsável pela energia vital — cai drasticamente.
O sujeito entra em um estado que os usuários chamam de "bad": uma sensação profunda de vazio, lentidão, esgotamento físico e desânimo.
Ele não usa mais para sentir prazer — usa para evitar o sofrimento da falta de energia.
O corpo, que antes reagia com vigor, agora implora pela substância como um combustível químico.
É um cansaço que não se cura com sono, nem com descanso. É um apagão bioquímico.
Sem dopamina, o sujeito perde a motivação.
Sem serotonina, perde o equilíbrio emocional.
Sem noradrenalina, perde a energia para agir.
O corpo, antes estimulado artificialmente, agora não encontra força dentro de si.
É por isso que a fase de abstinência é marcada por tanta apatia e tristeza — o organismo precisa reaprender a produzir suas próprias substâncias.
O corpo que reaprende: energia em reconstrução
A boa notícia é que o cérebro tem memória e pode se regenerar.
A neuroplasticidade permite que os circuitos dopaminérgicos e noradrenérgicos voltem a funcionar, desde que sejam estimulados de forma natural.
E uma das formas mais eficazes de ativar essa recuperação é o movimento.
A prática esportiva faz o corpo liberar dopamina, serotonina, noradrenalina e endorfina — os mesmos neurotransmissores afetados pela droga.
Mas, dessa vez, eles aparecem em equilíbrio, de maneira constante e saudável.
Durante a corrida, o treino, a natação ou a caminhada, o corpo produz pequenas doses dessas substâncias, e o cérebro aprende de novo a sentir prazer sem precisar da substância química.
A dopamina volta a ser associada à conquista e à superação.
A serotonina estabiliza o humor, reduz a ansiedade e melhora o sono.
A noradrenalina reacende a disposição, a energia e o foco.
Aos poucos, o corpo volta a reagir à vida com prazer.
O sujeito, antes esgotado, começa a sentir o coração bater mais forte — e percebe que está vivo.
O meio que reforça ou esgota a energia
O meio em que o sujeito está inserido é tão importante quanto a química interna.
O grupo de uso reforça a desordem.
Ele cria um ciclo de validação e fuga: o prazer vem da transgressão, não da vida.
A dopamina responde ao risco, e o corpo passa a confundir euforia com felicidade.
Mas, quando o meio muda — quando o sujeito entra em um grupo que pratica esporte, que se apoia, que vibra junto —, o cérebro passa a associar prazer a pertencimento e conquista.
O treino em grupo libera dopamina por vínculo, serotonina por cooperação e noradrenalina por esforço.
O meio saudável ensina o corpo a reabastecer sua energia pela convivência, e não pela fuga.
O prazer agora nasce do esforço e do vínculo — não da ausência de dor.
O corpo que antes colapsava na abstinência encontra energia no movimento.
A química que um dia o aprisionou, agora o liberta.
O corpo como recomeço
A recuperação da energia não é apenas física, é simbólica.
Quando o corpo volta a reagir, o sujeito descobre que pode sentir prazer sem se anestesiar.
A dopamina premia o esforço, a serotonina traz serenidade e a noradrenalina devolve o impulso vital.
O prazer deixa de ser químico e volta a ser humano.
O corpo que um dia colapsou pela falta de energia é o mesmo que pode renascer pela energia do movimento.
A abstinência é o silêncio antes da música. E o exercício é o primeiro compasso da vida que recomeça.
Nailton Reis é Neuropsicólogo Clínico com especialização em Neuropsicologia Cognitiva Comportamental, Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito em Cuiabá-MT
CRP 18/7767


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