• Cuiabá, 10 de Julho - 2025 00:00:00

O Poder de decisão, enxugamento de gastos e CPI da Pandemia sob análise do presidente da Amam


Foto: Assessoria  - Foto: Foto: Assessoria Tiago Souza Nogueira de Abreu - presidente da AMAM-MT
Rafaela Maximiano - Da Redação

A deficitária infraestrutura da saúde brasileira, as desigualdades regionais e sociais e mesmo a vulnerabilidade de grande parcela da população maximizam as chances de acionamento do Judiciário para dirimir conflitos que surjam em decorrência da pandemia.  

E, esses conflitos possuem ao menos um ponto em comum: o atendimento de demandas individualizadas, o que acaba por comprometer o Estado em detrimento do coletivo. 

Sobre o aumento da judicialização da saúde individual e coletiva, o FocoCidade conversou com o presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (AMAM-MT), juiz Tiago Souza Nogueira de Abreu

Na Entrevista da Semana, o magistrado revela que o aumento da judicialização da saúde é natural por ser uma situação nova e não esperada, porém “se houvesse um diálogo maior entre os entes federados: os Governo Federal, Estaduais e Municipais, não se precisaria judicializar essa quantidade enorme de ações que vemos”. 

O presidente da AMAM-MT também responde sobre: Reforma Administrativa dos Poderes, orçamento público x gastos com a pandemia, o direito coletivo e o individual frente à pandemia, o Supremo Tribunal Federal e opinião pública além do suposto "ativismo político" do Judiciário. 

Tiago Abreu também lembra que a AMAM-MT possui compromisso social com os mato-grossenses, principalmente as pessoas que têm sido mais afetadas pela pandemia da covid, e a associação vem desenvolvendo diversas ações, assim como todo o Judiciário que também vem economizando para os cofres públicos. 

"Só para se ter uma ideia do volume da ajuda dada pelo Judiciário, o crédito hoje atualizado dos recursos que não foram repassados ao Poder Judiciário pelo Executivo atualmente alcança a cifra de mais de R$ 300 milhões de reais".

Boa leitura!  

Com a situação da pandemia no país e no mundo, vivemos uma judicialização da saúde e da ação dos Poderes Constituídos. Em Cuiabá por exemplo, o ministro Gilmar Mendes reafirmou o respeito da autonomia dos municípios nas decisões de saúde pública. Como o senhor analisa essa situação? Falta diálogo institucional entre os Poderes ou a situação realmente deveria acabar na justiça? 

Nós vivemos no Brasil, um Estado Democrático de Direito. Temos um pacto federativo aonde cada Ente Federado tem a sua própria autonomia. A Constituição garante na política pública de saúde autonomia para os municípios, para os estados e para a União. A conclusão que chegamos é que o pacto Federativo brasileiro está sendo respeitado. As ações judiciais são naturais no Estado Democrático de Direito. Como a pandemia é algo excepcional é óbvio que infelizmente, querendo ou não, você acaba tendo que judicializar muitas ações.  

Muitas vezes é imputado ao judiciário um “ativismo político” que não corresponde com a verdade dos fatos, isto porque o judiciário não tem o interesse de ser nem o protagonista na definição das políticas públicas dos demais Poderes. Mas ele acaba tendo que decidir e “fazendo as vezes” porque é provocado e dentro desse modelo nosso, nós somos obrigados a decidir.  

Eu acredito que – o que está acontecendo - está dentro da normalidade da democracia e do próprio Estado Democrático de Direito que vivemos, agora é obvio que se houvesse um diálogo maior entre os Entes Federados, leia-se: Governo Federal, governos Estaduais e Municipais, não haveria necessidade de judicializar essa quantidade enorme de ações.  

E, nesses casos da pandemia o judiciário tem apenas feito valer aquilo que está escrito na Constituição e nas leis. 

Em que pese o orçamento público ser limitado e a arrecadação em razão da pandemia ter reduzido, ao mesmo tempo em que gastos estatais com o tratamento e prevenção da Covid-19 em todo o país só aumenta. Como compatibilizar o orçamento público com a atual pandemia do Coronavírus e a obrigação constitucional do Poder Público com a saúde em geral? 

Existem os percentuais mínimos e obrigatórios que a União, Estados e Municípios têm que aplicar na Saúde. Isso está estabelecido na Constituição. Agora, num estado de pandemia que estamos vivendo é óbvio que todos os recursos, ainda que sejam alocados para a saúde, tendem a faltar, pois estamos em uma situação extrema. E, é por esse motivo que estamos vendo à nível Federal o Governo tratando o orçamento e fazendo PEC para poder regulamentar esses gastos excessivos que foram assumidos e destinados aos estados e municípios, para que esses entes pudessem suportar os gastos com a pandemia. Então está sendo feito esse arranjo orçamentário. Mas é um arranjo, por isso que está sendo tratado dessa forma como PEC emergencial lá em Brasília, no Senado e na Câmara Federal, para atender esse gasto excepcional.  

Outras doenças, também importantes, merecem atenção do estado, que tem o dever constitucional de tutelar a saúde da população como um todo. Sob esse prisma, como deve agir o Poder Judiciário, ao ser demandado, sem interferir na autonomia dos entes estatais? 

O papel do Poder Judiciário é fazer valer aquilo que está determinado e descrito na Constituição e nas Leis. O nosso papel é esse. E, no meu entender esse papel tem sido feito. Você pode reparar que as decisões tomadas pelos ministros do STF, pelos desembargadores e as proferidas pelos magistrados nas comarcas de primeiro grau estão garantindo o cumprimento dos decretos que foram estabelecidos pelo presidente da República, pelo Governo do Estado ou pelos prefeitos. O judiciário não está criando nenhuma norma, só está determinando que se aplique a lei.  

O judiciário pode atuar eventualmente onde não exista uma lei, ou dentro de um “buraco legislativo” por assim dizer?; sim pode. Existe um instrumento jurídico que permite que o judiciário atue nessas situações que são extremamente excepcionais. E, nesses casos da pandemia o judiciário tem apenas feito valer aquilo que está escrito na Constituição e nas leis. 

Pode parecer para a sociedade que é um ativismo político, mas o judiciário está tão somente cumprindo a sua missão. 

Sob à luz da Constituição, alguns analistas políticos criticam que o Supremo Tribunal Federal tem extrapolado sua atuação intervindo diretamente nas decisões do Poder Executivo Nacional. Como o senhor avalia?   

É complicado essa situação porque na verdade o judiciário não pode se furtar a decidir. Quando ele é provocado ele é obrigado a decidir. A opinião pública as vezes faz juízo de valor sem ter o conhecimento de como funciona o nosso sistema federativo e a nossa própria constituição Federal. Vou dar um exemplo recente que deixa claro a função do judiciário. No Senado agora estamos tendo essa discussão da famosa CPI da Pandemia. O Senado tem um regimento interno, esse regimento interno é lei e deve ser respeitado pela Casa e pelos senadores. Houve mais de 30 assinaturas de parlamentares para a abertura da CPI como prevê o regimento interno. O regimento do Senado determina que em tendo mais de 30 assinaturas, o presidente do Senado tem que fazer a leitura do relatório e abrir a CPI. Isso não vinha ocorrendo, já estava há três ou quatro meses tramitando e não ocorria. Aí, um partido político, dentro da legitimidade que lhe cabe, entrou com um processo no STF pedindo para que o Supremo determinasse que o presidente do Senado cumprisse a lei. O ministro Barroso fez valer a própria legislação do Senado. Ele não interferiu no Senado. Fez com que o Senado observasse aquilo que ele mesmo estabeleceu como regra. Aí se politiza esse fato e o judiciário fica com a “pecha” de estar invadindo uma seara que não é dele. O papel do judiciário é moderar, fazer com que o Legislativo cumpra a sua função e o Executivo a dele. Pode parecer para a sociedade que é um ativismo político, mas o judiciário está tão somente cumprindo a sua missão. 

Eu penso que numa situação onde se confronta liberdade individual e vida humana, nós temos que optar pela vida.

Neste momento de pandemia deve prevalecer o direito coletivo ou o direito individual? 

É uma pergunta difícil porque quando a gente coloca a vida e a liberdade em jogo a pergunta que eu faço é: de que adiantaria a gente ter a nossa liberdade garantida se a gente não tem a vida? Ela perde o sentido. Eu penso que numa situação onde se confronta liberdade individual e vida humana, nós temos que optar pela vida, porque não existe no nosso país e em lugar nenhum do mundo, um direito absoluto. Então, todo o direito pode ser mitigado em detrimento de um outro que prestigie a coletividade. Nesse norte, vejo que as decisões que tem sido proferidas vêm ao encontro da vida e em determinadas situações podem até restringir a liberdade, mas é para um objetivo maior. 

Como fica o Poder Judiciário perante a judicialização de leitos hospitalares de UTI, em um período em que se abriram novos leitos, mas ainda é insuficiente? 

O que o judiciário tem feito, dentre aquelas pessoas que tem buscado por ele, é garantido o direito à saúde e a vida. Tem sido inclusive parceiro em Mato Grosso, onde recursos têm sido destinados, por exemplo de delações, transações criminais, de acordos em ações civis públicas, para a compra de respiradores, de equipamentos de UTI, etc. Ao mesmo tempo que ele decide determinando que o Estado promova as políticas públicas para a garantia da saúde do cidadão, o judiciário também tem sido parceiro do Estado em destinar recursos para ele fazer valer e atender a demanda da saúde da população mato-grossense. 

Aí se politiza esse fato e o judiciário fica com a “pecha” de estar invadindo uma seara que não é dele.

Em linhas gerais, qual sua avaliação ao não comprimento por parcela da população, das medidas restritivas (decretos) que buscam diminuir a propagação do vírus e evitar um colapso na saúde? 

Nós hoje não temos um estudo científico que comprove qual é a mais eficaz medida para a contenção da propagação do vírus. Mas temos exemplos de outros países que aplicaram algumas ações que diminuíram muito a circulação do vírus, e dentre essas práticas podemos destacar a higienização com álcool em gel, lavar constantemente as mãos, e o uso das máscaras. Esse conjunto de ações, segundo os médicos do mundo todo, tem proporcionado efeitos concretos para conter o vírus. Então eu acredito que nós temos que prestigiar a ciência e ter consciência, ter educação, pensar também nos outros. As festas e aglomerações precisam ser evitadas e com certeza se houver essa disciplina de cada um de nós, conseguiremos vencer. 

O Judiciário possui metas a cumprir e o TJ de MT é referência para o Brasil em processos conclusos, o acúmulo de processos judiciais neste período somado ao teletrabalho e à nova gama de processos da pandemia, tem prejudicado as metas. Como a Justiça tem lidado com isso? 

Por incrível que pareça, como o judiciário já vinha em um processo de transformação para o processo eletrônico, estamos conseguindo trabalhar na pandemia com muita eficiência, porque com o PJe (Processo Judicial Eletrônico), o magistrado e o servidor, têm a possibilidade de trabalhar da residência em home office e produzir excelentes resultados. Temos os números do Tribunal de Justiça de Mato Grosso que comprovam essa afirmação. Portanto, posso lhe afiançar que a pandemia não comprometeu a produtividade do judiciário. O que aumentou mesmo foi a demanda em função da judicialização da pandemia, mas os magistrados e servidores têm conseguido fazer com que os processos sejam decididos. O que ocorre no Brasil, é que temos uma cultura propensa ao litígio. 

A opinião pública as vezes faz juízo de valor sem ter o conhecimento de como funciona o nosso sistema federativo e a nossa própria constituição Federal.

Muitas ações de combate à pandemia no Estado contam com apoio das demais instituições, como ocorre com a ALMT que devolveu recursos ao Estado no final de ano, e as pessoas cobram a reforma administrativa que tramita no Congresso Federal. Do seu ponto de vista a máquina pública, como um todo, deve ser revista quanto à redução de despesas? 

No início da gestão do ex-governador Pedro Taques, houve um pacto federativo entre os entes federativos aqui no estado de Mato Grosso: Poder Judiciário, Legislativo e o próprio Executivo. Só para se ter uma ideia do volume da ajuda por nós dada ao Estado naquela ocasião, o crédito hoje atualizado dos recursos que não foram repassados ao Poder Judiciário pelo Executivo atualmente alcança a cifra de mais de R$ 300 milhões. Portanto, temos contribuído e dado a nossa parcela de contribuição. De outro lado, penso que essa reforma administrativa é importante e que toda a economia é bem-vinda. Nós temos feito muita economia, de água, luz, telefone, fizemos um enxugamento muito grande, tudo isso para fazer economia. E creio que todos os Poderes e instituições, principalmente nesse momento, deve sim cortar todos os gastos que puderem. 

Considerações finais... 

Gostaria de registrar o papel social da Associação dos Magistrados de Mato Grosso, AMAM, que entre as iniciativas desencadeadas nesse período de pandemia, se destacam a distribuição de mais de cinco mil máscaras e álcool em gel, e agora, na semana passada, fizemos a distribuição de 700 cestas básicas em três bairros dentre os mais carentes aqui da Baixada Cuiabana. Com essas ações, procuramos amenizar as mazelas sociais causadas pela pandemia e ao mesmo tempo demonstrar à sociedade que o Poder Judiciário não está somente dentro dos gabinetes, temos também responsabilidade social. Destaco também o projeto “Ribeirinho Cidadão” realizado pelo Tribunal de Justiça e pela Justiça Comunitária que tem feito um trabalho incrível em todas as regiões do estado, mormente as mais carentes, distribuindo cestas básicas, roupas, e fazendo registro de certidões de nascimento, casamentos, etc. Enfim, o Poder Judiciário tem se comprometido muito com a sociedade mato-grossense. Por último, as ações do GMF que é o grupo do Poder Judiciário que cuida dos presídios e tem feito um trabalho também exemplar, melhorando as cadeias e presídios, a fim de permitir que os reeducandos que hoje estão encarcerados no Estado possam ter um pouco mais de dignidade no cumprimento da pena.  




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