
Votar pela internet via aplicativo, por celular, tablet ou computador, assim como utilizamos sistemas bancários online seria de uma comodidade grande para a população. Alguns defensores da modalidade afirmam que seria mais barato aos cofres públicos e até diminuiria a abstenção.
Porém, o método não deve ser implantado no Brasil pela Justiça Eleitoral, ao menos, a curto prazo. Isso porque seria impossível garantir o sigilo do voto previsto na Constituição brasileira em seu artigo 14: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto...”.
A informação é do secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT), Luís Cézar Darienzo Alves, que é o entrevistado desta semana no FocoCidade. Além do requisito de segurança e sigilo do voto, o doutor e mestre na área de Sistemas Distribuídos, aponta que a votação online no Brasil também apresentaria problemas para a correta contagem ou auditoria dos votos.
“Se o sistema permite o registro e transmissão desses votos a partir de pontos onde a verificação da identidade do eleitor não pode ser feita offline por autoridade competente, a identificação do eleitor teria necessariamente que ser feita online, o que derrubaria o sigilo do seu voto para uma contagem verificável. Para ocorrer o voto online, o eleitor teria que votar a partir de um equipamento blindado pela Justiça Eleitoral, inviabilizando o uso de celulares e equipamentos pessoais”.
A Entrevista da Semana também aborda o projeto “Eleições do Futuro”, os ataques cibernéticos que a Justiça Eleitoral sofreu nas eleições municipais de 2020, novas tecnologias para identificação do eleitor, a segurança do atual sistema de votação no Brasil com as urnas eletrônicas, e, novidades para as próximas eleições que preveem o acoplamento de impressoras da Justiça Eleitoral nas urnas caso o Congresso vote a possibilidade da eleição com cédulas em papel.
Membro do grupo de trabalho JE-Connect, estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Cézar Darienzo Alves também é um dos responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção da Autoridade Certificadora e pelas infraestruturas de VPN e segurança voltadas para a transmissão do resultado das Eleições Oficiais no país.
“No projeto ‘Eleições do Futuro’, a ideia é que a Justiça Eleitoral possa conhecer o que as empresas têm a oferecer em conhecimento e tecnologia. Não está em discussão a possibilidade de abrir mão do controle do sistema de votação, como seria no voto online. Acredito que a Justiça Eleitoral não considerará qualquer proposta que torne inseguro o processo de votação ou ameace o sigilo do voto. Mudar o sistema de votação atual seria uma disruptura com um modelo maduro e seguro de votar que soma experiência, aprendizado e evolução... jogaríamos 20 anos de trabalho fora”.
Boa leitura!
A Justiça Eleitoral já avalia o voto online ou por celular para as eleições de 2022? Sabe informar como está o projeto “Eleições do Futuro”?
Nós começamos na gestão do Ministro Barroso, o projeto para análise dos modelos de eleição, para uma evolução do modelo atual que temos. Isso é uma constante na Justiça Eleitoral. E algumas empresas foram convidadas a participar do processo de chamamento público. Algumas empresas apresentaram as soluções no dia da eleição passada. É claro que essa analise ficou bastante afetada pela pandemia, pois o projeto iniciou bem antes de iniciar a pandemia e essa situação acabou deixando os testes mais distantes da população devido aos protocolos de biossegurança com relação à Covid-19. Inclusive as divulgações desse teste foram menores.
O projeto continua internamente sendo desenvolvido pela Justiça Eleitoral. Para 2022 o modelo de votação previsto é o mesmo usado nas eleições municipais de 2020 e que estamos usando há uma década pelo menos – pois as urnas eletrônicas possuem um seguro de vida de 10 anos. Então quando formos realizar as eleições de 2022, nós teremos urnas eletrônicas fabricadas ainda em 2012. Como são milhares de urnas no país a troca de todo o parque é muito complexa. Então normalmente esses projetos costumam ser de longo prazo.
Já sabe como seria essa metodologia? E quais os pontos positivos e negativos (os principais)?
É um estudo de evolução. São propostas que a comunidade traz para a Justiça Eleitoral e é claro que depende também do Congresso Federal, o modelo de votação ser aprovado por eles, as leis que definem essa modalidade e precisam ser votadas no Congresso.
A Justiça Eleitoral é um órgão técnico que apoia esse processo tanto de legalidade quanto de modernização, e, esse é um estudo buscando uma a modernização da tecnologia baseado na própria mudança de tecnologia que ocorre no mundo, mas não há um direcionamento do Congresso ou da própria Justiça Eleitoral de ser finalizado em curto prazo. E, como ainda está em fase de estudo não é possível apontar pontos positivos ou negativos.
E, no caso do voto online, esse método de votação não permitiria a identificação do voto e do votante, acabando com o sigilo do voto?
Internamente no TRE de Mato Grosso e em outros regionais nós fazemos votação online para alguns cargos, comissões. São votações menores e bem controladas internas. Mas quando falamos em votação on-line a nível nacional nós temos alguns problemas. Um deles é o chamado popularmente voto de cabresto.
Se você permite que o eleitor vote em qualquer lugar nada impede que esse eleitor seja coagido a votar em um candidato específico. Então de qualquer forma para evitar esse voto de cabresto e garantir o sigilo do voto, que está previsto na nossa Constituição é necessário que o eleitor se desloque a um local controlado.
Hoje, para aplicar a Constituição como ela está escrita, usando o voto on-line o eleitor teria que ir a uma escola de qualquer forma. Um dos princípios que estudamos e discutimos bastante aqui é retirar-se a sala em que se vota, que chamamos de sessão eleitoral. Então a retirada da sessão eleitoral é um item mais simples de resolver, para você poder votar em qualquer sala da escola onde se vota. Mas fazer com que o eleitor de casa, hoje pela Constituição acaba inviabilizado porque a Justiça Eleitoral não consegue garantir o sigilo do voto. Então ainda é necessário que o eleitor esteja em uma cabine de votação isolado para que ele consiga exercer seu direito ao voto com sigilo.
E, em outros quesitos de segurança, já se possui uma tecnologia suficientemente robusta para evitar a contaminação por ataques de hackers ou de grupos que têm interesse em prejudicar o processo democrático de votação?
Hoje que garanta 100% não. Nós temos as tecnologias que são as mesmas utilizadas por bancos on-line por exemplo, com acesso através de aplicativos, mas nesse tipo de votação on-line nós conseguimos garantir a transação do sistema operacional em celular por exemplo com IOS ou Windows, mas não tem como garantir que dentro do celular do usuário, no caso do eleitor, não tenha algum software malicioso capturando o que está passando pela rede e se comunicando pelo 3G ou 4G. E, se nós não tivermos acesso ao sistema operacional do celular, e esse sistema não for da Justiça Eleitoral por exemplo, não tem como garantir que não há a captura de pacotes de dados ali no meio. Apesar de encriptografar e passar encriptografado como acontece com os sistemas bancários não tem como garantir que não haja captura nenhuma desse voto. Por isso que o eleitor, mesmo no voto on-line, teria que ir votar em um equipamento blindado pela Justiça Eleitoral.
Uma das questões muito discutidas e recebo muitas perguntas é porque a Justiça Eleitoral utiliza equipamentos fabricados por ela mesma, as urnas. E um dos quesitos é esse de blindar o equipamento. Quando você coloca nas mãos de um terceiro não conseguimos garantir a segurança e toda integridade do sistema que irá rodar nele.
Nós temos uma plataforma de transmissão de votos que hoje utiliza a máquina de escolas para fazer a transmissão da votação. Mas como fazemos, é um software desenvolvido pela Justiça Eleitoral, eu faço parte desse grupo que monta essa solução. É colocado um pendrive na máquina da escola para rodar um novo sistema operacional, ou seja, não utilizarmos o sistema Windows ou Linux instalado nessa máquina da escola, utilizamos somente o hardware, somente o equipamento. Ai no caso da votação pelo celular teria que se achar uma solução parecida com esta.
Nas eleições de 2020 a Justiça eleitoral sofreu ataques cibernéticos, os responsáveis foram identificados, punidos, pois as sansões acabam inibindo novas tentativas...
Nós tivemos uma publicação de uma base de dados, próximo das eleições e pela apuração interna esses dados tinham vazado a mais tempo e uma base de dados antiga. Então tem por exemplo usuários que já não fazem mais parte da Justiça Eleitoral. É uma investigação que ainda está ocorrendo pela polícia federal, alguns membros, responsáveis já foram identificados, mas ainda está em andamento, não foi concluída para a divulgação e nomes e aplicação de punições. O importante a destacar é que esse vazamento que ocorreu foi de uma base de dados de softwares administrativos e não de softwares eleitorais. Este último é tratado pela Justiça Eleitoral como se fosse um outro ambiente específico para quem transita ali e não teve vazamento desses dados.
Como a Justiça Eleitoral garantiria a segurança de votações online caso elas fossem ocorrer no país, a exemplo da Estônia que já utiliza essa tecnologia para eleição? Seria possível garantir que os votos são feitos por pessoas e não por robôs ou então garantir que um IP e/ou IMEI vote apenas uma vez seja celular, tablet ou computador e notebook?
Na Estônia, que é um dos países mais avançados em governo digital, eles usam um sistema de votação de terceira geração, em teste, que é inclusive um sistema onde o eleitor que votou consegue identificar se seu voto. O problema desse sistema é que você quebra o sigilo, o eleitor consegue ir lá e divulgar o voto dele. Porque ele tem acesso à lista, se ele não quiser divulgar não divulga, mas ele sabe que ele está na lista de quem votou, aparece uma lista toda cifrada e ele consegue por um conjunto de códigos identificar ele nessa lista para ver se o voto dele foi somado de maneira correta. Por esse lado tem a possibilidade da quebra do sigilo do voto.
Então nesses países, por questões da Constituição deles permite essa quebra do sigilo do eleitor, e é possível avançar um pouco para os sistema online ou remoto de votação. Há estudos por exemplo, de tecnologias que permitem ao eleitor votar várias vezes para corrigir o voto, por exemplo. Votei e me arrependi do voto, quero modificá-lo, é possível. De qualquer forma esses cenários só são possíveis quando não há a necessidade da garantia do sigilo 100% como acontece no Brasil. Porque quando você coloca o sigilo não é permitido inclusive que a pessoa filme ou tire foto da tela da votação, da urna. Quando a Constituição prevê o sigilo, várias tecnologias são descartadas.
E, nos casos dos robôs, em uma votação on-line é possível retirá-los pela codificação. Antes de votar online o eleitor recebe um código de votação que dará direito a uma cédula no sistema e como o robô não tem esse código também não consegue depositar o voto. O robô até consegue enviar o voto, mas ele é descartado por não ter o código de votação. Nesse caso também é necessário um processo de auditoria bem complexo pois é necessário verificar tudo: as várias tentativas desses robôs em votar, cédulas oficiais e não oficiais, acaba deixando mais complexo a auditoria do sistema de votação.
Também é uma situação próxima de garantir um voto por IP ou IMEI. Porque para você sair do mundo físico e entrar no mundo digital você precisa de uma identificação física como fazemos com os tokens para assinar documentos de forma digital - os cartórios online por exemplo. Temos que partir desse princípio, o eleitor teria que ir ao cartório eleitoral, ingressar digitalmente no sistema de votação se isso fosse permitido e a partir de então com uma chave única que vincula o eleitor a um documento digital, ele poderia depositar seu voto. Teria que ser um processo próximo a isso.
O principal problema de segurança digital quando estamos em votação, no voto online, é o ingresso físico no mundo digital. Garantir realmente que aquela pessoa física e que existe é a mesma que está votando. Esse vínculo que precisa ser construído desde o começo e, uma vez que se constrói fica mais fácil de projetar novas soluções. O documento físico de votação teria que se tornar digital para podermos pensar nessa modalidade de votação on-line, mas lembrando do princípio constitucional do sigilo do voto que nessa modalidade não é possível garantir.
E, quanto à identificação facial ou de digital que são únicas, não ajudaria nesse processo de segurança?
Todas essas identificações biométricas como facial, digital, de íris, ou o próprio caminhar da pessoa, ela tem possibilidade de colisão. Então é possível que dois rostos, duas pessoas sejam identificadas como uma só. Quanto mais itens você coloca, mais diminui a possibilidade de colisão ou erro, mas todas têm um grau de possibilidade de erros, colisão, mesmo que pequeno, porém sempre existe.
No voto online também existe a possibilidade de voto por telefone fixo, não seria outra alternativa? O senado federal começou a utilizar devido à pandemia...
Esse sistema tem vários problemas. Primeiro porque você não consegue identificar que a pessoa do outro lado da linha é realmente ela. O voto não é válido porque não se consegue garantir o eleitor. O sigilo também não possível garantir porque o eleitor pode estar perto de outras pessoas sendo inclusive coagido. Toda votação que vai para o meio analógico, seja papel, correio e que você não tenha uma identificação na hora do voto, acaba tendo esses problemas de fraude. No geral, esses modelos de votação são identificados em eleições com ambientes bem pequenos, restritos e controlados.
Nos estudos que estão em andamento do projeto “Eleições do Futuro” estão previstos as questões legais, para verificar a autenticidade de um resultado? Também estão sendo estudadas formas de punições para fraudes?
Esse chamamento público foi realizado no sentido que as empresas apresentassem as soluções e não foi a Justiça Eleitoral projetando a soluções para que eles desenvolvessem.
É um caminho inverso. O mercado que possui essa tecnologia apresentou à Justiça Eleitoral o que existe e o que se consegue executar. Internamente, nós não temos um projeto que já esteja levando a para essa direção. Temos um grupo que discute a evolução da votação. Por exemplo, fizemos uma licitação para urnas eletrônicas agora e essas já são diferentes das adquiridas em 2015. Elas têm a possibilidade de acoplar dispositivos externos, porque existe essa discussão do voto impresso. Então é necessário que as urnas tenham capacidade de acoplamento de novos dispositivos controlados como impressora que não tinha no passado. Temos que garantir que o acoplamento foi feito com uma impressora da Justiça Federal e não de terceiros, por exemplo. Essa evolução existe dentro da Justiça Eleitoral, mas não esse grupo que está discutindo sobre votação online. Foi um chamamento para podermos conhecer o que existe no mercado em nova tecnologia.
Então poderemos ter novidades na urna eletrônica para as próximas eleições?
As urnas eletrônicas são utilizadas por dez anos. Nós temos um parque de urnas com dez anos que serão substituídas por essa licitação, em torno de 100 mil urnas, será uma pequena fatia de urnas a serem substituídas, ainda teremos urnas em funcionamento feitas em 2011, 2012, para frente. Essa nova urna adquirida foi montada com diferença de equipamento, de hardware para fazer as validações de fotografias bem mais ágeis do que eram, tínhamos urnas que quando você regravava pois no voto é feito várias verificações e é encriptografado e nessas urnas mais antigas é um processo um pouco lento e nessas será mais rápido. O hardware foi aprimorado para acelerar esse processo, também melhorou quanto ao sigilo do voto, por exemplo e essas urnas novas também terá possibilidade de acoplamento de hardware externo.
Hoje nós temos uma urna interna para impressão de boletim de urna e a zerézima. Até 2015 o processo das urnas não foi pensado para acoplamento de impressora externa. A impressora é possível de ser conectada, o que nós precisamos garantir é que essa impressora seja da Justiça Eleitoral, fabricada por ela. Nessas urnas novas que estão vindo e foram projetadas agora elas têm esse dispositivo para que a gente consiga checar se a impressora acoplada é da Justiça Eleitoral. Se futuramente o Congresso discutir essa questão do voto em papel e apresentar uma proposta veremos a compatibilidade para imprimir essa cédula.
Votação em papel em alguns lugares do mundo como os EUA, a urna eletrônica aqui no Brasil e o voto online na Estônia, por exemplo. Qual avaliação dos vários métodos de votação existentes e qual mais confiável para evitar falhas ou fraudes, na sua opinião?
Hoje a votação em urna eletrônica no Brasil é um dos mais seguros do mundo, seja hardware ou sistema eletrônico. Todo o software é feito por nós da Justiça Eleitoral, do teclado ao processamento, o bios, a urna é um minicomputador assinado pela Justiça Eleitoral, cada camada de proteção é checada. Temos um processo de auditoria que dá um controle muito grande. Talvez a impossibilidade do cidadão comum em fazer a auditoria cause alguma dúvida. Mas em toda eleição, as urnas utilizadas na votação ficam guardadas para qualquer cidadão ou partido político contratar um profissional de tecnologia para realizar a sua auditoria. Posso afirmar que o sistema brasileiro de votação é um dos mais seguros do mundo.
Outro ponto importante que deve ser levado em consideração antes da mudança na forma de votar é disruptura que causaria com a troca repentina. Hoje temos um modelo maduro e segura com 20 anos de experiência, aprendizado e evolução, com uma troca começaríamos um sistema totalmente novo, jogaríamos 20 anos de trabalho fora. Mas isso não quer dizer que não temos que evoluir tecnologicamente e nos modernizarmos constantemente.
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