• Cuiabá, 30 de Julho - 2025 00:00:00

O cenário brasileiro da política por si só inibe a mulher de participar, analisa Serys Slhessarenko


Rafaela Maximiano - Da Redação

Uma vida construída em torno do pioneirismo, sendo da primeira turma a formar mulheres advogadas em Mato Grosso, também uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores no Estado e ao longo da carreira política alcançou quatro mandatos consecutivos, Serys Marly Slhessarenko, é a personagem entrevistada pelo FocoCidade desta semana.

Tendo em vista a sua trajetória, analisou a participação das mulheres na política e sugeriu formas de aumentar a presença das mulheres em cargos de poder no Brasil. Avaliou o atual momento de pandemia e como esse cenário deve afetar as próximas eleições municipais. Afirma que foi cortejada à candidatura de vereadora, mas prefere ofertar seu apoio aos novos candidatos. Porém, não afasta a possibilidade de concorrer à federal daqui há dois anos.

Todos esses assuntos e outros foram abordados com a experiência de uma mulher que construiu uma carreira política de realizações. Ligada diretamente ao PT, hoje está no PRB. Em Mato Grosso desde 1966, é formada em direito e pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso, da qual se tornou professora.

Ocupou o cargo de Secretária Municipal de Educação de Cuiabá em 1986 e posteriormente Secretária Estadual de Educação de Mato Grosso. Elegeu-se em 1990 deputada estadual, sendo reeleita duas vezes consecutivamente. Concorreu sem sucesso à prefeitura de Cuiabá em 1988 e 2000.

Foi eleita a primeira mulher senadora de Mato Grosso em 2002, numa disputa contra os ex-governadores Carlos Bezerra e Dante Martins de Oliveira. Durante seu mandato, ficou conhecida por ter sido autora do projeto que regulamentou a delação premiada.

Em 2006 disputou o governo do Mato Grosso, obtendo o terceiro lugar com 11,5% dos votos. Ocupou o cargo de 2ª vice-presidente da mesa diretora do Senado Federal, biênio 2009-2011, ocasião que também se tornou a primeira mulher a presidir o Senado, com o afastamento temporário de José Sarney. Nas eleições de 2010, tentou uma vaga na Câmara dos Deputados, mas, não foi eleita. Em 2013 Serys deixou o PT e se filiou-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em 2015, filia-se ao Partido Republicano Brasileiro (PRB).

Em 2016, foi candidata a prefeita de Cuiabá mas ficou na 5ª colocação, com 3,22% dos votos válidos. Nas eleições de 2018, foi candidata a deputada federal, mas não conseguiu ser eleita e obteve a segunda suplência da coligação formada pelo PRB/PP/PTB/PT/PMN/PODE/PROS/PR.

Confira a entrevista na íntegra:

Tendo em vista a sua trajetória política, como analisa a participação das mulheres neste setor, o que mudou?

A questão da mulher na política é complexa, longa e difícil. Culturalmente o homem sempre foi visto como provedor e a mulher quem cuidava da casa, dos filhos, etc. Elas não faziam parte da história política e não faziam parte das decisões políticas. E, as decisões políticas atendem os interesses das partes que estão fazendo a política. Quem tem mais força versus quem tem menos força, ou seja, a medição de força. E, através dos tempos essa questão cultural da mulher foi modificada com a saída da mulher de dentro de casa para buscar o complemento da renda familiar e também o sustento completo como mantenedora do pão nosso de cada dia da família. Então o poder do capital tem uma força imensa e acabou mudando a forma de como a sociedade vê e interage com a mulher, inclusive na política. O Dia da Mulher por exemplo, é conhecido internacionalmente pelo fato de terem queimado mulheres em uma fábrica como forma de resolver um problema: encerrar a reivindicação delas por direitos iguais. Porque no entendimento de quem tinha o capital na época, é que essa reivindicação delas era um mal exemplo que poderia se alastrar. E, nós no Brasil não somos diferentes, mas ainda falta um longo caminho para percorrer, existem países onde 50% do parlamento são de mulheres. Hoje quase 30% das mulheres são chefes de famílias, mulheres podem se candidatar e serem eleitas. Ainda existem desigualdades, dificuldades e diferenças, mulheres ainda ganham menos que homens estando na mesma função laboral, mas é possível mesmo diante desse quadro da mulher chegar ao poder.

Você enfrentou dificuldades para ocupar espaço na política? Como os partidos tratam as candidaturas femininas? Enfrentou algum tipo de preconceito?

Sim claro, eu meio que me sentia como filha única em reuniões onde a maioria dos participantes eram homens. E, infelizmente é um cenário em que a mulher precisa se impor, porque se não, não deixam nem falar. Já ouvi frases assim: “Fica quieta aí quem está falando aqui sou eu”. Com certeza já enfrente todo tipo de situação e preconceitos. Quando fui deputada não tinha banheiro feminino, precisa usar o banheiro privativo do presidente da casa. Para se ter ideia de como nãos e pensa na mulher como política.

Eu por exemplo ganhei quatro eleições seguidas por defender o que acreditava e cumprir meus compromissos de campanha, e não por uma campanha milionária, até porque eu não tinha dinheiro.

Hoje no Brasil, além da cota de gênero, que determina que cada partido ou coligação preencha no máximo 70% de candidaturas de cada sexo, a Justiça Eleitoral reservou, pelo menos 30% do fundo eleitoral para candidatas. Mesmo assim os partidos ainda têm dificuldade para preencher essa cota? Alguns partidos ainda utilizam as candidatas “laranjas”?

Depois de duríssimas lutas passou a existir as cotas de candidaturas. Isso é uma conquista para a mulher sim, mas é pouco. As cotas são importantes? É claro que sim, mas eu mesma fiz ajustes enquanto parlamentar, duas emendas para segurar tempo de televisão para as mulheres nas campanhas e também uma cota de 5% a 10% de recursos exclusivos para as campanhas femininas e hoje já foram conquistados 30% de recursos de fundo partidário para campanhas de mulheres candidatas e também a cota de gênero que exige no mínimo 30% de cada sexo. Acredito que não tenha ocorrido de termos em um partido 70% candidatas mulheres e 30% de homens, mas se chegarmos a ter 50% de cada gênero vai ficar bom.

Existem as candidatas laranjas sim. Mas a Justiça Eleitoral está acabando com isso, os juízes estão exterminando e isso tem que acabar mesmo. Além do mais as candidaturas femininas precisam ser para valer. Mulher tem que ir para briga, para a guerra, para conquistar. Não adianta se candidatar para fazer de conta ou para somente para conquistar os 30% da cota.

Mas tudo isso não é suficiente para garantir a presença da mulher na política.

Que propostas você pensaria para aumentar a presença das mulheres no legislativo brasileiro?

As cotas conquistadas já são muito boas, mas é muito pouco. Não é suficiente como já disse. Precisamos de participação no parlamento. Para isso precisamos ter cotas de participação no poder. No caso do senado por exemplo deveriam ter oportunidade um homem mais votado e uma mulher mais votada, mesmo que tenha tido menos voto que o segundo candidato homem mais votado. Temos que estabelecer um equilíbrio e uma cota para garantirmos a presença da mulher nos cargos. Eu sei que é difícil e será uma guerra boa.

Eu acho inclusive que já existem duas propostas uma no senado e outro na Câmara dos Deputados, com esta finalidade, que é de assegurar a vaga, seria uma cota de candidatura.

Agora, espero que o TSE e TRE organizem bem, pois acho que será uma eleição que terá bastante abstenção, pois as pessoas estão com muito medo desse vírus.

Como o desenho institucional partidário e político do Brasil inibe a participação das mulheres na política?

Há impedimentos concretos e subliminares inibindo a participação da mulher na política. São impedimentos históricos, pois o poder no Brasil é macho é só para homens. Olha as mesas de poder no Brasil são quase exclusivas de homens. Na posse da presidente Dilma Rousseff, por exemplo, além da presidente só tinha uma outra mulher: eu. No Brasil vem que política é para macho, é para homens. Tanto é que em reuniões políticas de poder é raríssimo você ver mulheres participando. O cenário brasileiro da política por si só inibe a mulher de participar.

Isso sem falar no dia a dia. A mulher trabalha fora, mas também cuida da casa, do marido e dos filhos, independente da classe social. As reuniões políticas ocorrem em sua maioria a noite ou aos finais de semana. E é no final de semana que a mulher realiza tarefas de casa que não puderam ser feitas durante a semana. Muitas vezes a mulher fica com essa demanda e o marido vai para as reuniões. Não existe um sistema que a ajude. As reuniões deviam prever um espaço para receber as crianças, para um café, amenizaria um pouco e facilitaria.

Por isso é raríssimo as mulheres chegarem aos cargos de maior poder, ela precisaria abrir mão dessa vida familiar, enquanto o homem não. O correto era existir um aparato nos partidos para equilibrar essas diferenças. Assim como dentro de casa os homens também precisam dividir as tarefas para haver um equilíbrio. O que faz a diferença nesse cenário é a coragem das mulheres que se lançam candidatas, as que não tem medo de defender as questões que acredita.

Quais são os tipos de mudanças na política e na sociedade que acontecem quando as mulheres ocupam lugares de poder?

Eu posso falar pelo o que eu vivi, que também era uma época diferenciada. O que muda é que a mulher defende seus direitos com maior ênfase que o homem quando está no poder. Apesar de as mulheres estarem lutando e se candidatando, aqui em Cuiabá por exemplo não temos nenhuma mulher, como ficam os direitos da mulher? Os homens que estão no poder podem até buscá-lo, mas não é a mesma coisa.

Outro aspecto é de que quando elas assumem o poder e tomam decisões importantes elas recebem credibilidade e assim a população as apoiam. Eu por exemplo ganhei quatro eleições seguidas por defender o que acreditava e cumprir meus compromissos de campanha, e não por uma campanha milionária, até porque eu não tinha dinheiro.

Esse período de pandemia da Covid-19 impactou todos os setores no país, inclusive a política. Apesar da definição das eleições municipais em novembro, ainda há polêmica e alguns congressistas acreditam que as eleições podem acabar não ocorrendo. Você concorda que as eleições no Brasil, sejam realizadas em novembro mesmo em meio à pandemia?

Eu acho que a eleição vai ter que acontecer. Não acho que seja bom, mas acho que é necessário. E, aqui em Mato Grosso ainda tem a complicação da vaga no Senado. Agora, espero que o TSE e TRE organizem bem, pois acho que será uma eleição que terá bastante abstenção, pois as pessoas estão com muito medo desse vírus.

Será uma votação demorada, devido as regras de higiene, distanciamento na fila, etc, então não será fácil. Em alguns municípios com uma eleição acirrada pode ser que estimule as pessoas em ir votar, pelo menos os apoiadores dos candidatos que estão disputando.

Você é a favor da unificação das eleições?

Agora nessa eleição não. Não tem como. Uma hora acabará sendo unificada. Agora como será essa unificação é que está o problema. Como vamos fazer? Eleger candidatos para apenas dois anos e unificarmos as eleições? Não. Talvez prorrogar para unificar, mas tem aparato legal? É complicado mas um dia deveremos unificar por que fazer eleições a cada dois anos é desgastante, difícil e caro.

Àqueles que quiserem meu apoio, apoio moral, apoio de trabalho feito, estou à disposição.

As eleições de 2020 vão acontecer em meio a um contexto de polarização política no Brasil. Esse pleito vai ser diferente de outras eleições?

Sim com certeza. Para começar o momento que vivemos exige que tudo seja on-line. Já vemos aí as primeiras liberações de eventos para 100 e 200 pessoas, já é um indicativo de que só estão sendo liberadas por causa das eleições. Mas pergunto: o perigo desse novo vírus acabou? Sou a favor de defender a saúde, as eleições que ocorram da forma que tiver de ser. Desde é claro que seja honesto e não roubado.

Outros aspectos que serão diferentes neste pleito será a existência das Fake News e que o cidadão está mais maduro politicamente. Quanto ao que é verdade ou mentida, ninguém sabe, no final a pessoas já entende como mentira, não acredita em mais nada. Todos discutem política, mas nem todos sabem do que estão falando. Levantam calúnias, inventam inverdades, será preciso colocar um ponto final nisso. Também vejo que não existe uma prática em nós brasileiros de trabalhar somente com a internet quando se trata de campanha eleitoral e será que esse interiorzão nosso tem facilidades com eventos on-line ou mesmo com serviços de internet de qualidade?

Vejo que teremos dificuldades também, não nas eleições majoritárias, mas sim nas proporcionais, por que não teremos coligações. Cada partido sairá sozinho. Os partidos precisarão ter boas chapas para alcançar bons resultados. Essas eleições serão bem diferenciadas mesmo. Enfim, a democracia está posta vamos ver o que acontece.

Quanto às eleições municipais: qual sua avaliação do cenário político atual tem alguma possibilidade da sua participação direta ou mesmo apoio político?

Só de apoio, nessa eleição será por aí. Já estão se apresentando candidaturas. Quando me filiei no PRB, eram cinco vereadores no Estado e um prefeito. Depois foram eleitos 33 vereadores, cinco prefeitos e três vice-prefeitos. Não sei exatamente os números exatos hoje, mas aumentou.

Eu estou olhando as listas que estão chegando dos municípios e acho que o PRB fará uma boa eleição aqui em Mato Grosso no sentido de fazer alguns prefeitos, vereadores e vereadores.

Àqueles que quiserem meu apoio, apoio moral, apoio de trabalho feito, estou à disposição.

Quais as metas do seu partido para as eleições de 2020? Há alguma prefeitura estratégica?

A gente gostaria de eleger nas maiores prefeituras de Mato Grosso, começa que algumas não teremos nem candidatura. Na Capital, por exemplo, não teremos candidatura dos Republicanos, ao menos a princípio não. Em Várzea Grande também não.  Rondonópolis é possível. Esse cenário ainda está se desenhando. O difícil é que não estamos podendo nos reunir, as coisas só acontecem on-line com meia dúzia de pessoas participando, ninguém fica sabendo. Está muito confuso devido à pandemia.

Fazer eleição em ano com o tamanho dessa pandemia, em um ano com tantas mortes e sofrimento, a gente não tem nem vontade de discutir política.

Na minha opinião não existe discussão se democracia é melhor ou pior. Ela é a única opção, é fundamental devemos dar o sangue pela democracia.

E, quanto aos seus projetos futuros? Já avalia uma nova candidatura?

Isso aí é ao partido e a Deus pertence. É assim que a gente escorrega! Meu nome está à disposição sim. Quem sabe uma candidatura futura a federal. Mas depende, as pessoas estão insistindo muito, queriam que eu fosse candidata a vereadora agora, mas não aceitei, pedi para me deixarem quieta. Só seria discutível se viesse um pedido do partido. Nesse momento de pandemia, eu prefiro ficar buscando voto para o partido.

Considerações finais.

Vivemos um momento muito difícil politicamente. Muito difícil mesmo. Aqui em Mato Grosso está difícil, também porque o poder central está muito difícil. Está sendo um poder de perda de direitos, basta ver a reforma trabalhista, o meio ambiente, os direitos humanos, estamos em tempos de perdas. Acho que a questão do emergencial é importante porque está dando um retrato da dificuldade que milhões de pessoas estão vivendo neste país. Seiscentos reais estão fazendo uma diferença grande para essas pessoas, o brilho nos olhos do homem que está subindo nas pesquisas pela distribuição desses R$ 600,00. É porque há uma necessidade real das pessoas, isso retrata que precisa política de inclusão social. E não é tirando direitos daqueles que precisam, da reforma trabalhista, da saúde, do meio ambiente, e a forma horrorosa que essa pandemia está sendo tratada pelo Governo Federal.

Ainda vem essa briga com os governadores e prefeitos que acabaram salvando seus Estados dentro dos limites deles. A pandemia ainda está aí, não acabou, mas eles estão conseguindo atender de maneira razoável porque a nível federal tudo ficou muito solto, sem coordenação geral e muitas vezes até contraditório. Também tem o fato desse vírus infame ser muito novo e ninguém saber como lidar com ele ou como tratar. Não tem medicamentos cientificamente comprovados, tem alguns kits que estão sendo distribuídos que vejo estão ajudando sim.

Aqui em Mato Grosso, nessa questão da pandemia, acho que instalar o atendimento na Arena Pantanal, com médicos, medicamentos e exames, foi importante e ajudou Mato Grosso nessa redução de mortes e aumentos de curados. E que continuemos assim sem recaídas.

Tudo isso tem a ver com democracia que é fundamental. Na minha opinião não existe discussão se democracia é melhor ou pior. Ela é a única opção, é fundamental devemos dar o sangue pela democracia. Uma democracia fraca é mil vezes melhor que uma ditatura seja lá da força que for. Democracia é a garantia do direto das pessoas e os governantes têm que respeitar as leis, independentemente de ser de direta ou de esquerda.




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