Lourembergue Alves
Entediado, enfastiado, quase melancólico, sem saber o porquê de seu estado, o velho homem... Ou seria homem velho? Dúvida atroz. Talvez seja. Mas apenas dos outros. Longe de ser dele próprio. Afinal, de velho, ele nada tinha. Embora estivesse a gozar de sua rica aposentadoria, conquistada com o sacrifício de mais de quatro décadas de trabalho, a maioria deles em uma única empresa, e, depois disso, estava sob o martírio de ter que viver dos minguados aposentos, os quais mal davam para garantir-lhe sobrevida, uma vez que os remédios custavam “os olhos da cara”. Daí, porém, enquadrá-lo como “velho” era um disparate.
Uma afronta, até porque o seu cérebro funcionava como se estivesse ainda jovem. O seu corpo, já fragilizado, continuava a atender os comandos superiores, a despeito do quase sem fundos de sua conta bancária. Deveria ter seguido carreira militar, assim sua única filha, embora mãe, sem ser casada no papel, teria uma gorda pensão vitalícia.
Teve os olhos marejados. Desviou-os para um dos textos de Fernando Pessoa, em que este se fizera passar por Bernardo Soares. Leu-os, releu-os. Achou ter ouvido, tal como ouvira o lusitano “trechos de conversas íntimas”. Por fim, confessou-se “só de ouvir as sombras de discurso”. Muitos também o fazem. Não deixou de reconhecer. O que, porém, sem hesitar-se, igualmente considerou-o “um tédio de nojo, uma angustia de exílio entre aranhas e a consciência súbita”. Reconheceu, contudo, de ser um dos “inquilinos do aglomerado, espreitando com nojo, por entre as grades traseiras do armazém, o lixo alheio que se entulha a chuva no saguão”.
O homem, então, levou uma das mãos ao rosto, depois a fizera escorregar pela face, toda marcada pelas dificuldades da vida, resolveu fazer do braço uma escora a segurar o próprio queixo. Tinha os olhos presos a uma matéria jornalística. Questionava a si mesmo. Tantas eram suas questões que mal conseguiria responder a cada uma delas, ainda que o notebook estivesse como sempre estava ligada a Internet, com livre acesso aos sites, blogs e jornais. Trazia a dita matéria uma entrevista, e o entrevistado, um ex-apoiador e suplente, dissera que um delegado da Polícia Federal avisou ao senador e filho do presidente que um de seus funcionários na Assembleia Legislativa do Rio seria alvo de investigação na Operação Furna da Onça.
Operação que tivera a data mudada até para não ocorrer durante o segundo turno da disputa eleitoral de 2018. Avisado, o senador eleito tratou de seguir o conselho de seu anjo-da-guarda, delegado de profissão, exonerou o funcionário preventivamente. Ele e a filha. “Deus do céu!” – chegou a balbuciar o homem, cuja atenção se prendia a outra matéria: “interesse do presidente em controlar a Superintendência da Polícia Federal no Rio”.
Desviou-se desta para uma segunda, e esta se referia a uma fala do ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, acusando o presidente de pretender interferir na Polícia Federal. “São peças do mesmo quebra-cabeça” – afirmou – “Quebra-cabeça não de todo montado”. “Faltam algumas peças” – por fim, reconheceu-se. Em seguida, porém, confabulou com seus botões: “se as autoridades quiserem, com facilidade, formarão todo o quebra-cabeça”. “É só juntarem as evidências, e somarem estas a alguns fatos” – silenciou-se, como se estivesse ele próprio a juntarem as peças.
Embaralhou ao se lembrar de um vídeo que registrou a famosa reunião ministerial. Coçou a cabeça ao deparar-se com a revelação de que um ex-ministro deixou em lugar seguro, um celular carregado de mensagens em áudio e vídeo trocadas com o presidente, durante mais de um ano. Titubeou-se no instante em que repetia: “o lixo se entulha a chuva ao saguão”. Nele, tem de um tudo. Notícias do arco da velha. O homem, então, jogou-se a cadeira, envolvido com antigos, não velhos pensamentos, longe de serem a respeito do coronavírus. O vírus que o afligia era bem outro. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: lou.alves@uol.com.br.


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