
Para a Semana Internacional do Dia das Mulheres, o FocoCidade entrevistou uma mulher ímpar e inspiradora em Mato Grosso, a desembargadora Maria Erotides Kneip. Inteligente, corajosa e profunda conhecedora das leis brasileiras, a magistrada fala sobre as conquistas e os desafios a serem enfrentados pelas mulheres neste 8 de Março.
Há 9 anos, a desembargadora Maria Erotides Kneip ocupa uma das cadeiras do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), contudo, antes disso, atuou por 19 anos como juíza na Entrância Especial. Acumula extensa bagagem profissional como jurista, no magistério, além de diversos títulos e homenagens, fruto de uma carreira sólida e atuante.
Incumbida na luta pela proteção à mulher, onde ocupa a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar no âmbito do TJ-MT (Cemulher) e a presidência da Câmara Setorial Temática da Mulher na Assembleia Legislativa/MT, a desembargadora falou sobre feminicídio, eleições, justiça e vida pessoal. A entrevistada desta semana é a mulher Maria Erotides Kneip.
Desembargadora, apesar de todos os esforços os dados são alarmantes: aumentou o número de mulheres assassinadas em Mato Grosso no ano passado em relação ao ano anterior (de janeiro a dezembro de 2019 foram 87 mulheres assassinadas sendo 39 registros de feminicídio). Por que esse quadro na sua opinião?
As mortes de mulheres nos denominados “feminicídios” ocorrem inseridas dentro de uma cultura. Não são casos isolados. Decorrem do desprezo ou sentimento de perda de controle e da propriedade sobre as mulheres. Acontecem em sociedades pautadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino. A desvalorização do feminino. Resultam de construções culturais, econômicas, políticas e sociais discriminatórias. O mais grave é que o aumento contempla mulheres pobres e negras.
Mulheres e homens não são desiguais, são apenas diferentes, como ensina Marilena Chauí, professora de Filosofia da USP.
É preciso aumentar a penalidade com uma legislação ainda mais incisiva?
Mais do que isso, é imprescindível revolver com vigor esse caldo de cultura. É imprescindível educar homens e mulheres para o respeito, para a equidade de direitos. Mulheres e homens não são desiguais, são apenas diferentes, como ensina Marilena Chauí, professora de Filosofia da USP.
O aparato da segurança para mulheres que denunciam agressores ainda seria precário?
O aparelho repressor do Estado não tem, sozinho, o dever de enfrentar a violência contra as mulheres. Afinal, a segurança é responsabilidade de todos nós, conforme preconiza o artigo 144 da Constituição Federal. É imprescindível a constituição das Redes de Proteção e isto vem ocorrendo em muitos municípios, com a participação dos Poderes constituídos, do sistema de Justiça e de todos os segmentos de direitos humanos. Na Capital do Estado, a instalação da Delegacia da Mulher com atendimento 24 horas é um compromisso da Secretaria de Segurança Pública e com a participação efetiva da primeira-dama, Virginia Mendes. É um enorme reforço no enfrentamento da violência contra a mulher. A Patrulha Maria da Penha da Polícia Militar instituída e atuante na capital do Estado é um ganho enorme. É necessário que contemple todo o Estado. Tenho conhecimento de que o Coronel da Polícia Militar Assis e a Tenente Coronel Emirella estão providenciando isso e a instalação deverá acontecer ainda no mês em curso. O aparato de acolhimento às mulheres vítimas de violência tem que estar diuturnamente atento. E todos nós podemos e devemos contribuir, ouvindo e encaminhando as vítimas para a REDE.
As leis precisam ser concebidas também sob uma ótica feminina. Mulheres conhecem os anseios e as necessidades das mulheres.
A senhora coordena um trabalho no Estado, por meio do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro - quais as ações prioritárias para 2020?
O Conselho Nacional de Justiça, CNJ, editou a Resolução de número 128, de 17 de março de 2011, criou no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, as Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar. As Coordenadorias da Mulher são órgãos permanentes de assessoria da presidência dos Tribunais Estaduais. Elas têm como atribuição, conforme consta do artigo 2º da Resolução 128/CNJ, dentre outras: I – elaborar sugestões para o aprimoramento da estrutura do Judiciário na área do combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra as mulheres; II – dar suporte aos magistrados, aos servidores e às equipes multiprofissionais visando à melhoria da prestação jurisdicional; III – promover a articulação interna e externa do Poder Judiciário com outros órgãos governamentais e não-governamentais; IV – colaborar para a formação inicial, continuada e especializada de magistrados e servidores na área do combate/prevenção à violência doméstica e familiar contra as mulheres; V – recepcionar, no âmbito de cada Estado, dados, sugestões e reclamações referentes aos serviços de atendimento à mulher em situação de violência, promovendo os encaminhamentos e divulgações pertinentes; VI – fornecer os dados referentes aos procedimentos que envolvam a Lei nº 11.340 de 2006 ao Conselho Nacional de Justiça de acordo com a parametrização das informações com as Tabelas Unificadas do Poder Judiciário, promovendo as mudanças e adaptações necessárias junto aos sistemas de controle e informação processuais existentes; VII – atuar sob as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça em sua coordenação de políticas públicas a respeito da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Há dois anos, estou atuando na Coordenadoria da Mulher do TJ/MT e conto sempre com o apoio das Magistradas e Magistrados Titulares das Varas Especializadas da Violência Doméstica da Capital. A Desembargadora Maria Aparecida Ribeiro também atua na Coordenadoria e tem um papel primordial das ações ali desenvolvidas. Na semana que se inicia estamos desenvolvendo a 16ª Semana da Justiça pela Paz em Casa onde será intensificada e priorizada a atuação judicial nos processos que envolvem a violência doméstica e familiar contra a mulher. Em 2020, a CEMulher vai prosseguir na sua missão de ver constituídas as Redes de Proteção aos Direitos Humanos das Mulheres, na capacitação de seus componentes e no fortalecimento dos Conselhos Municipais de Direitos da Mulher, dentre outros projetos.
O exercício da política partidária não pode ser uma atividade exclusivamente masculina. Isso viola o texto constitucional que garante a isonomia, como pilar da república.
No Estado existe um enfrentamento à violência contra a mulher com respaldo do Estado e municípios como Cuiabá, que agora conta com a Secretaria da Mulher. Como avalia os resultados dessas ações e o que precisa melhorar para massificar esse plano de atuação?
A Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres de Cuiabá foi criada recentemente e deve interagir com as demais Secretarias da Saúde, de Educação, da Habitação e de Assistência Social para intensificar a proteção dos direitos humanos das mulheres. É uma excelente iniciativa do governo municipal e vai preencher um espaço que urgia ser complementado. Tenho conhecimento que o planejamento dessa Secretaria vem sendo conduzido com extremo cuidado pela secretária Márcia Pinheiro.
Na Assembleia Legislativa por meio da Câmara Setorial Temática da Mulher o que a senhora já pontua como reais avanços?
A Câmara Setorial Temática da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso vai realizar o I Simpósio Legislação e Políticas Públicas. Combatendo a violência e promovendo os Direitos Humanos pela equidade entre mulheres e homens. O evento acontecerá nos dias 25 e 26 e março, no Teatro Zulmira Canavarros, de 8h às 18 h. Ali serão apresentadas as pesquisas, proposições, programas e projetos pensados pelos membros da Câmara Temática. A professora Jacy Proença está preparando tudo com muita competência.
Dom Hélder Câmara nos ensinou que “somos todos meros instrumentos nas mãos de Deus”.
A AL aprovou o Observatório Estadual da Violência contra a Mulher. Como avalia?
O Observatório Estadual da Violência contra a Mulher também será contemplado nos debates do Simpósio.
Desembargadora, estamos em ano eleitoral, qual sua mensagem para as mulheres em relação a participação na política - considerando que o avanço nessa representação também pode ampliar os canais de defesa da mulher?
As leis precisam ser concebidas também sob uma ótica feminina. Mulheres conhecem os anseios e as necessidades das mulheres. O exercício da política partidária não pode ser uma atividade exclusivamente masculina. Isso viola o texto constitucional que garante a isonomia, como pilar da república.
A senhora sempre é lembrada como eventual via para disputar cargo eletivo. Partidos continuam aventando seu nome. É uma possibilidade para o futuro?
Dom Hélder Câmara nos ensinou que “somos todos meros instrumentos nas mãos de Deus”. Onde eu estiver, quero estar cumprindo o projeto que ELE pensou para a minha vida. Só ELE sabe de todas as coisas.
Qual sua avaliação sobre a aprovação pelo TJ acerca do aumento do número de desembargadores, de 30 para 39, considerando demandas do Judiciário e ainda o orçamento do TJ?
O Desembargador Carlos Alberto, presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, é um magistrado experiente, inteligentíssimo e um grande gestor. Ele avaliou todas as premissas e requisitos para apresentar a proposta ao Tribunal Pleno. A aprovação foi unânime. Todos nós sonhamos com um Poder Judiciário célere, moderno, eficiente. O aumento de vagas nos aproxima disso!
A Justiça consegue dar resultados mais rápidos a sociedade em relação ao estoque de processos? O que precisa avançar nesse quadro?
As magistradas e magistrados do Estado de Mato Grosso são extremamente produtivos. Trabalhamos muito, procurando vencer as dificuldades, as distâncias, as deficiências da transmissão de dados. Precisamos intensificar a gestão dos processos de trabalho e implementar inovações tecnológicas. A direção do Tribunal de Justiça e as Escolas Judiciais têm procurado fazer isso.
Tendo em vista seu histórico pessoal de conquistas e lutas, muitas mulheres veem a senhora como um exemplo a ser seguido como mulher de sucesso, tanto profissionalmente quanto em família. Como a senhora avalia sua carreira e os planos para o futuro?
Avalio a minha carreira como uma escolha certa. Vocação. Não queria fazer outra coisa. Minha contribuição na construção de um mundo mais justo, no qual eu acredito. Tenho quatro filhos abençoados - Lucilo Filho, Luiz Cesar, Nelson e Jaciélio - noras, netas e netos que me amparam, me sustentam, respaldam a minha atuação. São honrados. Dignos. Trabalhadores. As três netas mais velhas – Mariana, Michelly e Djulia - concluíram o Curso de Direito e já passaram nos exames da OAB. Imensa gratidão a Deus por ter me dado tanto!
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