A Igreja católica é política também, porém não é partidária, destaca Dom Milton Santos

Rafaela Maximiano – Da Redação

Neste mês de fevereiro o Brasil comemora seu feriado mais popular, o Carnaval. E para fazer jus à data, a Entrevista da Semana do FocoCidade é com o Arcebispo de Cuiabá Dom Milton Antônio dos Santos. Com 45 anos de sacerdócio e há 15 anos à frente da Arquidiocese de Cuiabá, Dom Milton coordena aquele que já é considerado o maior retiro católico de carnaval do Centro-Oeste, o “Vinde e Vede”.

Durante a entrevista o Arcebispo fala do evento que chegou à sua 34ª Edição, mas também discorre sobre o significado do Carnaval para a Igreja Católica. Explica como a Igreja se relaciona com outras religiões, a tecnologia e a fé, além de debater política dentro das igrejas.

Especializado em Teologia pela Pontifícia Universidade Salesiana de Roma e licenciado em Letras pela Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, São Paulo, o Arcebispo que já exerceu cargos importantes dentro da hierarquia católica e é autor de vários livros de espiritualidade, afirmou que se preocupa hoje em evangelizar e ensinar os homens a viver e ver a Deus.

 “Somos a única Arquidiocese brasileira que possui uma relíquia de primeiro grau de um santo. Um pequeno pedaço da roupa do Papa João Paulo II, com seu sangue. A mesma roupa que estava usando quando sofreu o atentado a sua vida”, disse Dom Milton sobre a relíquia em primeiro grau que a Arquidiocese de Cuiabá possui do Papa João Paulo II canonizado em 2014, por Bento XVI.

Confira a entrevista na íntegra:

O que significa o Vinde e Vede para a Igreja Católica?

O Vinde e Vede é, e pretende ser sempre uma grande vitrine primeiramente de civismo. Neste ano por exemplo continuamos a olhar para a nossa capital Cuiabá que está com 300 anos. No palco do Vinde e Vede deste ano, vamos contar a história de como a imagem original do Senhor Bom Jesus chegou à nossa capital no ano de 1818. Isso porque temos uma lei municipal que instituiu o dia 8 de abril, data da fundação da cidade, como o Dia do Padroeiro de Cuiabá. Data importante para os católicos. O Vinde e Vede também é uma vitrine para a igreja evangelizar e para a pessoa ver a Deus, não com os olhos simplesmente, mas com olhos interiores. A expressão “Vinde e Vede”, é citada em várias passagens da Bíblia pelo próprio Jesus Cristo “Ver e Viver”. Esse é o seu significado.

Como estão os preparativos para o 34º Vinde e Vede?

Nesta segunda-feira, dia 17, entramos na reta final. São mais de mil voluntários trabalhando para fazer funcionar o que chamamos de “cidade da fé”.  Sábado, dia 15 de fevereiro, teve início um dos últimos preparativos da nossa caminhada, o “Cerco do Memorial João Paulo II”. Inspirado no “Cerco de Jericó” presente no Antigo Testamento, consiste na oração incessante e ininterrupta de Rosários, durante sete dias e seis noites, diante do Santíssimo Sacramento exposto. O objetivo é dar sustentação espiritual ao evento. A abertura será no sábado dia 22 com o Micarecristo e o encerramento na terça-feira, dia 25 com o lançamento da Campanha da Fraternidade, que este ano tem o tema “Fraternidade e vida: dom e compromisso”, inspirado na figura de Irmã Dulce, canonizada em outubro do ano passado. A programação completa pode ser acessada no site da Arquidiocese e o evento ocorre no Memorial João Paulo II, bairro Morada do Ouro, em Cuiabá.

Qual é o significado do Carnaval aos olhos da Igreja Católica?

O Carnaval começou na igreja. Antes de iniciar a Quaresma que são os 40 dias de preparação para a Páscoa - a ressurreição de Jesus Cristo, existe o período de preparação. Esse período são os dias de festas que precedem a quarta-feira de cinzas, comemorados com muita festa e alegria pois anuncia o momento de se preparar para a ressurreição de Cristo. É uma palavra que tem origem no latim "carne vale" e que significa dizer "adeus à carne", significa abster-se das coisas que a nossa carne, o nosso corpo deseja. É a preparação do físico para aprimorar o psíquico das pessoas, buscar a concentração. O carnaval cristão é um período de muita alegria, para se festejar, cantar e se preparar para a Quaresma deixando de lado tudo o que o nosso corpo pede para podermos nos concentrar no espírito.

Como a Igreja vê a tecnologia? Algo que afasta as pessoas da fé ou uma aliada? Pois a Igreja Católica vem investindo em tecnologia.

A tecnologia não afasta as pessoas da fé ou da própria Igreja. É dever da Igreja usar a tecnologia. Séculos atrás a evangelização chegava até às pessoas, em lombo de burro. Hoje a evangelização chega através das ondas ópticas da internet. Então hoje é necessário que existam os evangelizadores virtuais. Temos que usar a tecnologia para evangelizar, é um pecado ficar fora da tecnologia.

Um dos objetivos da igreja é de formar honestos cidadãos e bons cristãos. Só existe um bom cristão se for um honesto cidadão.

Como a Igreja Católica se relaciona hoje com as outras religiões?

Deus é de todos. Ele faz o sol brilhar para todos. Deus se comunica com o ser humano através da consciência e o ser humano segue seus ensinamentos no grupo, na religião em que ele está. Se Deus ama a todos e os católicos amam a Deus, devemos viver em comunhão com nossos irmãos e suas diferentes religiões.

Temos fé e rezamos para que esses governantes façam a melhor escolha seja na economia.

Como o senhor analisa o Governo atual, e questões que são difíceis para todo o cidadão e para a Igreja também, a exemplo de aumento de impostos como por exemplo o aumento do ICMS que impacta nas contas de luz e até já existem paróquias que estão fazendo campanhas para a compra de placas de energia solar?

Nós somos cidadãos também e devemos obedecer às leis. Só que não somos uma empresa e muito menos lucrativa. Vivemos da doação das pessoas, do dízimo e de realizarmos campanhas, rifas, eventos sociais para construir e pagar contas. Temos que prestar contas para a receita federal assim como todos. Já o nosso governo, uma vez que vivemos uma democracia, significa dizer nós o escolhemos para estar lá. Eles nos representam e precisam administrar bem em todas áreas: saúde, segurança, etc. Temos fé e rezamos para que esses governantes façam a melhor escolha seja na economia, ou demais áreas pois todas as decisões impactam positiva ou negativamente para todos. Mas o fato é que para a Igreja não há uma relação de lucro nem de acumular, mas de investir naquilo que a igreja acredita, que é a fé.

A Igreja possui hoje a Pastoral Fé e Política que trabalha na formação dos leigos para estes entrarem na política e serem bons políticos.

A Igreja deve debater política ou não?

Sim, a igreja debate política. Um dos objetivos da igreja é de formar honestos cidadãos e bons cristãos. Só existe um bom cristão se for um honesto cidadão. Então a cidadania, o amor à pátria é um dever assim como o mandamento de honrar pai e mãe. A Igreja possui hoje a Pastoral Fé e Política que trabalha na formação dos leigos para estes entrarem na política e serem bons políticos. A igreja não é contra a política. A Igreja católica é política também, porém não é partidária. Porque ao pertencer a um partido a Igreja dividiria, como o nome já diz “partido”, “dividido”. A Igreja Católica, a Arquidiocese, também possui um regime de governo. Esse regime não é ditatorialismo, o bispo não é um ditador. Também não é uma democracia, pois o voto é subjetivo de cada um. Nosso regime de governo é a comunhão, onde é comum a todos. Não devemos confundir com comunismo que é uma ideologia. É a comunhão porque vem das pessoas da trindade - Pai, Filho e Espírito Santo em um só -, com o objetivo de estabelecer a união perfeita onde todos são iguais.

Então podemos ver que a Igreja Católica já traz em seu cerne conceitos bastante modernos. Por que é tão atacada?

Porque falta às pessoas viver a Igreja e falta também conhecimento. A falta de conhecimento, de estado de consciência de indivíduos que deliberadamente ignoram ou desconsideram informações, fatos importantes da igreja, e acabam por nos atacar. Porém as portas da igreja sempre estarão abertas a quem quiser conhecer, aprender e viver na fé.