• Cuiabá, 10 de Julho - 2025 00:00:00

A análise de perdas ou conquistas deve ser feita sob dois aspectos: o pessoal e o social, destaca Bruno Sá Freire Martins


Sonia Fiori – Da Editoria

No polêmico debate sobre a Reforma da Previdência, aprovada pelo Congresso, e em meio às críticas de entidades representativas balizadas no receio da perda de direitos dos trabalhadores (público e privado), o FocoCidade entrevistou um dos mais renomados especialistas na área, o advogado, professor, escritor e consultor jurídico, Bruno Sá Freire Martins.

Na leitura detalhada sobre as mudanças, o consultor é categórico: “a meu ver, a análise de perdas ou conquistas deve ser feita sob dois aspectos, o pessoal, mas também sob o aspecto social, precisamos então responder a seguinte pergunta: Com a reforma da previdência quanto eu perco com relação a minha aposentadoria, mas como sociedade o que pode ser revertido em meu favor? A resposta, com certeza, vai nos permitir uma análise melhor se e quanto perdemos com a reforma”.

Em outro ponto de alerta, Bruno Sá Freire Martins assevera que “num futuro bem próximo precisaremos de pessoas que entendam o sistema como um todo e que possam buscar alternativas para a sustentabilidade que vão além das triviais que vem sendo adotadas ao longo dos últimos anos. Estamos cada vez mais perto de virar definitivamente a chave previdenciária do benefício para a gestão”. 

E na seara das explicações acerca do novo formato do regime previdenciário, o advogado crava: “em termos de recomendação, o que posso dizer é que todos nós precisamos, antes de qualquer coisa, investir cada vez mais na educação financeira para depois poder escolher os melhores caminhos financeiros para o nosso futuro pessoal e de nossa família”.

Sobre o entrevistado:

Bruno Sá Freire Martins, servidor público efetivo do Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso - MTPREV; advogado; consultor jurídico da ANEPREM e da APREMAT; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor de pós-graduação; membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores e do Conselho de Pareceristas ad hoc do Juris Plenun Ouro ISSN n.º 1983-2097 da Editora Plenum; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, e para o site fococidade.com.br, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE, REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS e MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, todos da editora LTr e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.    

Confira a entrevista na íntegra:

O que significa na sua interpretação a Reforma da Previdência de modo geral? Os trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos perdem benefícios consolidados antes das mudanças?

A reforma da previdência na forma como ocorreu só evidencia o fato de que nossa legislação tem uma tendência de não acompanhar a realidade social do país, o que no âmbito da previdência se materializa de forma mais clara à medida que antes de um direito propriamente dita, a previdência é um retrato social por estar diretamente ligada aos aspectos da sociedade como a expectativa de vida, a taxa de natalidade, o tamanho da população economicamente ativa e vários outros. Nosso país, desde 1.988 passou por duas grandes modificações em seu sistema previdenciário, mas nenhuma delas foi capaz de retratar a realidade social em que vivíamos naquele momento e pela qual passamos. Só para se entender do que estou falando, até hoje, admite-se que as mulheres se aposentem com 30 anos de contribuições e os homens com 35 no INSS, fazendo com que essas pessoas se aposentem mais ou menos na faixa dos 50 anos aos 55 anos de idade e considerando o fato de que a grande maioria dos brasileiros, hoje, atinge com certa facilidade a casa dos 70 anos de idade, estejamos diante de uma realidade onde o tempo de recebimento do benefício correspondam quase que a 50% do tempo contributivo. O que é totalmente contrário à lógica previdenciária que consiste na formação de reservas suficientes para o custeio dos benefícios. E antes que digam que estou defendendo ou criticando a reforma, é preciso deixar claro que não estamos partindo de dados ou estatísticas sociais, mas sim da realidade que qualquer um de nós encontra nas pessoas a nossa volta. Essa realidade, tem servido inclusive como forma de desvirtuar a finalidade das aposentadorias, à medida que diariamente encontramos pessoas que estão se aposentam e continuam a trabalhar, simplesmente porque ainda possuem força e vigor para continuar trabalhando. Além disso, também não é incomum, nos depararmos com pessoas que após 6 meses ou 1 ano aposentadas estão arrependidas, não só pelos valores recebidos, mas também por terem percebido que tomaram a decisão de parar no momento errado, já que possuíam condições de continuar a trabalhar. É óbvio que essa não é a realidade de alguns, em razão das atividades que desenvolvem, mas essa análise não pode ser feita pelos extremos, afinal de contas a rotina de um advogado jamais pode ser equiparada a de um garimpeiro, pois cada um detém a sua peculiaridade e rotinas totalmente diversas e sim por uma mediana social tomando por base, principalmente, as pessoas que estão a nossa volta. Assim, a meu ver uma nova reforma só evidencia que ao longo de todos esses anos não conseguimos adequar o sistema previdenciário a nossa realidade social. Com relação a perdas de benefícios, obviamente que quando se analisa a situação sob o aspecto individual a primeira conclusão é a de que estamos todos perdendo muitos benefícios e não se pode condenar quem assim analisa o texto, afinal de contas como seres humanos nem um de nós deseja perder nada. Me diz aí, quem gosta de perder no par ou ímpar, no jogo de cartas, no futebol ou em qualquer outra situação. Agora, não se pode analisar uma reforma somente sobre esse aspecto, à medida que mesmo não querendo perder direitos, queremos cada vez mais uma nação onde os serviços públicos tenham qualidade e nos proporcionem um melhor atendimento, o que também não é feito de qualquer jeito. Portanto, a meu ver, a análise de perdas ou conquistas deve ser feita sob dois aspectos, o pessoal, mas também sob o aspecto social, precisamos então responder a seguinte pergunta: com a reforma da previdência quanto eu perco com relação a minha aposentadoria, mas como sociedade o que pode ser revertido em meu favor? A resposta, com certeza, vai nos permitir uma análise melhor se e quanto perdemos com a reforma. Sei que não é fácil e também não estou falando que temos que ser totalmente desprovidos de interesses pessoais, nem eu sou, mas mudanças dessa amplitude exigem uma análise muito maior do que o aspecto  social, pois sob este toda vez que eu pretendo adquirir um direito amanhã e essa aquisição passa a exigir mais tempo, todos nós, inclusive eu, vou entender que estou sendo prejudicado. Agora, quando analiso que essa demora pode significar uma economia, com gastos com saúde, por exemplo, pode ser que valha a pena. 

Quais as mudanças em relação à idade da aposentadoria – homens e mulheres?

As mudanças são inúmeras, gastaríamos várias entrevistas para poder detalhá-las, ainda mais se considerarmos as modificações para a iniciativa privada e para os servidores públicos. Mas deve se destacar que, de fato a grande mudança, é que a aposentadoria por idade deixa de ser uma regra alternativa e passa a ser o principal requisito para os trabalhadores da iniciativa privada, em geral, além de passar a impactar as aposentadorias especiais de quem trabalha exposto a agente nocivo. E nesse ponto, é preciso esclarecer que nas regras atuais, até socialmente, temos como regra que a aposentadoria se dá por tempo e não por idade, tanto é que, geralmente, quando se pergunta quanto tempo falta para ela se aposentar, ela não faz a conta tomando por base a idade que tem, mas sim os anos que já trabalhou. Pode perguntar para qualquer um como é a aposentadoria no INSS e vão dizer que você precisa ter 35 anos de contribuição se for homem e 30 se for mulher, poucos dirão que também é possível se aposentar aos 65 anos de idade o homem e aos 60 a mulher. Por isso, podemos dizer que o impacto é maior no INSS, já que as pessoas não estão acostumadas a pensar em ter uma idade mínima para se aposentar. Já no serviço público essa mudança com relação ao benefício também ocorre, deixando a aposentadoria por idade de ser uma alternativa e passando a ser o principal requisito para a concessão do benefício, com um aumento no número de anos exigidos para poder se aposentar. Mas o impacto para o servidor está no aumento da idade, pois desde 1.998 mesmo a aposentadoria por tempo de contribuição do servidor já é exigida idade mínima. 

Como fica o tempo mínimo de contribuição?

O tempo de contribuição passará a funcionar como mais um requisito e será significativo na definição do valor dos proventos, mas não será mais considerado como um requisito que autoriza uma regra própria, como é até hoje, quando falamos em aposentadoria por tempo de contribuição. 

As regras para transição sofreram alterações?

Muito importante, a sua pergunta, primeiro para poder esclarecer que nas duas respostas anteriores, nos referimos às regras gerais, ou seja, aquelas que alcançarão os novos ingressantes no sistema, portanto, destinam-se aos que passarem a contribuir para o INSS ou ingressarem no serviço público após a PEC virar Emenda. Na verdade, as regras de transição que hoje existem serão substituídas por novas regras, podendo-se dizer que o mais perto do que temos hoje é a regra que estabelece pedágio para a aposentadoria, lembrando que pedágio é aquele tempo a mais que o segurado precisa ter para poder se aposentar. Por outro lado, uma novidade surge com as novas regras de transição, que é o sistema de pontos como requisito, até hoje, o conhecemos como a possibilidade de usar o tempo de contribuição para abater a idade mínima exigida. A partir da reforma, esse sistema, passa a ser mais um requisito que deve ser cumprido, juntamente com a idade e com o tempo mínimo de contribuição. 

As alterações se aplicam para quem já está aposentado?

As relacionadas às regras de concessão não, mas existem sim algumas medidas que alcançam os aposentados, mas as de mais destaque são as que se referem ao acúmulo de benefícios sim, sendo a principal delas a redução do benefício de menor valor nos casos de acúmulos. Pela reforma, o aposentado que depois de a PEC virar Emenda venha a adquirir o direito a uma pensão não receberá os dois benefícios em seu valor integral, sendo o de menor valor reduzido de acordo com uma escala de percentuais que toma por base o salário mínimo. Para o servidor público aposentado, além dessa regra as mudanças relacionadas à contribuição previdenciária também alcançam os aposentados, devendo-se observar apenas se tratar-se de um aposentado federal, estadual ou municipal para se verificar quais as mudanças se aplicam imediatamente e quais dependerão de lei. 

Quem está prestes a se aposentar, ainda neste ano, passará a integrar o novo modelo de previdência social?

Outra ótima pergunta, o direito adquirido em previdência só se evidencia quando a pessoa consegue comprovar que preencheu todos os requisitos para a aposentadoria, antes da mudança dos requisitos exigidos para a sua concessão, portanto, todos aqueles que não conseguirem preencher os atuais requisitos antes da mudança terão que cumprir as novas regras. Mas é preciso deixar claro que, o fato de, por exemplo, eu ainda não ter averbado um tempo significa que eu perderei meu direito adquirido, pois a averbação consiste apenas e tão somente no fato de você informar o local onde vai se aposentar que, no momento em que se inativar, tem mais um tempo de outro regime que precisa ser contado. Portanto, mesmo que a averbação ocorra depois da reforma, no momento em que for analisado se e quando você preenche os requisitos aquele tempo será considerado e se ficar demonstrado que antes da reforma você já tinha completado todas as exigências para aposentadoria estará caracterizado seu direito adquirido, ainda que as novas regras já estejam valendo. Isso porque, adquirir direito não significa exercê-lo antes da mudança, mas sim preencher todas as exigências estabelecidas para ele antes da modificação. 

Como fica esse cenário para um trabalhador que espera receber aposentadoria integral, os cálculos mudaram?

Aquele que não tem direito adquirido, como eu disse tem que preencher os novos requisitos, mas ainda existem regras de transição que permitem a aposentadoria integral, mas passaram a contar com mais exigências para tanto, então caberá ao segurado cumpri-los para poder receber sua aposentadoria integral. 

Também foram alteradas as regras para trabalhador rural?

Sim, eles também terão mudanças que dentre as quais a de maior destaque reside na exigência de comprovação de contribuição para a aposentadoria. 

E para os militares? São mantidas as seguranças da previdência social diferenciada para essa classe?

No caso dos militares, a reforma ainda tramita no Congresso e a principal discussão é justamente essa se eles têm um sistema previdenciário com regras diferenciadas em razão das atividades que desenvolvem ou se possuem, como consta do projeto, um sistema de proteção social. Posso dizer que, apesar das mudanças de regras e de outros aspectos que se pretende com o projeto que se encontra no projeto, essa deve a ser a principal definição, porque norteará todos os demais aspectos relacionados aos militares. Só para se entender a diferença quando estamos diante de um sistema previdenciário estamos falando de uma relação jurídica que pressupõe a existência de contribuições que levam a existência de uma contraprestação consistente nos benefícios. Enquanto que um sistema de proteção, mesmo social, depende do intento do protetor, sujeitando-se, portanto, à vontade daquele que detém poder para modificar as regras da proteção. 

A pensão por morte também sofre mudanças? E como fica com a aplicação do novo texto?

Sim, e a principal delas está no cálculo, já que a pensão terá valor mínimo equivalente a 50% do benefício e será acrescido em 10% por dependente, de forma que a composição familiar se torna fator preponderante para o recebimento do benefício em sua totalidade ou não. As novas regras de pensão, nesse aspecto, aplicam-se, a nosso ver, para os dependentes do segurado do INSS e dos servidores federais cujo falecimento ocorra após a proposta se tornar Emenda. Já para os servidores estaduais e municipais é preciso que ocorra a modificação da legislação local, salvo no caso de municípios em que seus servidores estão filiados ao INSS, onde vale o que falamos anteriormente. 

É possível acumular aposentadorias?

Nesse aspecto não haverá mudanças, continua permitido ao servidor acumular duas aposentadorias no Regime Próprio e nos caso de vínculo com o INSS, contar com até 3 benefícios, dois no serviço público e  um decorrente do vínculo da iniciativa privada, o que é muito comum aos profissionais da área de saúde e aos professores. Só lembrando que quem está vinculado apenas ao INSS, hoje já recebe apenas uma aposentadoria, mesmo que tenha mais de um emprego. 

Existe algum diferencial em relação à aposentadoria dos professores?

Sim, apesar das mudanças na idade e no tempo exigidos, ainda prevalece a principal característica da aposentadoria dos professores que consiste na redução do tempo mínimo e na idade em 5 anos quando comparados com os exigidos para os demais segurados, quando no exercício de atividades consideradas como magistério, mais especificamente, a docência, a direção escolar, a coordenação e o assessoramento pedagógico, no âmbito da Unidade Escolar. Distinção essa que não se aplica aos professores universitários, já que a Constituição fala que elas alcançam apenas aos que atuam na educação infantil, no ensino fundamental ou médio. Só lembrando que as novas regras gerais, aplicadas a quem ingressar no sistema após a reforma ou a adoção das regras por Estados e Municípios, haverá uma unificação de alguns requisitos para os professores e as professoras. 

De um modo geral, na sua análise, essa Reforma Previdenciária comporta os principais elementos para a sustentação do regime no Brasil?

Essa resposta é direta ‘não’, a reforma ajusta a questão que envolve os benefícios, dá nortes a serem seguidos, mas ainda falta muito, já que agora, além da implementação das medidas, é preciso que o foco seja cada vez mais na gestão do sistema. Não dá mais para se conceber que o mesmo seja gerido como era até pouco atrás e como ainda vem sendo em alguns casos. Depois da reforma, não dará mais pra pensar que mudar os requisitos de aposentadoria e pensão é a solução para o problema, pois, a meu ver, estamos muito perto do que eu chamo de ponto de saturação, pois considerando a finalidade social dos benefícios previdenciários, não se poderá admitir que se estabeleçam no futuro requisitos que impeçam que a maioria da população usufrua de aposentadorias e pensões ou mesmo que não permitam o sustento dos beneficiários. Porque serão estabelecidas exigências inatingíveis ou mesmo regras de cálculo que façam que seu valor se torne insignificante diante das necessidades do ser humano. Também não podemos achar que o aumento dos segurados contribuindo é a solução, já que no futuro os hoje contribuintes serão aposentados e exigirão mais contribuintes e mais, até que não haja número suficiente para a manutenção do sistema. Isso só retrata que o sistema deve ser repensado como um todo, exigindo, principalmente, que sejam tomadas medidas de gestão que permitam o surgimento de novas formas de financiamento da previdência, assegurando que as contribuições recebidas aliadas a essas formas permitam assegurar os benefícios. Ainda que tenhamos que rediscutir o modelo solidário hoje adotado, o que acredito deve ocorrer num modelo não muito distante. Num futuro bem próximo precisaremos de pessoas que entendam o sistema como um todo e que possam buscar alternativas para a sustentabilidade que vão além das triviais que vem sendo adotadas ao longo dos últimos anos. Estamos cada vez mais perto de virar definitivamente a chave previdenciária do benefício para a gestão. 

A previdência privada é uma boa alternativa? O senhor recomendaria?

A previdência privada, assim como qualquer outro investimento somente será considerada como uma boa alternativa se a pessoa tiver uma característica fundamental, a ‘disciplina’, já que todos se baseiam no compromisso pessoal de realizar os depósitos dos recursos fundamentais à formação das reservas, bem como na adequação da escolha do melhor investimento às suas características pessoais. Em termos de recomendação, o que posso dizer é que todos nós precisamos, antes de qualquer coisa, investir cada vez mais na educação financeira para depois poder escolher os melhores caminhos financeiros para o nosso futuro pessoal e de nossa família.




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