• Cuiabá, 07 de Setembro - 00:00:00

A atenção devida de todos os dias, alerta Hiran Melo sobre suicídio


Sonia Fiori - Da Editoria

Tema que tem pautado debates profundos, o suicídio, pontuando dados alarmantes no país e no Estado, deve ser analisado num complexo cenário de causa e efeito, em que a atenção especial pode fazer a diferença.

A depressão que necessariamente precisa ser superada exige especial fórmula para vencer uma dor silenciosa, da alma. Nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade, o advogado e empresário Hiran Melo discorre essa seara com propriedade, sendo um exemplo de altruísmo, perseverança, força e acima de tudo, fé.

Ao assinalar esse contexto, Hiran Melo lembra ainda que “a OMS (Organização Mundial de Saúde) estabelece que o suicídio é um grave problema de saúde pública e sua prevenção é uma prioridade a ser estabelecida por nossos governantes”, conforme publicação da Agência Brasil.

E crava: “mas essa estratégia vai muito além de se estabelecer políticas públicas, é uma discussão que precisa invadir o seio familiar, as escolas, o ambiente de trabalho, ou seja, as pessoas precisam parar de ignorar esse tema e começar a enfrentá-lo, com a consciência de que é possível evitá-lo e entender a importância das maneiras corretas de se abordar o assunto”.

Histórico e luta

O histórico de vida de Hiran Melo é talhado no fortalecimento tomando como base a fé, considerando a perda de seu pai, o advogado Sócrates Gil Melo em 2017, o suicídio de sua irmã, Flávia Melo, em 2018, e a lida com problemas de saúde de sua mãe.

O enfrentamento encontra braços de apoio à causa, principalmente no campo de debates sobre suicídio, com destaque à participação em audiências e ainda por meio de palestras.

Hiran Melo atua na política desde o PFL, hoje DEM, na direção da Juventude do partido em 2006, e integrando a Executiva nacional. Cobiçado por várias legendas em 2018, disputou cargo de deputado estadual pelo PTB, e é uma das promessas de renovação na política de Mato Grosso.  

Confira a entrevista na íntegra:

Em que pese todo o trabalho de órgãos competentes e de apoiadores de novas políticas, casos de suicídio pontuam aumento no Estado. Por quê?

Ainda que seja um tema complexo, para que possamos entender as estatísticas de casos em nosso Estado, devemos olhar para os números dentro de um contexto científico e considerá-los sem desprezar os indicadores e os comparativos com outros estados, o Brasil, e o mundo. Mas o fato é que devemos ter a consciência que é um problema real, que tem crescido de forma avassaladora nas famílias, e que está mais perto de nós do que imaginamos. E para que possamos entender esse aumento considerável nos casos de suicídio, sem qualquer conhecimento ou estudo aprofundado, basta uma reflexão e vamos identificar que casos de depressão são cada vez mais recorrentes, doenças, frustrações, e tudo isso sinaliza que as emoções estão presentes em todos os indicadores, e este é o primeiro alerta que faço: cuide das suas emoções e também as que provoca nas pessoas com quem convive.

Mas o fato é que devemos ter a consciência que é um problema real, que tem crescido de forma avassaladora nas famílias, e que está mais perto de nós do que imaginamos.

Dados consideram que em 2019 uma pessoa se suicida a cada 36 horas. Podemos afirmar que a política pública é falha na prevenção?

A Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL) nos apresenta números ainda mais preocupantes no Brasil, indicando que a cada 45 minutos uma pessoa tira sua própria vida. Certamente já é um avanço tratar como questão de saúde pública e ver o envolvimento dos atores internacionais com os olhos voltados para essa crescente problemática. Mas ainda estamos engatinhando quando se trata de políticas públicas na prevenção e na posvenção do suicídio. É preciso que tenhamos em mente que a discussão deve ocorrer em todas as esferas, inclusive no legislativo, para estabelecer mecanismos de efetivo auxilio que resultem na diminuição das estatísticas.

O combate ao suicídio, que agora também é foco de debates em audiências públicas, começa dentro de casa?

O combate do suicídio começa na quebra dos tabus e dos preconceitos em torno do assunto, e o desafio é fazer com que a sociedade amadureça e esteja pronta para entender que este mal assola as pessoas de todas as classes, credos e culturas, haja vista que é a exteriorização de conflitos internos e pessoais cuja as causas são as mais variadas, como transtornos mentais, psicológicos, sociodemográficos e etc. O problema é que muitas pessoas que estão pensando em tirar suas próprias vidas ou que já tentaram suicídio não procuram ajuda e, por isso, não recebam o auxílio que necessitam, e por ser um tabu, não é discutido abertamente.

Como, na sua opinião, familiares e amigos podem “detectar” esse problema em quem convive com ele?

Só existem três “sujeitos” capazes de diagnosticar um suicida em potencial: o psiquiatra, o psicólogo e ele mesmo. Contudo, a família, os amigos e os colegas de trabalho são fundamentais nesse processo, pois são os que convivem com a pessoa afetada que percebem os sinais e comportamento de quem está sofrendo esse conflito. Uma segunda dica é observar os seguintes sintomas da depressão: tristeza, durante a maior parte do dia, quase todos os dias; a perda do prazer ou o interesse em atividades rotineiras (anedonia); irritabilidade em excesso (pode substituir o humor deprimido em crianças e adolescentes); manifestação e frases de desesperança; queda da libido e isolamento; perda ou ganho de peso injustificável; dormir demais ou de menos, ou insônia; demonstração de fraqueza e força o tempo todo, sem energia; falta de motivação, ansiedade ou introspecção; mudança drástica de comportamento; dificuldade de concentração, tomada de decisões e dificuldade de memória; automutilação, e  etc...

Só existem três “sujeitos” capazes de diagnosticar um suicida em potencial: o psiquiatra, o psicólogo e ele mesmo.

Você é um exemplo de alguém que convive com a dor da perda de familiares. Como superar essa dor, há uma fórmula?

Certamente ninguém está preparado para enfrentar um caso de suicídio na família, é inimaginável tal situação. Ninguém pensa: “eu acho que fulano vai tirar a própria vida, deixa eu me fortalecer e me preparar”. Ainda que as pessoas manifestem sinais, nós nunca queremos acreditar que isso de fato vai acontecer. Outro detalhe é que o luto parece não ter prazo para passar, a todo momento as lembranças revivem o acontecido, e não se pode negar que o suicídio deixa um rastro de destruição, onde todos sentem-se responsáveis pela decisão de quem tomou. Mas existem três coisas que amenizam essa dor: primeiro, o tempo. Invariavelmente o passar do tempo vai organizando as emoções, a impotência, o trauma, a ausência, o vazio, a angústia, o inconformismo e tantos outros reflexos acarretados pela perda do ente querido. Segundo, ajudar o próximo. Descobrir que você pode ajudar as pessoas é um refrigério para ”os sobreviventes” dessa tragédia. E terceiro, a manifestação do amor. Não há nada mais confortante do que receber e dar amor, e por incrível que pareça as pessoas acabam tentando ignorar tudo que aconteceu com o receio de trazer à memória quando tocam no assunto, mas o fato é que não há nada mais edificante do que um carinho, um olhar de ternura e um abraço acolhedor. Esse, dentre os três, é sem dúvida o maior antídoto para os que tentam sobreviver em meio da dor.

O suicídio deixa um rastro de destruição, onde todos sentem-se responsáveis pela decisão de quem tomou.

Em que momento você se posicionou sobre a necessidade de ajudar, de dar exemplo de força?

Eu sempre fui um alicerce para minha família, é como se eu tivesse sido treinado para isso. Mesmo com as minhas imperfeições eu decidi dar a resposta certa diante das circunstâncias, por isso o desejo de estar próximo, compartilhar a dor alheia e servir as pessoas é algo genuíno. Não me considero uma pessoa forte, mas sim alguém que se prontifica mesmo diante de suas fraquezas. No caso de minha irmã, foi preciso que eu tomasse a frente desde o primeiro momento, cheguei logo após o fato no local, então ajoelhei ao seu lado e diante da minha fé e convicções a primeira coisa que eu fiz foi orar agradecendo à Deus por tudo que ela foi e sempre será para todos nós, então tomei as providências, comuniquei toda família, acompanhei a polícia, atendi o desejo de minha mãe e avó que era enviar o corpo para que elas pudessem velar, enfim, fiz o papel que se espera de um irmão mais velho.

Não me considero uma pessoa forte, mas sim alguém que se prontifica mesmo diante de suas fraquezas.

O contexto da fé pode ser a saída ou alternativa para quem não vê mais sentido na vida?

A fé não é uma saída ou alternativa, Fé é oxigênio para a vida. A Bíblia define a fé no livro de Hebreus, capítulo 11, versículo 1: “Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”, mas quando uma pessoa está pensando em tirar a própria vida, ela precisa mais de amor, porque as emoções estão doentes e o amor tem poder de transformar as emoções. Precisamos entender que as emoções são fruto das nossas convicções erradas, crenças limitantes, patológicas e por isso, as doenças emocionais precisam ser tratadas preventivamente, desde a infância.

Na sua análise, o campo da internet pode contribuir para um suicídio, levando em consideração a “pressão” ou sensação de que a maioria das pessoas são felizes?

Com o avanço da tecnologia muitas esferas têm melhorado sobremaneira, contudo, a linguagem de comunicação hoje se transformou completamente, e com isso as pessoas estão dentro da própria casa e mesmo assim estão distantes. Com a facilidade das pesquisas e exposição nas redes sociais, as pessoas têm muita informação e ao mesmo tempo não tem nada na essência, e por fim sentem-se frustradas e solitárias. O universo virtual tem provocado vários distúrbios, além de possibilitar acessos que induz o suicídio, pois há estudos demonstrando que muitos casos de suicídio foram precedidos de pesquisas na internet e até mesmo acessos a “deep web”. Os adolescentes apresentam-se como o público em maior contato com o mundo da internet, pois são vulneráveis emocionalmente e figuram, consequentemente, como alvos fáceis para a prática da agressão virtual e de conteúdos impróprios sobre a depredação e autoaniquilação, elementos atuantes para que o adolescente suicida não seja impedido ou até mesmo estimulado a cumprir seu objetivo irreversível. Devemos estar vigilantes com o comportamento, e perceber quando a pessoa está sempre se ocultando, ou quando posta conteúdo que sugerem apologia ou despedidas, pois quem é capaz de pensar é capaz de realizar.

A fé não é uma saída ou alternativa, Fé é oxigênio para a vida.

Como dissociar depressão de uma tristeza comum?

Quando o suicídio é discutido, busca-se, em geral, desvelar motivos, situações, ou causas específicas que expliquem o porquê de alguém decidir tirar a própria vida. A busca em esclarecer traz a sensação momentânea de justificar ou servem para iluminar o terreno sombrio e desconhecido do suicídio para aqueles que não sentiram o vazio profundo e perturbador da necessidade de morrer. Desvelar o gatilho da morte voluntária não é o suficiente para compreendermos a totalidade do desejo de alguém querer morrer. É preciso um contato com experiências reais e entender que uma das necessidades básicas do ser humano é o “pertencimento” e essa busca faz com que o indivíduo pratique ações determinadas para se inserir, e a frustração acaba levando o caminho oposto. Para que possamos nos aprofundar no assunto e avançarmos nas estratégias cada vez mais eficazes na prevenção do suicídio devemos ficar atentos aos que, de alguma forma, se desconectam dos seus ambientes.

Há pesquisas que apontam que idosos e adolescentes são mais vulneráveis à depressão. Então o foco da atenção deveria ser, na sua opinião, sobre esses dois grupos?

Acredito que quando falamos em prevenção devemos agir na matriz de todo o mal, e não em seus desdobramentos. Segmentar em grupos é uma estratégia desinteligente, uma vez que a maior âncora do indivíduo é a família, e a restruturação desse ambiente que está cada vez mais banalizado, é o que realmente vai determinar a saúde emocional do indivíduo e consequentemente da sociedade. Ainda que ao identificar a maior incidência demande uma intervenção pontual e imediata, não significa que as estratégias não devam ser estabelecidas também a longo prazo, o que implica pensar em soluções que possam alcançar a raiz do problema, e não apenas suas consequências. Precisamos compreender que uma nação é constituída de pessoas, e essas pessoas precisam ser cuidadas com zelo e encargo. Tenho a esperança do Estado Brasileiro avançar na educação dentro das escolas dando prioridade em matéria de inteligência emocional, assim como estuda português, matemática, geografia etc., acredito que conseguiríamos avançar com uma geração de pessoas mais acertadas nas suas emoções, um campo tão complexo e importante para se conseguir alcançar o sucesso em todas as demais áreas de nossas vidas, profissionais, sociais e familiares. 

Considerando tratamentos como a psicologia e a psiquiatria, o que é mais eficiente na sua avaliação?

Na minha opinião, não se trata em se estabelecer o que é mais eficiente, mas sim a imprescindibilidade da ajuda profissional. O que vai determinar a escolha é o grau ou intensidade das manifestações apresentadas, assim como a gravidade do problema, que vai desde transtornos mentais, sociodemográficos, psicológicos até condições clínicas incapacitantes, e cada causa é ligada ao profissional que lhe compete.

Sua mensagem.

Atenção! Os principais fatores de risco para o suicídio são: história de tentativa de suicídio, transtorno mental. Mitos: os pacientes que falam em suicídio raramente o cometem. Perguntar sobre suicídio pode provocar atos suicidas. Realidade: os pacientes que cometem suicídio normalmente dão alguma pista ou aviso antecipadamente. As ameaças devem ser levadas a sério. Perguntar sobre suicídio frequentemente reduzirá a ansiedade a respeito deste tema; o paciente pode sentir-se aliviado e melhor compreendido. Frases de alerta: “eu preferia estar morto”, “eu não posso fazer nada”, “eu não aguento mais”, “eu sou um perdedor e um peso pros outros”, “os outros vão ser mais felizes sem mim”. Observe os 4Ds: depressão, desesperança, desamparo e desespero. Levar a sério as ameaças. E como ajudar a pessoa sob risco de suicídio? O primeiro passo é achar um lugar adequado, onde uma conversa tranquila possa ser mantida com privacidade razoável. O próximo passo é reservar o tempo necessário. Pessoas com ideação suicida usualmente necessitam de mais tempo para deixar de se achar um fardo. É preciso também estar disponível emocionalmente para lhes dar atenção. A tarefa mais importante é “ouvi-las na essência, dispensando julgamento”, conseguir esse contato é por si só o maior passo para reduzir o nível de desespero suicida. O objetivo é preencher uma lacuna criada pela desconfiança, pelo desespero e pela perda de esperança e dar à pessoa esperança de que as coisas podem melhorar, ou seja, trabalhar com a resiliência. Ouça com cordialidade. Trate com respeito. Empatia com as emoções e cuidado com o sigilo.






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