• Cuiabá, 04 de Setembro - 2025 00:00:00

Decreto das armas e o impacto da derrota no Senado sob os principais analistas políticos de MT


Sonia Fiori - Da Editoria

A mais nova derrota do governo Jair Bolsonaro no Congresso, ao ser pontuada a derrubada do decreto presidencial que flexibiliza a posse e o porte de armas no Brasil – dependendo da confirmação no Plenário da Câmara Federal, abre campo de avaliação acerca do impacto político do resultado – em vertentes pontuadas nesta Entrevista da Semana Especial ao FocoCidade pelos analistas políticos Alfredo da Mota Menezes, João Edisom, Onofre Ribeiro e Lourembergue Alves.

Considerando os termos da aplicação da Constituição, Lourembergue Alves descreve o enredo do decreto, a derrota do governo, assinala as “atrapalhadas” ações e destaca a seara que pode confirmar novo nocaute. “Ainda que as bancadas da bala e ruralistas tenham cerca de 300 integrantes. Mesmo que o decreto do governo tenha êxito, o que é bastante difícil, mas não impossível, o seu mérito chegará ao Supremo Tribunal Federal. E, neste caso, preponderarão os pilares da Constituição.”

Onofre Ribeiro e João Edisom comungam, entre outros aspectos, da tese de que o desfecho no Senado foi um sonoro recado ao presidente: de que ele “não manda” no Congresso.

“O terceiro fator é a decisão tomada não tem nada a ver com aceitar flexibilizar ter arma ou não ter arma. A decisão foi tomada com um único princípio: vamos pegar o que é da bandeira do presidente eleito e dar uma resposta para ele. Ele não manda no Congresso e não adianta jogar para a torcida. Nós estamos dizendo não para o presidente”, ressalta João Edisom.

Em trecho da análise, Onofre Ribeiro crava: “então estamos falando na verdade numa questão de Pacto Federativo: quem manda, e quem não manda”.

Ao discorrer sobre o tema, Alfredo da Mota Menezes acentua a interpretação sobre o poder de fiscalização dos Parlamentos. “Será que estamos vendo um Congresso voltar à função de Congresso que é fiscalizar o Executivo, que é também negar coisas para o Executivo? E que nos últimos governos, não interessa de que lado fosse, o Congresso fazia tudo o que os governos queriam. Tinham cargos, tinham funções, tinham emendas para liberar, aquela coisa toda e não estava funcionando e se espalhou pelo Brasil”.

Confira as análises na íntegra:

Onofre Ribeiro

Essa questão do decreto das armas, isso deixou de ser o decreto das armas e passou a ser uma queda de braço política entre o Senado e o presidente Bolsonaro. Vamos ver. A Câmara está brigando com a Reforma da Previdência e já umas duas vezes a Câmara mostrou para o presidente derrotas orçamentárias, ela já mostrou para o presidente quem é que manda, porque a Constituição na verdade dá muito poder ao Congresso. Os presidentes anteriores, Lula, Dilma, Temer governaram através do chamado presidencialismo de coalizão, ou seja, governa de comum acordo com o Congresso na base do toma lá, dá cá. A coalizão significa na verdade isso, toma lá, dá cá.

O Bolsonaro está segurando esse toma lá, dá cá porque é um compromisso que ele fez durante a campanha, e aí a Câmara está fazendo um auê em cima da previdência e nas derrotas anteriores para mostrar que sem toma lá, dá cá ele não consegue governar.  

Como a previdência hoje é a grande questão e ela vai chegar ainda ao Senado, e vai chegar num nível tal que o Senado não pode mexer muito nela, então o Senado está começando a mostrar agora para o Bolsonaro o poder que ele tem. Então essa questão do decreto das armas é muito mais uma revanche do Senado contra o Bolsonaro do que propriamente votar contra o decreto das armas.

O decreto na verdade é só um detalhe para esconder a briga entre Senado e presidente. Quando é que um senador, por exemplo, como Jayme Campos que não tem convicção ideológica iria votar contra. Quando é que Wellington Fagundes que não tem convicção ideológica iria votar contra? Votou obedecendo a orientação geral do Senado que é: vamos provar para o presidente que nós mandamos também. Então estamos falando na verdade numa questão de Pacto Federativo: quem manda, e quem não manda.

João Edisom 

Essa questão eu vejo ela por três perspectivas bem diferentes uma da outra. A primeira é a incapacidade do Estado de dar segurança ao cidadão, é tanto que isso foi bandeira do presidente eleito, gostando dele ou não gostando a população votou e um dos carros-chefe na fala dele muito forte era justamente essa questão. O segundo fator, era uma decisão do presidente da república, e o terceiro fator foi a votação (do decreto).

Então se nós partirmos do princípio da forma que a sociedade está, embora saiu uma pesquisa falando em 51, mas não acredito nisso, acredito que a maioria da população realmente quer ter a arma porque não sente proteção do Estado. Não vejo isso como solução, mas é um desejo da população.

O segundo fator é a forma como o presidente tem conduzido a presidência da República, com outro presidente ou num outro momento se ele tivesse tratado isso de forma política, ele teria conseguido a aprovação.

O terceiro fator é a decisão tomada não tem nada a ver com aceitar flexibilizar ter arma ou não ter arma. A decisão foi tomada com um único princípio: vamos pegar o que é da bandeira do presidente eleito e dar uma resposta para ele. Ele não manda no Congresso e não adianta jogar para a torcida. ‘Nós estamos dizendo não para o presidente’. O que significa isso? Primeiro, não precisaria a votação ter ocorrido ontem (terça-feira – 18), esse é um fator. Ao trazer, e considerando que o Moro ia hoje (quarta-feira – 19) no Senado, então ao trazer isso para o dia de ontem foi meramente picuinha, parecendo moleque de escola. A questão ela é muito cedo para ser decidida, tem que ser debatida com maior profundidade essa questão. Eu não vejo como uma legislação, soltando o Brasil afora desse jeito, é assim que se faz. Nós temos coisas aí muito interessantes que precisam ser debatidas, o local que a pessoa está, como vive, a possibilidade de o Estado levar a segurança, não levar a segurança, como que se faz esse tipo de coisa. Não é simplesmente uma lei como se o Brasil fosse igual para todos.

Outra questão é o próprio debate sobre armamento ou desarmamento. Você não pode comparar o cidadão da Paulista com o cidadão de Presidente Figueiredo no Amazonas, ou o cara que mora no centro de Cuiabá com o cara que mora a 70 km de Vila Rica, enfiado no mato no extremo de Mato Grosso, não é?

Então assim, existe um conjunto de coisas que precisam ser refinados em relação a isso. A princípio, se não pode fazer isso, é melhor a questão do armamento. O que me deixa triste é que a questão ontem não tem nada a ver com isso. Ninguém estava discutindo, eu vi pela TV Senado o tempo todo, ninguém estava debatendo a importância, como teria que trabalhar isso, diversidades do Brasil, então essa coisa não é simples. Não é dizer simplesmente ninguém deve ter arma, ou dizer: não, todo mundo vai comprar arma. Isso não passou pela cabeça de ninguém que estava debatendo lá. A questão é a seguinte: vamos impor uma derrota ao presidente Jair Bolsonaro e mandar um recado para ele, nada mais do que isso. Então é muito triste quando você tem uma questão tão séria, que mundo afora está todo mundo discutindo, todos os países estão discutindo a questão de porte de arma, questões de desarmamento, uma série de coisas, então o debate não foi didático. Como não foi didático, sabe o que vai acontecer? Daqui a pouco ele volta à tona de novo e numa calada da noite aí, aprovado uma regra geral para todo mundo, e aí nós vamos ter uns ‘bang-bang’ pela rua.

Alfredo da Mota Menezes

Vou analisar por um outro lado. Quem sabe está surgindo um algo novo no Brasil no Congresso Nacional. O que eu quero dizer, não sei, ninguém sabe se é porque Bolsonaro falou que não queria a velha política, o Congresso anda meio enviesado com ele. Não se sabe, eu acredito que pode ser isso. Os deputados aprovaram a emenda de bancada impositiva, já havia a emenda parlamentar individual impositiva, agora a de bancada, querendo dizer o seguinte: que não precisa mais de pedir para presidente da República para liberar as emendas, e desde o governo Fernando Henrique, Lula, Dilma, eu não lembro, e claro que deve ter tido, mas assim de memória, que o governo tenha perdido ações, digamos assim, no Congresso. Agora na primeira praticamente o Bolsonaro já perdeu, e vai perder também aquela sobre trânsito, cadeirinha de criança no carro, aquela coisa toda. E o Congresso está falando também, o Maia e o Alcolumbre, em criar um plano econômico alternativo para o Brasil, porque a hora que passar a Reforma da Previdência, a Tributária ou junto com a Tributária, nesse semestre mesmo vão apresentar um plano econômico não confrontando o governo, fiz tudo isso para chegar no seguinte: será que estamos vendo um Congresso voltar à função de Congresso que é fiscalizar o Executivo, que é também negar coisas para o Executivo? E que nos últimos governos, não interessa de que lado fosse, o Congresso fazia tudo o que os governos queriam. Tinham cargos, tinham funções, tinham emendas para liberar, aquela coisa toda e não estava funcionando e se espalhou pelo Brasil. Vamos pegar um caso concreto do governo Dilma e o Guido Mantega. Aquela nova matriz econômica criada no governo Dilma, estava na cara que ia levar o que levou. Busca aí a nova matriz econômica, entra na internet, um absurdo do absurdo e o Congresso não fez nada, absolutamente nada. Aqui, em 2013, 2014, a Assembleia, o Silval fez o que quis, aprovou o que quis e tudo mais e a Assembleia não tomava conta e não toma conta. Não estou falando em corrupção não, porque os Parlamentos, Câmaras, Assembleias e o Congresso deixaram de exercer a principal função que é fiscalizar o Executivo. Volto ao ponto de partida. Será que pela maneira do Bolsonaro ser, um tanto quando esquisita, será por que estão sentindo um vazio nesse espaço, será porque a emenda agora é impositiva, será por isso, será por aquilo que o Congresso pode voltar a ser Congresso e entre outras funções fiscalizar o Executivo, e também tomar algumas medidas próprias? Aquilo que negaram do Bolsonaro e podem negar outras coisas, eu estou torcendo, e queria terminar com esse ponto de vista, de que quem sabe o Congresso volte a ser como no passado o Congresso brasileiro tenha sido, fiscalizar o Executivo e que isso espalhe pelo Brasil inteiro, pelas Assembleias Legislativas e Câmaras municipais também.  

Lourembergue Alves

Inicialmente, cabe dizer que o decreto das armas contempla tanto a posse quanto o porte, apresentado originalmente em 24 páginas. O governo tem dito que é uma promessa de campanha do candidato Jair Bolsonaro. Tal afirmação é repetida pelos seus apoiadores e também por parte de seus eleitores. Acontece, porém, que o candidato do PSL a presidência da República jamais prometeu o “porte” de armas. Ele falou e prometeu a “flexibilização” da posse de armas. Ninguém flexibiliza o inexistente. Flexibilizar, de acordo com o dicionário da língua portuguesa, é tornar mais flexível, tornar menos rígido, fazer ajustes.

Ora, ora, não se flexibiliza algo inexistente, mas evidentemente o que já existe. Assim, a posse de armas já é existente no país. Muitos brasileiros, no entanto, tinham dificuldades, por meio legal, em ter uma arma em casa. Então, o governo com o seu decreto torna esse processo menos exigente, menos dificultoso para que um maior número de brasileiros consiga sua posse de armas. Até aí, tudo bem. Mas não satisfeito, e querendo jogar para a plateia, o governo acrescentou ao seu decreto o artigo 20, permitindo o “porte” de armas. Este artigo, contudo, é completamente inconstitucional, agride de morte uma lei, o Estatuto do Desarmamento. Vários juristas têm levantado a questão da inconstitucionalidade.

Diante das críticas, ok governo resolveu cortar alguns itens do seu próprio decreto, mais precisamente nos artigos 2, 9 e 10. Isto não amorteceu as críticas. Críticas que são endossadas por congressistas das mais variadas correntes partidárias. Foi neste clima, não favorável ao governo, que os senadores apreciaram o dito decreto. 47 senadores manifestaram a favor da “derrubada” do decreto (e a favor do decreto legislativo) e 28 votaram com o governo.

Os senadores do PSL apoiaram o governo e os do PT, claro, contra. Mas em outras siglas, a divisão sobre o tema ficou bastante clara. Parte dos senadores do DEM votou a favor e outra parte contra. No PSDB também registrou essa divisão de entendimento. Agora, a bola se encontra com a Câmara Federal. Nesta Casa, há uma situação a ser considerada: a chamada bancada ruralista, ao menos em sua maioria, tende a apoiar o governo, pois comunga com a ideia de se ter o “porte” e a “posse”. Igualmente se pode dizer com relação à denominada bancada da bala. Portanto, há aqui certo refresco para o governo.

Ainda assim, não se pode precipitar a avaliação, pois existem vários deputados federais, em determinadas ocasiões, a respeitar o que é ou não constitucional. Isto pode ser um complicador. Ainda que as bancadas da bala e ruralistas tenham cerca de 300 integrantes. Mesmo que o decreto do governo tenha êxito, o que é bastante difícil, mas não impossível, o seu mérito chegará ao Supremo Tribunal Federal. E, neste caso, preponderarão os pilares da Constituição. É o que se espera.

Isto posto, cabe retomar ao resultado da votação do Senado. Não se tem dúvida que o governo foi derrotado. Não foi a primeira vez. Já aconteceu outras vezes, a exemplo da discussão sobre o COAF no Ministério da Justiça e da segurança Pública. Nesta ocasião, alguns senadores da oposição votaram a favor do governo (pela manutenção do COAF com o Ministério chefiado por Sérgio Moro), como o senador do Amapá, Randolfe Rodrigues (REDE).

Este senador, aliás, foi contrário ao decreto das armas, e registrou as seguintes palavras em seu faceboock: “Não tenho segurança armada e nem ando de carro blindado! Sou um entusiasta da cultura de paz e não acredito que armas tragam segurança. Por isso comemoro nossa grande vitória contra o decreto das armas...” Frases que dão a clareza da derrota do governo no Senado, mesmo que o presidente da República ainda conte com certa simpatia e apoio de uma parte da população. Não mais com igual número em que saíra das urnas de 2018. Por força, é claro, de atrapalhadas do próprio governo. É isto. 




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