• Cuiabá, 05 de Setembro - 2025 00:00:00

Direitos e garantias individuais previstos na CF são indeclináveis. Não podem ser objeto de flexibilização, assevera Victor Maizman


Sonia Fiori - Da Editoria

Num momento em que “a crise” na economia passou a figurar como centro de atenção e justificativas do Poder Público para dar impulso às reformas, eis que se faz necessária reflexão sobre o que de fato pode representar mudanças de texto, leia-se a Reforma Tributária, no bolso do cidadão.

Assim, o sonho da redução de impostos, tem grandes chances de virar “pesadelo”.

Consultor jurídico tributário, sendo uma das referências na área no Estado, o advogado Victor Humberto Maizman, nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade, expõe um universo complexo que paira entre a legislação – fiel à Constituição, e as interpretações da Justiça – no campo do Supremo Tribunal Federal (STF) – que por vezes provocam questionamentos se levado ao pé da letra a Carta Magna – favorecendo uma política ávida de Estado sobre o contexto da tributação.

Quando o tema se refere aos incentivos fiscais, Maizman, defensor dos benefícios, assinala a importância da política de concessão ao pleno desenvolvimento do Estado – e como instrumento propulsor à atração de novos investimentos – sendo fundamental nos planos de real industrialização de Mato Grosso.

Sobre o Fethab, considerando a taxação do agro, o advogado volta a frisar o quadro de insegurança jurídica se analisada a aplicação de recursos em áreas que deram origem ao fundo – transporte e habitação.

Maizman também acentua outros tópicos inerentes à seara da tributação que atinge em cheio o orçamento da população – como a alta carga tributária disposta na cobrança do ICMS sobre a energia elétrica. Destaca nesse sentido o anteprojeto de lei – visando reduzir o imposto do ICMS sobre a energia elétrica em Mato Grosso, de autoria do deputado Faissal Calil.

E como a voz da maioria é imperiosa, eis que esse tema remete, no mínimo, à necessidade de união da sociedade visando a aplicação da “justiça social”.

Confira a entrevista na íntegra:   

Num momento de crise na economia, leia-se país e Estado de Mato Grosso, quais as perspectivas sobre uma real Reforma Tributária – considerando a aposta de especialistas no assunto de que o “sonho” do contribuinte de redução nunca irá se concretizar?

De início é importante ressaltar que no contexto estadual é notória a crise fiscal, onde a despesa com a folha de pagamento é maior do que a arrecadação, ou seja, em razão da regra constitucional que garante a estabilidade do servidor público e a irredutibilidade salarial, a solução matemática para resolver a questão seria majorar então a carga tributária. Porém, a própria Constituição Federal impõe que cabe ao Poder Público fomentar o desenvolvimento econômico e a redução das desigualdades sociais, de forma que para isso precisa atrair investimento, cuja estratégia principal é minimizar a carga tributária. Por outro lado, está evidente na proposta de reforma tributária apresentada no Congresso Nacional que há uma discussão entre a União, Estados e Municípios para ver quem vai ficar com a maior parte da arrecadação, sem contudo, tratar especificamente da redução da carga tributária.

Existe um contrassenso entre “arrecadação” e despesa no Estado – com aumento de receita se comparado ao mesmo período do ano passado – mas que amarga os reflexos de uma folha de pagamento em ordem ainda mais crescente. Que conselho o senhor daria aos gestores nesse cenário?

A conta não fecha de fato. Porém, se não há como mais majorar tributos em razão da elevadíssima carga fiscal, então cabe aos gestores buscar fomentar as reformas constitucionais no sentido de minimizar todos esses entraves que atrasam com o desenvolvimento social. O primeiro passo está sendo dado no tocante à Reforma da Previdência.  Assim, entendo que deverá, ao meu ver, ainda caminhar para outras reformas, em especial a reforma do Estado, devendo haver um amplo debate sobre a estabilidade do servidor público. Pontualmente vejo que o atual governador está enfrentando a crise fiscal. Porém, não vejo outra solução senão tentar enxugar ao máximo as despesas. 

Porém, não vejo outra solução senão tentar enxugar ao máximo as despesas. 

O Estado atravessa contratempo em relação à greve na Educação. Do lado do Governo é pontuada a total impossibilidade de conceder reajuste. Do lado dos sindicalistas, aumentam questionamentos sobre a capacidade de o Executivo vir a contemplar reivindicações, desde que se altere a ótica sobre temas como a “renúncia fiscal”. O senhor defende os benefícios fiscais, mas sob que termos?

A renúncia fiscal está no campo da carga tributária. Está comprovado através de levantamento técnico, o qual deverá ser confirmado através de uma perícia judicial requerida pela Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso, que para cada R$ 1,00 renunciado há um retorno social de quase R$ 1,50. Para tanto, é necessário que os programas de incentivos sejam transparentes e ostensivamente fiscalizados, a fim de evitar que sejam concedidos incentivos que não tragam de forma comprovada o retorno social almejado. Repito, é ‘dever’ do Poder Público fomentar o desenvolvimento sócio e econômico do Estado. Se houver outra forma de fomentar o desenvolvimento sem conceder incentivos fiscais, deixo de defender essa questão.

A gestão pública tem uma capacidade voraz para implementar os mais diversos tipos de impostos e taxas. Não há contrapartida na mesma ordem. Muitos cidadãos indignados buscam a Justiça – mas a própria Justiça tem aplicado interpretações em alguns casos “favoráveis” ao Estado – em detrimento ao cumprimento fiel à Constituição, leia-se o direito do cidadão. Quais as consequências dessa insegurança jurídica? 

O Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal vem de forma recorrente se pronunciando ao votar nos processos em trâmite naquela Corte de que estamos vivendo “tempos difíceis” ao criticar algumas interpretações que são dadas pelos seus colegas. Concordo com ele nesse sentido ao mencionar que o STF por maioria de votos entendeu que o Estado pode lançar mão de meios coercitivos de cobrança de tributos, à exemplo de apreensões de mercadorias e restrições do gênero por entender que deve prevalecer o interesse arrecadatório em detrimento dos direitos e garantias individuais do cidadão conforme previstos na própria Constituição Federal. Aliás, o próprio STF editou três súmulas cujos enunciados em síntese dispõe que não cabe ao Poder Público usar de tais meios coercitivos para exigir tributos. Porém, tais proposições estão sendo flexibilizadas em prol do interesse arrecadatório. Nada mais absurdo! Os direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal são indeclináveis! Não podem ser objeto de flexibilização! Tempos difíceis! Porém, prefiro acreditar que o cidadão precisa reagir e acreditar na Justiça, porque segundo Rui Barbosa, se deixarmos de acreditar na Justiça então, por certo, estaremos fadados a total falência do Estado que chamamos de democrático. Assim na defesa dos interesses daqueles que confiaram a mim tal mister, vou recorrer em todas as instâncias até que seja restabelecida a Justiça. 

Se houver outra forma de fomentar o desenvolvimento sem conceder incentivos fiscais, deixo de defender essa questão.

A bandeira da industrialização de Mato Grosso é antiga e se renova recentemente com apelo de representantes do setor no Estado. Qual o “pecado” do Estado até aqui por não ter avançado?

Os outros setores da economia são importantes, mas nenhum se compara a industrialização, uma vez que comprovadamente as regiões industrializadas são mais socialmente desenvolvidas. É certo que o Estado tem buscado o desenvolvimento social, porém é necessário ter mais agilidade, ser menos burocrático. Concordo, porém, que há necessidade de mudar a legislação no sentido de destravar os programas que fomentam a industrialização. O exemplo maior dessa questão é no sentido de que deve ser permitido aos Estados menos desenvolvidos a prerrogativa de conceder incentivos fiscais sem a necessidade de ser aprovado a unanimidade pelos demais Estados da federação, conforme previsto na legislação em vigor. Ora, é Princípio Geral de Direito de que os desiguais, leia-se os Estados, devem ser tratados de forma desigual. Não se pode comparar o Estado de São Paulo no tocante a industrialização com o Estado de Mato Grosso. Afinal de contas, quem disse que o Estado de Mato Grosso não pode ser industrializado?

Ora, é Princípio Geral de Direito de que os desiguais, leia-se os Estados, devem ser tratados de forma desigual.

A taxação do agro, na sua avaliação, foi medida certeira do Estado - mesmo que enfrentando resistências?

A taxação do agro decorre da exigência das contribuições para o FETHAB – Fundo de Transporte e Habitação. Já defendi que a legislação que exige tais contribuições viola a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Destarte, se analisar no campo jurídico, a medida não foi certeira, porque se lá na frente o Poder Judiciário confirmar a invalidade da legislação, haverá um passivo criado, posto que caberá ao Estado devolver tais valores recolhidos de forma indevida para aqueles que fizerem tal requerimento.

Recentemente o deputado Faissal Calil apresentou na AL um anteprojeto de lei – visando reduzir o imposto do ICMS sobre a energia elétrica em Mato Grosso.  Na justificativa do projeto, o deputado considerou que “as alíquotas que estão em vigência na legislação estadual para energia elétrica merecem revisão considerando que o ICMS é um imposto plurifásico e não cumulativo que onera o consumo, portanto não existe um meio de mensurar a capacidade econômica do contribuinte, uma vez que não se sabe ao certo o sujeito que será o último destinatário do produto ou serviço, dando fim a ciclo de industrialização e de circulação”. Concorda?

Perfeitamente. Aliás fui procurado pela assessoria do aludido parlamentar para tratar sobre o assunto, uma vez que represento entidade de classe industrial junto ao STF com tal demanda. De fato, o custo do ICMS é repassado para o consumidor final, de forma que agrega sobremaneira no preço do produto fornecido. Desse modo, não resta dúvida de que a carga tributária impacta diretamente e de forma relevante no preço da fatura de energia. O projeto também acentua que “a alíquota em vigência é de 27% incidente sobre o consumo de energia, em verdade, na prática, equipara a uma alíquota real de 34,29%, porque o ICMS incide sobre si próprio conforme prevê as exigências da Lei Complementar 87/96”.

A tese de defesa é no sentido de que a alíquota de ICMS deve obedecer o princípio da seletividade conforme previsto na Constituição Federal, ou seja, quanto mais essencial o produto ou serviço, menor deverá ser a alíquota.

Como esse quadro é alvo de ações na Justiça, o senhor diria que o projeto na AL pode ser o melhor caminho para uma alteração no percentual cobrado?

Uma frente já está em trâmite, que é através da provocação do Poder Judiciário. Hoje a questão está no STF e aguarda-se o seu julgamento. A tese de defesa é no sentido de que a alíquota de ICMS deve obedecer o princípio da seletividade conforme previsto na Constituição Federal, ou seja, quanto mais essencial o produto ou serviço, menor deverá ser a alíquota. No tocante ao projeto legislativo, há necessidade de que a sociedade abrace tal questão, uma vez que é de interesse de todos. Nesse caso entendo que todos os segmentos representativos devem apoiar a causa e defender os interesses de suas respectivas categorias. Se existem categorias que defendem o aumento de despesas, por sua vez, as categorias que representam a grande maioria da sociedade, devem defender a redução da carga tributária.




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