Sonia Fiori – Da Editoria
O cenário parece desolador se levado ao pé da letra apenas o discurso de crise emblemática nos cofres públicos. Mas as perspectivas, a partir de medidas austeras do Estado, somadas à revisão de leis, caso dos incentivos fiscais, e a matriz do plano de desenvolvimento econômico alinhada ao contexto do Governo Federal, configuram projeção de recuperação fiscal e financeira.
A análise é pontuada nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade pelo economista Vivaldo Lopes, descrevendo com capilaridade a performance do Estado de Mato Grosso no enfrentamento ao aperto de cinto – sintomático ao déficit de quase R$ 4 bilhões deixado pela gestão Pedro Taques.
“Com a principal receita estadual, o ICMS, crescendo 4,8% ao ano, em média acima da inflação e as despesas crescendo a 19,5%, chegar ao final de 2018 em situação pré-falimentar era como uma crônica de um desastre anunciado”, assinala.
Vivaldo Lopes mede os efeitos práticos do Decreto de Calamidade Financeira do Executivo estadual. “Portanto, os efeitos práticos da calamidade financeira deram-se mais no sentido de denunciar o caos financeiro e econômico em que a atual administração recebeu os cofres estaduais e compartilhar com todos os contribuintes-cidadãos”.
Perfaz ainda apontamento efetivo sobre o contexto das medidas do Governo que tem como foco o corte de gastos. “No campo das despesas, a administração atual tomou decisões acertadas e está fazendo os procedimentos necessários no início da gestão enquanto o capital político ainda está elevado”.
Na entrevista, ele assinala outros acertos do Executivo, como em relação ao novo Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab). “Alertei para o fato de que o governo que estava chegando não exagerasse na dose do novo Fethab. Se errasse a mão, poderia sim, comprometer a lucratividade do principal segmento econômico do estado. Vejo que não houve exagero na nova tributação”.
E com propriedade, o economista assevera a boa dinâmica da economia do Estado considerando a veia da arrecadação, além de destacar outros instrumentos que podem criar ambiente promissor ao Estado, mas que precisam de força no Congresso – leia-se as mudanças sobre o formato de compensação da Lei Kandir.
Confira a entrevista na íntegra:
Já estamos em março e o discurso de extrema crise no Governo e prefeituras permanece o mesmo, considerando medidas já instituídas em relação aos cortes nas despesas. Isso aponta para um campo sombrio de resultados somente a médio e longo prazo?
A situação deficitária do estado é muito grave. As prefeituras estão em situação mais favorável. Fizeram melhor o dever de casa ao conter os gastos com a chegada da recessão econômica iniciada em 2014 e que somente terminou em 2106. Os prefeitos aproveitaram bem os recursos do FETHAB que couberam aos municípios e executaram cirúrgicos investimentos na infraestrutura das suas cidades. A administração estadual gritou muito sobre a crise a partir de 2015 mas fez muito pouco para conter os gastos operacionais da máquina pública, especialmente as despesas de pessoal ativo e aposentadorias. Com a principal receita estadual, o ICMS, crescendo 4,8% ao ano, em média acima da inflação e as despesas crescendo a 19,5%, chegar ao final de 2018 em situação pré-falimentar era como uma crônica de um desastre anunciado. Era apenas questão de tempo. Recolocar as finanças estaduais em equilíbrio novamente, no mesmo patamar deixado pelo governador Blairo Maggi, é tarefa de resultados a médio prazo. Estimo que o governo atual vai gastar todo o primeiro ano nesse árduo desafio. Se tiver sucesso, o estado poderá retomar o equilíbrio fiscal em 2020.
Na prática, o Decreto de Calamidade Financeira do Estado pode consolidar o respaldo esperado pelo Executivo em termos das finanças junto ao Governo Federal ou o efeito ganha mais notoriedade no campo político?
Não notei nenhuma ação diferenciada do Ministério da Economia e da Secretaria do Tesouro Nacional para os estados que decretaram calamidade financeira. Por parte dos bancos credores das dívidas estaduais, empresas fornecedoras de serviços ou mercadorias, também, nenhuma ação objetiva houve após o decreto. O programa de recuperação fiscal que a Secretaria do Tesouro Nacional está prestes a anunciar será para todos os estados, especialmente os 14 em piores condições. Portanto, os efeitos práticos da calamidade financeira deram-se mais no sentido de denunciar o caos financeiro e econômico em que a atual administração recebeu os cofres estaduais e compartilhar com todos os contribuintes-cidadãos.
O Estado tem asseverado a revisão sobre os incentivos fiscais, e deve enviar à Assembleia Legislativa projeto que trata do assunto, segundo o secretário de Estado de Fazenda, Rogério Gallo. E em que pese as críticas, é fato que o Estado precisa dar continuidade à política de incentivos fiscais, sob risco de atingir o desenvolvimento econômico como defendem especialistas na área. Qual sua leitura sobre esse quadro.
Um novo programa de incentivos fiscais para MT está parecendo o asfaltamento da BR 163. Todos os governantes dizem que vão fazer e não fazem. Nove presidentes da república e mais de vinte ministros dos transportes afirmaram que concluiriam as obras de pavimentação. Os atoleiros continuam todos os anos. Atualizar o programa de incentivos fiscais é condição essencial para o desenvolvimento social e econômico do estado. Deve focar a industrialização das cadeias produtivas mais agregadoras para a economia do estado. Não deve ser dirigido apenas a determinados CNPJs ou segmentos empresariais e sim a todas as atividades do arranjo produtivo. A última atualização do PRODEIC foi feita em 2003. Desse ano até hoje houveram apenas remendos oportunistas, sem muito efeito agregador ou inovador para a competitividade de nossas empresas.
A receita do Estado segue as projeções da peça orçamentária 2019, ou seja, não caiu e até melhorou com os resultados do novo Fethab nos primeiros meses. Um dos maiores problemas se chama despesa da máquina pública, e em que pese os cortes pontuados pelo Estado, a recuperação dos cofres do Executivo ainda pode demorar até 2 anos, segundo previsão do próprio governador Mauro Mendes. Porém, o déficit global é de quase R$ 4 bilhões (contabilizando restos a pagar). Qual seria a válvula de escape para acelerar essa recuperação fiscal e financeira na sua opinião?
Todos os estados que tiveram sucesso em sua recuperação fiscal focaram fundamentalmente os cortes de gastos. Após isso, atuaram para eficientizar e aumentar a arrecadação tributária própria. Foi assim nos oito anos da administração Dante de Oliveira em MT. Atualmente, o maior caso de sucesso é o Espírito Santo, sob a competente gestão do ex-governador Paulo Hartung. Acho interessante a leitura o livro que o Paulo Hartung escreveu sobre a sua saga de transformar o Espírito Santo no estado com a melhor situação financeira, social e educacional do país ("Espírito Santo - Como o governo capixaba enfrentou a crise, reconquistou o equilíbrio fiscal e inovou em políticas sociais"). No campo das despesas, a administração atual tomou decisões acertadas e está fazendo os procedimentos necessários no início da gestão enquanto o capital político ainda está elevado. Na área das receitas, deve ser favorecido pelo reaquecimento da atividade econômica previsto para 2019 no país e no estado. O crescimento econômico atua favoravelmente para o aumento da arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais.O aumento das receitas do FETHAB/COMMODITIES deve ajudar a aumentar os investimentos na infraestrutura econômica do estado. O desafio da administração estadual será conciliar o ciclo econômico positivo e o controle das despesas.
O senhor fez alertas sobre reações à respeito de ser atingida a competitividade do Estado acerca da taxação do agro, mas o Governo comemora os resultados iniciais. Como está o comportamento de mercado após a instituição das mudanças?
O aumento da tributação sobre o agronegócio não é tão expressivo, quando comparado com o faturamento bruto total do setor. Não deve alterar a competitividade da cadeia produtiva. O valor bruto da produção de todo o agro (inclusos madeira, açúcar e etanol) chega quase a R$ 100 bilhões por ano. O FETHAB/COMMODITIES deve gerar receita próxima de R$ 2 bilhões em 2019. Como o setor já vinha recolhendo R$ 1 bilhão até 2018, o impacto atual é de apenas R$ 1 bilhão. Torna-se, portanto, inexpressivo para a competitividade desse setor que convive com expansão de faturamento e aumento de lucros desde 2010. Alertei para o fato de que o governo que estava chegando não exagerasse na dose do novo Fethab. Se errasse a mão, poderia sim, comprometer a lucratividade do principal segmento econômico do estado. Vejo que não houve exagero na nova tributação.
Recentemente tivemos a exposição do Tribunal de Contas do Estado que, seguindo a máxima do Estado e prefeituras, também não cumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal no quesito despesas com pessoal – e argumenta reflexos sobre os cálculos do Imposto de Renda que passaram a ser contabilizados. No aspecto geral, qual seria a fórmula para estancar essa ferida?
O que o TCE fez, acertadamente, foi retomar a sensatez e seguir o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal e resoluções da Secretaria do Tesouro Nacional sobre contabilização das despesas de pessoal e apuração da receita corrente líquida. A orientação anterior era uma verdadeira "contabilidade criativa". Uma jaboticaba contábil que o próprio tribunal cuidou de corrigir. A recomendação para tal situação o próprio TCE e a STN repetem desde quando passou a vigorar a LRF: conter os gastos de pessoal (ativos e aposentados), usar mais tecnologia da informação nos processos administrativos públicos, reduzir as despesas tributárias (incentivos, renúncias e desonerações fiscais ) e otimizar a arrecadação de tributos estaduais. Dados divulgados recentemente pela STN confirmam que MT compromete 69% de sua receita líquida com pessoal, sendo 58% do executivo e 11% do Judiciário, Legislativo, Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria.
Em relação às mudanças na Lei Kandir – sobre a esperada regulamentação da compensação do FEX (Auxílio Financeiro de Fomento às Exportações), o Congresso, leia-se a Câmara Federal não tem avançado à uma solução – mesmo com o fim do prazo pontuado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Governo Federal resiste. Diante do papel desempenhado pela bancada federal e Governo do Estado sobre esse tema, qual sua interpretação do que realmente poderá ser assegurado aos estados exportadores?
A administração federal utiliza sua descomunal força política para ignorar olimpicamente os clamores dos estados exportadores. Conta com cumplicidade dos grandes estados, como SP, RJ e MG que compensam as perdas da Lei Kandir com outros ganhos, como Royalties do petróleo e da mineração, no caso de MG. Neste momento não vejo absolutamente nada garantido aos estados que têm grandes perdas com a Lei Kandir. União, STF, TCU e Congresso Nacional fizeram movimentações que conduzem essa questão para o final da fila de suas prioridades. Ficam apenas alguns estados mais aguerridos, como é o caso de MT, e alguns parlamentares quase solitários pregando no deserto. Caso não haja uma grande unidade de forças políticas e ações de parlamentares integradas entre as bancadas, governadores e prefeitos, não vejo solução razoável no curto prazo. Mato Grosso deixa de recolher R$ 6,5 bilhões de ICMS todo ano em razão das desonerações da lei e recebe R$ 500 milhões anualmente de recompensa. É uma migalha financeira.
Perspectivas para Mato Grosso em 2019 diante de todo esse contexto...
A economia do estado deve voltar a crescer forte em 2019, seguindo o cenário nacional. Com estabilidade econômica, juros mais civilizados e inflação de 3% ao ano, a economia brasileira está retomando crescimento a patamares de 2012 depois de sofrer queda do PIB de 9,2% entre 2014 e 2016. A economia local receber parte dessa bonanza econômica, somada aos bons frutos da boa safra agrícola e às expectativas de que a atual administração vai reequilibrar as finanças e fazer os investimentos necessários para melhorar a infraestrutura econômica estadual. O setor da construção civil e incorporações tendem a apresentar performance melhor que nos anos anteriores, contribuindo para o mercado de trabalho.
Ainda não há comentários.
Veja mais:
Tribunal do Júri condena a 18 anos de prisão homem que matou jovem
PF derruba esquema de usurpação e extração ilegal de ouro
Alerta do TJ: golpistas enviam mensagens com links falsos em nome de Fórum
AL: CST da Enfermagem debate proteção a profissionais da saúde
Infraestrutura: Governo confirma R$ 220 mi em obras no Estado
Operação da PC e Vigilância Sanitária interdita clínica de estética
Governo mira pequenas e médias empresas para fechar rombo fiscal
Governo garante gás de graça para 15,5 milhões de famílias
Tribunal do Júri: homem acusado de homicídio é condenado a 12 anos
Tarifaço e seu alerta para o Brasil valorizar sua indústria