
Em cada alternância de governo, a promessa política de que haverá prioridade na Educação já se transformou em algo que não convence mais a sociedade. Recentemente, no cenário político, as Eleições 2018, trouxeram um discurso diferente, seja no âmbito federal como estadual, a Educação pouco é citada.
Enquanto o que domina a cena no contexto estadual é uma conjuntura de desequilibro fiscal e no âmbito federal o tema em evidência é a reforma da previdência, a Educação segue sua trajetória de pouca atenção do poder público, aliada a uma série de fatores que surgem colocando em xeque o papel institucional das escolas.
Neste contexto, no qual educadores enfrentam problemas como violência em sala de aula, crescimento do movimento homescooling, que é a educação em casa feita pelos pais e com os filhos fora da escola, e nenhuma sinalização de mudança estrutural no sistema educacional, o FocoCidade entrevistou a mestra em Educação, Carla Patrícia, que é diretora pedagógica e professora universitária.
Para Carla, a base do problema envolvendo a forma como o Poder Público lida com a educação é a falta de vontade política, morosidade que resulta em um declínio constante nesta área. A especialista aponta que no país, a falta de políticas públicas eficientes para revolucionar a Educação está estritamente ligada com o modelo de política que se estabeleceu baseada apenas no governo que assume o poder, e não em iniciativas perenes que permanecem mesmo com a alternância da chefia do poder.
Quando às críticas que o sistema educacional recebe, Carla avalia que não dá para esperar algo acabado, formatado e plasticamente embalado para servir aos interesses de poucos. Para a professora, a educação é um processo em contínua evolução, característica que o permite estar em constante aperfeiçoamento.
Confira a entrevista na íntegra:
Em tempos de crises no poder público, o que inclui cortes de gastos em diversas esferas na tentativa de se alcançar um equilíbrio no erário, a Educação corre risco de ser afetada. Como a senhora avalia esse cenário?
A Educação já vem sendo tratada como assunto sem prioridade há muitos anos. E mesmo que tenhamos uma legislação bem definida sobre a importância desta área social, garantindo recursos ordinários delimitados inclusive pela Constituição Federal (1988), ainda há uma morosidade latente no quesito vontade política, gestão estratégica, e compromisso com o bem-estar social. Os governantes, independentemente da esfera do Poder Público, infelizmente ainda não entenderam o real sentido de se investir em Educação. Precisamos de uma urgente revolução neste sentido, caso contrário vamos assistir o contínuo declínio que vem ocorrendo neste segmento.
A Educação já vem sendo tratada como assunto sem prioridade há muitos anos, ainda há uma morosidade latente no quesito vontade política, gestão estratégica, e compromisso com o bem-estar social.
Neste período de um novo governo no país, muito tem se defendido a ideia de escolas sem partido. Essa perspectiva é possível?
Compreendo quando algumas correntes políticas defendem menos militância partidária dentro das escolas. Por outro lado, é um reducionismo pensar que exista escola livre de linhas de pensamentos difusas. Cada educador é único, assim como cada aluno. Evidente, que alguns temas são desafiadores de serem tratados dentro de uma sala de aula com alunos que muitas vezes sequer compreendem o real sentido daquele assunto, como é caso da educação sobre diversidade de gêneros. Penso que cabe aos educadores e demais profissionais que atuam no contexto escolar sempre buscar o caminho mais virtuoso, que é tentar manter a devida isenção de determinados assuntos, e tentar dar o máximo de atenção acadêmica ao caso, sem se pautar por achismos ou critérios meramente relativistas, que podem gerar um grande dano na discussão de temas inevitáveis. A vida em sociedade requer que a comunidade escolar se pondere e também atue para garantir que nenhum mentira se passe por verdade, ou vice-versa. É um desafio e tanto.
Obrigar o aluno a ter aula de religião, fora da perspectiva antropológica, provoca uma arriscada atitude de doutrinação, que nós, educadores somos proibidos pela Ética de fazermos.
Muito tem sido propagada a ideia da homeschooling (educação em casa feita pelos próprios pais). A senhora avalia que essa modalidade de ensino pode trazer benefícios ou riscos para o processo educacional das crianças?
A educação em casa deve ser a base para qualquer criança. Infelizmente, a maioria das famílias brasileiras não possuem condições de oferecer educação em casa. Penso que deve existir uma complementariedade entre casa e escola. Não sou a favor de retirar os filhos da escola para educa-los exclusivamente em casa. Entendo as justificativas dos que defendem este modelo de ensino, mas existem riscos, afinal, essa criança um dia será adulta e precisará estar inserida dentro de um contexto social, muitas vezes diferente daquele ensinado em casa como ideal. Também é importante salientar, que a educação na escola nem sempre tem atendido todas as dimensões exigidas para se alcançar com plenitude um perfil de indivíduo que atenda as demandas do mercado de trabalho e as demandas de uma sociedade mais ética e justa. Todavia, estamos em um processo de construção. A Educação em si é um processo em eterna construção. Não dá para se esperar algo acabado, formatado e modelado dentro de um ambiente escolar. Cada dia é uma nova lição, que de repente hoje serve para o modelo de sociedade em que vivemos, e pode ser que amanhã, esse formato educacional seja outro completamente diferente. Mas pelo fato de ser constantemente mutável, não significa que não possua valor.
Como a senhora avalia a propagação do ensino religioso dentro das escolas? Diante da diversidade de religiões, como poderia se definir a melhor forma de ensino religioso?
É oportuno pensarmos que o ensino religioso é diferente de se ensinar religião. Eu, por exemplo, sou diretora de um colégio particular, que possui turmas do berçário ao quinto ano do ensino fundamental, e temos como metodologia o ensino com princípios cristãos, mas sem confessarmos nenhuma religião em específico. Acreditamos com isso que princípios são modelos dos quais extraímos uma fonte de conhecimento e conduta, mas fazemos o possível para que isso não se transforme em rótulos religiosos. O mesmo deve acontecer em qualquer escola. A diversidade de culto e religiões é uma garantia fundamental, pois expressa o princípio da liberdade. Não se pode, em sala de aula, impor aos alunos determinada fé. Mas é possível aliar educação com valores. Na história da educação no Brasil, essa perspectiva é muito evidente, considerando que houve um processo histórico de colonização no qual a presença da religião foi muito forte. É evidente que no contexto atual, obrigar o aluno a ter aula de religião, fora da perspectiva antropológica, provoca uma arriscada atitude de doutrinação, que nós, educadores somos proibidos pela Ética de fazermos.
É um reducionismo pensar que existe escola livre de linhas de pensamentos difusas. Cada educador é único, assim como cada aluno.
Muito se tem falado da necessidade de políticas públicas voltadas ao ensino, ou que, somente pela educação é que se muda o país. Porém, apesar das mudanças de governos, tanto em âmbito municipal, estadual e federal, pouco visualizamos efetivamente as transformações neste setor. Onde está o problema?
Está na falta de políticas de Estado aliadas a uma necessidade de transformação de cultura política. No Brasil, vimos que assim que acaba um governo, aquele que o sucede não mantém praticamente nenhuma ação positiva do governo anterior. Isso é um erro, e pagamos muito caro por isso, porque a cada quatro ou oito anos, tudo zera e tem que começar de novo. Esse processo de recomeço é caro, moroso, burocrático, arriscado e gera o que presenciamos hoje, um Brasil desfigurado, com a educação pedindo socorro, assim como na Saúde, Segurança Pública, Infraestrutura e demais áreas sociais, econômicas e estratégicas. O problema pode ser resolvido, mas depende, infelizmente de vontade política e uma lapidação moral e ética também na sociedade como um todo. Caso contrário, viveremos essa eterna repetição de tentativas, com poucos acertos, muitos erros e um excessivo desperdício de dinheiro público, energia e tempo.
Outro problema recorrente é a violência contra professores em sala de aula. De que forma esse problema pode ser resolvido?
A violência dentro da sala de aula só reflete a violência que esses alunos vivem em seu contexto familiar. Infelizmente, nós educadores estamos de mãos imobilizadas quando o assunto é violência. Não temos condições de reverter esse quadro em curto prazo e nem com ações isoladas. É um desgaste muito grande o que se tem vivido nas salas de aula pelo país, mas essa situação não pode transformar o educar em refém. Mais uma vez, é necessário diante deste problema políticas de Estado, que combatam a violência com o auxílio da educação, promoção social, capacitação para o mercado de trabalho, garantia de renda a famílias mais carentes, ocupação da criança e do adolescente, que ao invés de ficar ocioso em casa ou nas ruas, pode ser ocupado com o aprendizado de uma profissão, por meio do ensino técnico, ou pela arte e cultura.
Quais critérios precisam ser adotados para realmente existir uma transformação na Educação?
Primeiro, os professores devem entender que são coadjuvantes do processo educacional, junto com os pais e os alunos, que por sua vez, são os protagonistas. Por essa razão, professores devem sempre se aperfeiçoar, buscar ser o melhor educador possível, garantir boas práticas educacionais e despertar isso nos alunos. Não dá para ficarmos esperando que o Estado cumpra sua parte, e cruzarmos os braços nesta infinita espera. Temos, que fazer a nossa parte independentemente se os outros não a fazem. Eu entendo, que muitos educadores estão cansados, e até mesmo exaustos com a rotina, com as longas distâncias que muitas vezes precisam enfrentar para dar aula, mas não se pode fazer destes desafios uma justificativa para se levar a missão de educar como um peso, e com isso, fazer de qualquer jeito. Estou convencida, que a Educação sempre será o melhor caminho para a transformação social, e é nas bases do conhecimento que se constrói uma sociedade melhor. Por isso, eu digo aos meus alunos que eles são luminares, nome inclusive que escolhi para o meu colégio, Colégio Luminar, porque somente com essa meta é que conseguimos iluminar esse mundo com conhecimento.
Ainda não há comentários.
Veja mais:
Tribunal do Júri condena a 18 anos de prisão homem que matou jovem
PF derruba esquema de usurpação e extração ilegal de ouro
Alerta do TJ: golpistas enviam mensagens com links falsos em nome de Fórum
AL: CST da Enfermagem debate proteção a profissionais da saúde
Infraestrutura: Governo confirma R$ 220 mi em obras no Estado
Operação da PC e Vigilância Sanitária interdita clínica de estética
Governo mira pequenas e médias empresas para fechar rombo fiscal
Governo garante gás de graça para 15,5 milhões de famílias
Tribunal do Júri: homem acusado de homicídio é condenado a 12 anos
Tarifaço e seu alerta para o Brasil valorizar sua indústria