Da Redação - FocoCidade
O juiz João Alberto Menna Barreto Duarte, do 4º Juizado Especial Cível de Cuiabá, condenou o deputado estadual Wilson Santos (PSDB) a pagar R$ 6 mil a título de indenização por danos morais o membro do Fórum Sindical, Oscarlino Alves.
O fato que culminou na decisão ocorreu em 2016, no calor das discussões sobre o pagamento a cargo do Estado da RGA (Revisão Geral Anual). Em reunião na Assembleia Legislativa, à época, o então líder do Governo, Wilson Santos, se referiu ao sindicalista como “moleque” e “vagabundo”.
Em sua defesa, o parlamentar sustentou que “como líder do Governo na Assembleia Legislativa, defendia os interesses deste, motivo pelo qual por diversas vezes foi insultado durante reuniões e sessões plenárias”.
Acentuou que “agiu no exercício de atividade parlamentar, estando seus atos acobertados pela imunidade material e formal, nos termos do Artigo 29 da Constituição Estadual”.
Para a Justiça, prevaleceu interpretação de que “a ofensa perpetrada pelo Reclamado, chamando o Reclamante de moleque e vagabundo, não guarda qualquer relação com o exercício parlamentar de Deputado Estadual, porquanto proferidas como ofensas de cunho pessoal, visando menosprezar a pessoa do Reclamante”.
Confira a decisão:
Reclamante: OSCARLINO ALVES DE ARRUDA JUNIOR
Reclamado: WILSON PEREIRA DOS SANTOS
S E N T E N Ç A
I - RESUMO DOS FATOS RELEVANTES
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, caput, da Lei 9.099/95.
Trata-se de demanda em que a causa de pedir reside na alegação de ocorrência de danos morais oriundos de ato praticado pelo Reclamado, que teria proferido xingamentos ao Reclamante, durante uma reunião de negociações acerca da greve dos servidores públicos do Estado de Mato Grosso.
Ao final, pugnou pela condenação do Reclamado ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos.
É a suma do essencial.
II - MOTIVAÇÃO
1. Os autos estão maduros para a prolação de sentença. Observado o rito estabelecido na Lei nº 9.099/95, não havendo vícios ou irregularidades a consertar. Homenageados os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e de seu consectário, o contraditório. Concorrem, também, todos os pressupostos processuais para o desenvolvimento válido e regular do processo, bem assim as condições para o legítimo exercício do direito de ação.
Observo ainda que não se aplica preceito contido no art. 489 do CPC/2015 por afronta à norma do art. 38 da Lei 9.099/95, eis que suficientes à menção neste ato sentencial, dos elementos de convicção do juízo, o que vem corroborado pelo Enunciado 162 do FONAJE.
2. Não foram suscitadas questões preliminares no caso em apreço. Cumpre ainda destacar que não será necessária a designação de audiência de instrução em julgamento, pois os autos estão instruídos com provas suficientes para a análise do direito invocado pelas partes. Considera-se também que o juiz é o destinatário da prova, a ele cabe apreciar a necessidade ou não da realização do ato instrutório, podendo limitar ou excluir as provas que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias (Art. 33 da Lei 9.099/95), para o fim de firmar seu convencimento e proferir julgamento a respeito da lide.
Nesse sentido:
APELAÇÕES CIVEIS. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A INDIVIDUO HIPOSSUFICIENTE ECONÔMICO. CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADO. PRESCRIÇÃO MÉDICA. PREVALÊNCIA SOBRE PARECER GENÉRICO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA REDEFINIDOS. Cerceamento de defesa afastado. Legítimo o julgamento antecipado da lide, ante a desnecessidade de realização de prova outra tendente a demonstrar a necessidade de utilização, na espécie, do fármaco visado, e a possibilidade de substituição por outros disponíveis no âmbito do SUS. De efeito, cabe ao Juiz, enquanto destinatário da prova, definir acerca da necessidade e utilidade da prova para a formação do seu livre convencimento motivado, a teor do disposto no artigo 130 do CPC/73 (art. 370 do NCPC). [...]. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO MUNICÍPIO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO DO ESTADO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70067704429, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Bernd, Julgado em 24/11/2016).
Assim, passo a analise do mérito da presente demanda, nos termos do art. 355, I e II do Novo Código de Processo Civil.
3. No mérito a pretensão é Procedente.
Cuida-se de demanda ajuizada pelo Autor objetivando a reparação por danos morais, em razão de ofensas exaradas pelo Reclamado em reunião de negociações acerca da greve dos servidores públicos do Estado de Mato Grosso.
Narra o Autor que o Reclamado, Deputado Estadual, proferiu ofensas de cunho pessoal, referindo-se a ele como VABUNDO e MOLEQUE, conforme vídeo e áudio anexos.
Alega que as ofensas foram proferidas em um ambiente institucional de negociações e que, na ocasião, representava toda a coletividade dos servidores públicos pertencentes à carreira do SUS do Estado de Mato Grosso?.
O Reclamado, por sua vez, alega que as negociações atinentes à Revisão Geral Anual ? RGA seguiam acirradas, vez que o Governo do Estado anunciou a impossibilidade de cumprir com as metas estabelecidas.
Informa que, como líder do Governo na Assembleia Legislativa, defendia os interesses deste, motivo pelo qual por diversas vezes foi insultado durante reuniões e sessões plenárias.
Por fim, alega que agiu no exercício de atividade parlamentar, estando seus atos ?acobertados? pela imunidade material e formal, nos termos do Artigo 29 da Constituição Estadual.
3.1. Conforme consta nos autos, é fato que durante uma reunião ocorrida em 27/06/2016 o Reclamado proferiu ofensas ao Reclamante, tendo-o chamado de ?moleque? e ?vagabundo?. Destaca-se que no momento da reunião havia várias autoridades e pessoas ligadas a fóruns sindicais, vez que buscavam negociar o percentual do Reajuste Geral Anual ? RGA.
Verifica-se, ainda, que as ofensas foram proferidas na sede da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, motivo pelo qual o Reclamado alega que não pode ser responsabilizado em razão da imunidade parlamentar prevista no Art. 29 da Constituição Estadual.
A priori, importa destacar que a imunidade parlamentar traduz-se em importante instrumento decorrente da moderna organização do Estado, visando à garantia da liberdade e dos direitos individuais.
Partindo-se desta premissa, compete ao poder legislativo, além da função que lhe é específica, exercer o poder de fiscalização, para cujo cumprimento deve-se haver com autonomia e independência, tanto que a Constituição Estadual, em simetria com a Constituição Federal, outorga aos membros do poder Legislativo Estadual imunidades parlamentares, que são irrenunciáveis. Trata-se de uma garantia Constitucional e não de um privilégio.
No entanto, deve ser observado que nenhuma garantia constitucional é absoluta, encontrando seus limites em outras garantias constitucionalmente asseguradas. Destaco, ainda, que os limites da imunidade parlamentar guardam estreita relação com a finalidade do exercício do mandato.
Noutras palavras, deve-se observar se as opiniões, palavras e votos, porventura proferidos pelo parlamentar guardam relação exclusiva com o mandato ao qual está investido, caso contrário deverá ser responsabilizado pelos excessos cometidos.
O Superior Tribunal de Justiça já afirmou que ?a inviolabilidade dos Deputados Federais e Senadores, por opiniões palavras e votos, prevista no art. 53 da Constituição da Republica, é inaplicável a crimes contra a honra cometidos em situação que não guarda liame com o exercício do mandato? (Inq. 3438, Primeira Turma, DJE 10/02/2015).
No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal entendeu que ?não há como relacionar ao desempenho da função legislativa (prática in officio), ou de atos praticados em razão do exercício do mandado parlamentar (prática propter officium), as palavras e opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de fatos ou ideias e, portanto, sem vínculo com o exercício das funções cometidas a um Parlamentar? (Inq. 3932/DF, Primeira Turma, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe-192 09-09-2016).
Assim, verifica-se claramente que, na hipótese dos autos, as palavras que o Reclamado proferiu ao Reclamante não guardam relação com a atividade parlamentar que desempenha, sendo nítido que foram proferidas para ofender a pessoa do Autor, restando, portanto, afastada a imunidade prevista no Art. 29 da Constituição do Estado de Mato Grosso.
Nesse sentido o recente entendimento do STJ, verbis:
CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATOS PRATICADOS POR DEPUTADO FEDERAL. OFENSAS VEICULADAS PELA IMPRENSA E POR APLICAÇÕES DE INTERNET. IMUNIDADE PARLAMENTAR. ALCANCE DE LIMITAÇÕES. ATOS PRATICADOS EM FUNÇÃO DO MANDATO LEGISLATIVO. NÃO ABRANGÊNCIA DE OFENSAS PESSOAIS. VIOLÊNCIA À MULHER. INTIMIDAÇÃO E REDUÇÃO DA DIGNIDADE SEXUAL FEMININA DA RECORRIDA. 1. Ação ajuizada em 16/12/2014. Recurso especial interposto em 25/04/2016 e atribuído a este gabinete em 03/10/2016. 2. O propósito recursal consiste em determinar o alcance da imunidade parlamentar por ofensas veiculadas tanto no Plenário da Câmara dos Deputados quanto em entrevista divulgada na imprensa e em aplicações na internet. 3. A imunidade parlamentar é um instrumento decorrente da moderna organização do Estado, com a repartição orgânica do poder, como forma de garantir a liberdade e direitos individuais. 4. Para o cumprimento de sua missão com autonomia e independência, a Constituição outorga imunidade, de maneira irrenunciável, aos membros do Poder Legislativo, sendo verdadeira garantia institucional, e não privilégio pessoal. 5. A imunidade parlamentar não é absoluta, pois, conforme jurisprudência do STF, "a inviolabilidade dos Deputados Federais e Senadores, por opiniões palavras e votos, prevista no art. 53 da Constituição da Republica, é inaplicável a crimes contra a honra cometidos em situação que não guarda liame com o exercício do mandato". 6. Na hipótese dos autos, a ofensa perpetrada pelo recorrente, segundo a qual a recorrida não "mereceria" ser vítima de estupro, em razão de seus dotes físicos e intelectual, não guarda nenhuma relação com o mandato legislativo do recorrente. 7. Considerando que a ofensa foi veiculada em imprensa e na Internet, a localização do recorrente, no recinto da Câmara dos Deputados, é elemento meramente acidental, que não atrai a aplicação da imunidade. 8. Ocorrência de danos morais nas hipóteses em que há violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um prejuízo material, seja violando direito extrapatrimonial, seja praticando em relação à sua dignidade qualquer "mal evidente" ou "perturbação". 9. Ao afirmar que a recorrida não "mereceria" ser estuprada, atribui-se ao crime a qualidade de prêmio, de benefício à vítima, em total arrepio do que prevê o ordenamento jurídico em vigor. Ao mesmo tempo, reduz a pessoa da recorrida à mera coisa, objeto, que se submete à avaliação do ofensor se presta ou não à satisfação de sua lascívia violenta. O "não merece ser estuprada" constitui uma expressão vil que menospreza de modo atroz a dignidade de qualquer mulher. 10. Na hipótese dos autos, a ofensa à dignidade da recorrida é patente, e traz embutida em si a clara intenção de reduzir e prejudicar a concepção que qualquer mulher tem de si própria e perante a sociedade. 11. Recurso especial não provido. (REsp 1642310/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe 18/08/2017).
Ademais, conforme exposto no julgado acima, o fato de a ofensa ter sido proferida em uma sala da sede da Assembleia Legislativa é mero elemento acidental, vez que as imagens e áudio foram veiculados pela imprensa, não podendo ser afirmado que foi o próprio Reclamante que veiculou a noticia.
Portanto, a ofensa perpetrada pelo Reclamado, chamando o Reclamante de moleque e vagabundo, não guarda qualquer relação com o exercício parlamentar de Deputado Estadual, porquanto proferidas como ofensas de cunho pessoal, visando menosprezar a pessoa do Reclamante.
Desse modo, é devida a reparação extrapatrimonial pleiteada.
4. Resta quantificar o dano moral.
A reparação moral deve, necessariamente, guardar relação com a realidade do evento ocorrido, bem como tornar efetiva a função preventiva-punitiva-compensatória da indenização, sob a égide dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de modo a evitar (1º) a ocorrência reiterada de atos lesivos, (2º) que implique locupletamento sem causa ao credor e (3º) que nada signifique financeiramente ao devedor.
Recomenda-se que tenha como padrão do legitimado o homo medius, que ?... seria aquele cidadão ideal que tivesse a igual distância do estóico ou do homem de coração seco de que fala Ripert, e do homem de sensibilidade extremada e doentia.? Devem ser consideradas a gravidade do dano, o comportamento do ofensor e do ofendido - dolo ou culpa, sua posição social e econômica, a repercussão do fato à vista da maior ou menor publicidade, a capacidade de absorção por parte da vítima, etc.
Considerando que os fatos e as provas contidas nos autos e orientando-me pelos princípios de sobredireito (razoabilidade e proporcionalidade), estabeleço a quantificação do dano moral em R$ 6.000,00 (seis mil reais), servindo para compensar a parte reclamante pelos transtornos sofridos, sem lhe causar enriquecimento ilícito.
III - DISPOSITIVO
Posto isso, com fulcro no art. 487, I, do CPC/2015, OPINO pela PROCEDÊNCIA dos pedidos formulados por OSCARLINO ALVES DE ARRUDA JUNIOR em desfavor de WILSON PEREIRA DOS SANTOS para CONDENAR o Requerido ao pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a título de danos morais, corrigido monetariamente pelo IGP-M/FGV a partir da presente data, mais juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, contados da data do evento danoso.
Sem custas processuais e sem honorários advocatícios, face às normas entabuladas nos arts. 54 e 55 da Lei n° 9.099/95.
Transitada em julgado e nada sendo requerido, proceda-se ao arquivamento imediato. Cumpra-se.
Submeto o presente PROJETO DE SENTENÇA à apreciação do Excelentíssimo Juiz de Direito do 4º Juizado Especial Cível de Cuiabá Dr. JOÃO ALBERTO MENNA BARRETO DUARTE, para fins de homologação, de acordo com o artigo 40 da Lei nº 9.099/95.
Cristiano Krindges Santos
Juiz Leigo do 4º Juizado Especial Cível da Capital
03/05/2018 13:06:01: Oscarlino Forum Sindical: Vistos,
Nos termos do art. 40 da Lei 9099/95, HOMOLOGO o projeto de sentença apresentado pelo(a) Juiz(a) Leigo(a), lançado na movimentação retro, para que surtam seus jurídicos e legais efeitos.
Cuiabá, 27 de abril de 2018.
JOÃO ALBERTO MENNA BARRETO DUARTE
Juiz de Direito
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