
A luta de servidores públicos do Estado de Mato Grosso para alcançar avanços, antes creditados à expectativa do novo Governo sob Pedro Taques, agora, no decorrer de quase três anos de meio de mandato, despenca sobre o vazio de promessas não cumpridas, em que pese os argumentos contrários do Executivo que reconhece dificuldades mas assevera melhorias.
Essa é a ótica de servidores da Saúde, disposta nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade pelo presidente do Sindicato dos Servidores Públicos da Saúde de Mato Grosso, Oscarlino Alves, membro do Fórum Sindical. Para ele, o Estado tem pouco a comemorar na sua macro exposição de resultados, passando por setores como a Saúde desmantelada no SUS (Sistema Único de Saúde) e previdência social, que esmaga a esperança do funcionalismo em relação ao abismo do déficit e que coloca em risco a segurança da continuidade do sistema.
O olhar centrado do presidente do Sisma, de posse de dados sobre o funcionamento da Saúde, expõe entranhas do setor que amarga, segundo Oscarlino Alves, seu mais pífio desempenho nos últimos anos. Para piorar essa seara, ele aponta desmonte no MT Saúde, plano de saúde dos servidores.
“Não aportou os recursos previstos em lei necessários para o equilíbrio da caixa assistencial. Com isso aumentou o passivo e comprometeu a credibilidade deste no mercado, situação essa que despencou a permanência de quase 60 mil usuários para menos de 25 mil na atualidade”, cita em trecho da entrevista relativo ao MT Saúde.
Oscarlino Alves acentua ainda a “dispensa” do Governo Pedro Taques para com a prática do diálogo e colaboração do sindicato sobre propostas que poderiam, mas não foram levadas adiante, que na sua opinião, poderiam ter pontuado políticas públicas sérias. Ele critica veementemente o formato da atual administração pública, destacando que o Governo “prefere ficar míope”.
O dirigente sindical também discorre sobre outros aspectos da gestão pública de Mato Grosso, como a RGA (Revisão Geral Anual), foco de descontentamento entre servidores públicos, adentrando no campo da pré-campanha e que pode se tornar um forte viés contrário aos planos de reeleição do governador Pedro Taques.
“O governo está a todo custo tentando converter o baixo desempenho da máquina pública pela inércia durante todo mandato em algo positivo através dos canais de comunicação na tentativa de viabilizar o projeto de reeleição do governador Pedro Taques. As ruas falam e clamam por renovação do executivo, e dos legislativos federal e estadual”, assevera Oscarlino Alves.
Confira a entrevista na íntegra:
O que apontam os indicadores sobre a Saúde pública em Mato Grosso?
Os indicadores pactuados pelo Estado através da Secretaria de Saúde junto ao Ministério da Saúde demonstram pouca melhoria e performance. As taxas de mortalidade infantil e materna não diminuíram. A desnutrição ainda é uma realidade num Estado que produz alimentos para o mundo. Que incidências de doenças como tuberculose e hanseníase voltaram a crescer. Reflexos negativos no aumento de procedimentos cirúrgicos de média e alta complexidade e demanda por medicamentos de alto custo por doenças crônico degenerativas a exemplo de número de acidentes vasculares cerebrais - AVC o que demonstra que poder estar relacionado pela baixa cobertura populacional do programa de saúde família (68%) que atua na promoção e prevenção e que se manteve sem crescimento.
O Governo do Estado acentua o momento da crise, agora mais atenuada mas de lenta recuperação. Nesse sentido, o Estado também remete ônus à União, já que os cofres do Estado teriam sofrido repasses reduzidos em torno de 20% na Saúde. Isso pode explicar as dificuldades do setor, na sua opinião?
O Estado possui unidades de saúde próprias a exemplo dos Hospitais Regionais, com faturamento direto de sistemas de informações do SUS, e não poderiam focar esta dificuldade do sub-financiamento histórico na diminuição do repasse por parte da União, já que tem obrigação de aportar no mínimo 12% da receita liquida corrente e mediante as complicações da saúde pública vem ano após ano colocando menos recursos que o necessário para cobrir os deficits e restos a pagar de um ano para o outro. Em 2017 enviou projeto de lei orçamentária à Assembleia Legislativa com deficit de R$ 617 milhões (fonte SES/MT), onde a própria SES apontou necessidade de R$ 2,2 bilhões para a saúde em 2017 e já contando com os quase R$ 300 milhões ano advindos da União e mesmo assim o governo e Assembleia Legislativa aprovaram algo em torno R$ 1,6 milhões. A opção política de não fazer a reforma fiscal desde o primeiro ano de mandato trouxe reflexos diretos na execução das políticas sociais. Aumentou a renuncia fiscal de R$ 1 bilhão em 2014 para quase R$ 4 bilhões em 2018. Manteve os duodécimos na casa dos 17% da RCL e acima e repassando também parte do Fethab aos Poderes. Se a situação já era ruim, piora com a PEC do Teto de Gastos, limitando o orçamento da saúde ao ano de 2016 corrigido pela inflação. Como fazer caber as necessidades de outros anos, deficits recorrentes e insumos produtivos que crescem acima da inflação?
Se a situação já era ruim, piora com a PEC do Teto de Gastos, limitando o orçamento da saúde ao ano de 2016 corrigido pela inflação.
Quais os principais pontos ou falhas da gestão pública do Estado na Saúde? A continuidade de setores gerenciados por OSS, por exemplo?
A não realização de concurso público já inteirando 16 anos sem, onde a SES está enviando centenas de servidores anualmente para aposentadoria sem reposição. Terceirização através de milhares de contratos temporários o que dificulta a Educação Permanente no setor. Manutenção de OSS no gerenciamento de hospitais regionais com evasão de muitos recursos públicos. Aporte de recursos financeiros com deficits recorrentes no mandato. Não realização da programação pactuada e integrada da assistência a saúde com a presença dos 141 secretários de saúde para repactuação da rede de serviços necessária e recursos para saúde publica. Manteve o sucateamento e a precarização nas unidades. Não expandiu e descentralizou serviços aos 16 polos de saúde para servir de referência aos 141 municípios, e contrariando os preceitos do SUS realizando mutirão de oftalmologia em carretas na Caravana da Transformação as custas de muitos recursos públicos sem a fixação do serviço no polo. Desprezou o controle social no auxilio na tomada de decisões.
Contrariando os preceitos do SUS realizando mutirão de oftalmologia em carretas na Caravana da Transformação as custas de muitos recursos públicos sem a fixação do serviço no polo.
Que leitura faz do MT Saúde, que atravessa sérios problemas de recursos em caixa e que já perdeu vários convênios em hospitais e laboratórios?
Criado pela Lei Complementar nº127 de 11/07/2003, o MT Saúde funcionou muito bem nos primeiros 10 anos. O MT Saúde foi uma forma do governo compensar a extinção do antigo IPEMAT, Instituto de Seguridade Social do Estado que cuidava da previdência (aposentadorias) e da saúde dos servidores públicos. Recursos descontados em folha dos servidores no passado para o IPEMAT ficaram sem justificativas. No atual governo houve descaso e negligência na resolução da situação financeira do MT Saúde que desconta mensalmente em folha e ainda cobra co-participação e não proporciona uma rede assistencial mínima por falta de repasses e pagamentos aos prestadores de serviços médico-hospitalares. Não aportou os recursos previstos em lei necessários para o equilíbrio da caixa assistencial. Com isso aumentou o passivo e comprometeu a credibilidade deste no mercado, situação essa que despencou a permanência de quase 60 mil usuários para menos de 25 mil na atualidade.
Como avalia os resultados da interferência da Justiça para mudar o cenário da judicialização da Saúde?
A justiça precisa sim atuar como agente regulador e de fiscal do cumprimento das legislações vigentes do SUS, punindo infratores e a corrupção no serviço público. A má judicialização que é aquela empregada sem critérios e que oneram os gastos públicos com saúde, bem como de alavancar indiretamente a indústria de liminares (que furam o fluxo de entrada do paciente no sistema "fura a fila") e da realização de procedimentos cirúrgicos por grupos de prestadores de serviços a valores muito acima de mercado precisam de atenção especial e combate pelos órgãos de controle.
Recentemente a OAB integrou reunião com representantes do Fórum Permanente de Saúde, que apontam a desconstrução do setor em Mato Grosso. O Executivo, por sua vez, reforça a tese de avanços e melhorias na área. O senhor concorda com o Fórum nessa ótica?
Claro que concordo. O Fórum Permanente da Saúde reúne cidadãos e entidades militantes da saúde pública gratuita, de qualidade e para todos indistintamente. Defendem a sobrevivência do SUS e relataram apenas a somatização do que já foi dito até aqui por mim.
No atual governo houve descaso e negligência na resolução da situação financeira do MT Saúde.
O Sisma foi categórico ao criticar pontos da Emenda Constitucional que limita os gastos públicos, principalmente no período em que tramitava na Assembleia Legislativa. Como avalia essa matéria do ponto de vista dos direitos dos servidores em questões como a RGA (Revisão Geral Anual)?
A luta pela RGA é a ponta do "iceberg" dos problemas na execução das políticas públicas. RGA é reposição de perdas inflacionárias no serviço público e privado (dissídio coletivo) e previstas na constituição federal de 88 e leis regulamentadoras no estado (8278/2004), e não cumpridas pelo atual governo. Os servidores públicos em sua grande maioria votaram no atual governo e depositaram toda expectativa em melhorias das estruturas, proporcionando melhores condições de trabalho e consequentemente a melhoria dos serviços prestados a população. O Fórum Sindical que congrega as entidades sindicais que representam os servidores públicos se ofertou ao governo desde o primeiro ano para enfrentar junto todos problemas oriundos do desequilíbrio fiscal e necessidade de investimentos em infraestrutura, mas o governo fez sua opção política e passou a postar publicamente (mídias) a folha de pagamentos dos servidores públicos como principal vilã pela suposta escassez de recursos, e prefere ficar "míope" a contradição que o estado apresenta com os frequentes incrementos na arrecadação/receita, bem como do estado de Mato Grosso contribuir com sua produção para o aumento do PIB Nacional e melhoria da balança comercial brasileira, e a situação demonstrar pouca transferência de riquezas com melhorias na vida dos cidadãos que mais precisam.
Um dos principais desafios do Governo é encontrar resolução para o déficit na previdência social. O Estado chegou a apresentar proposta para aumentar o percentual de contribuição. Esse é o caminho?
O MT Prev foi criado em 2014 pela Lei Complementar 560. Onerar as finanças pessoais dos servidores públicos com aumento da alíquota da previdência é paliativo e não resolverá o problema. Não refletirá em autossuficiência e o reflexo na diminuição do deficit é ínfima. O caminho será o de ajudar os servidores públicos entenderem o que aconteceu com o patrimônio do extinto IPEMAT, onde centenas de imóveis foram adquiridos com recursos desse fundo e hoje não integram o patrimônio do MT Prev. Buscar quanto e quando foram desviados, bem como de desvincular as aposentadorias e pensões de supostas fraudes e restituição aos cofres pelos responsáveis pelos desvios. Apresentar os imóveis ofertados em 2014 como garantia e lastro financeiro (imobiliário) ao MT Prev. Trabalhar para desvincular os antigos políticos e servidores aposentados e pertencentes ao estado do Mato Grosso do Sul que Mato Grosso paga até hoje, bem como de buscar estudos e soluções de médio e longo prazo escutando e buscando o aval dos verdadeiros proprietários do fundo previdenciário que são os servidores públicos. Na questão previdenciária é o MT Prev está no mesmo caminho (da saúde), com alegação de rombos e ou deficit anual que segundo o governo baterá a casa de R$ 1 bilhão em 2018 sem buscar explicações na má gestão do passado e na atualidade tentando empurrar aumento da alíquota de desconto de 11% para 14%, criando a previdência complementar para limitar os novos ingressos ao teto de aposentadorias do INSS, bem como de complementação de aposentadoria dos antigos (pagando mais e a parte).
Prefere ficar "míope" a contradição que o estado apresenta com os frequentes incrementos na arrecadação/receita.
Um dos pontos mais criticados entre especialistas e população é sobre a máquina pública inchada, incluindo aí todos os Poderes e órgãos. Um dos eixos que chama atenção em Mato Grosso é o percentual destinado ao pagamento do funcionalismo, consumindo a maior parte dos recursos. Isso não deve ser revisto?
Ao contrário, nas áreas essenciais temos deficit de fatores produtivos concursados. Na Saúde mais de 2 mil cargos ocupados por contratos temporários, na educação mais de 27 mil contratos temporários, e segurança com deficit de mais de 5 mil homens, o que se invertidos por concurso público já traria um grande salto de qualidade na prestação de serviços, bem como de uma grande injeção de novas contribuições previdenciárias e com isto diminuindo o deficit do MT Prev. Na verdade, a população merece qualidade e dignidade da prestação de serviços públicos, e que atualmente não possuem a eficiência desejada pelos trabalhadores justamente pela manutenção do sucateamento e da terceirização. O setor produtivo através de seus representantes eleitos não aceitam pagar impostos e tributos e impõe uma política fiscal desastrosa e onerosa as políticas públicas, com fortes pressões para diminuição constante das alíquotas de ICMS sobre os produtos que ficam no mercado interno. No somatório do que trazem aos cofres públicos com incentivos fiscais sem contar a desoneração pela Lei Kandir (100% de isenção de ICMS para produtos de exportação) são menores que o somatório dos impostos arrecadados pelo consumo de bens e serviços dos grupos familiares individuais e dos segmentos que não possuem incentivos fiscais, como é o caso dos pequenos produtores agrícolas e comércio.
O Governo Pedro Taques atravessou celeumas em relação à RGA, leia-se em 2016 e por conta disso houve grande descontentamento de servidores, em que pese avanços nesse contexto com ampliação do diálogo pelo Executivo em 2017. Agora estamos a praticamente 5 meses das Eleições 2018. O senhor acredita que ainda é possível o governador, com planos de reeleição em curso, recuperar a credibilidade junto à maioria dos servidores?
O que podemos dizer pelo recebemos das bases e conversamos todas as semanas em reuniões ordinárias do Fórum Sindical é que dificilmente o governo recupera a credibilidade perante a maioria dos servidores públicos, justamente por estarmos sofrendo com a opção política que foi tomada e mantida desde o inicio do mandato com reflexos diretos na baixa execução por parte das políticas públicas, com estruturas em voltas ao sucateamento e precarização, e mesmo no heroísmo dos servidores públicos ainda sermos taxados como detentores de regalias e a folha de pagamentos como única vilã dos problemas.
As ruas falam e clamam por renovação do executivo, e dos legislativos federal e estadual.
Como o senhor descreveria a atual gestão do Estado nesse final de mandato?
O governo está a todo custo tentando converter o baixo desempenho da máquina pública pela inércia durante todo mandato em algo positivo através dos canais de comunicação na tentativa de viabilizar o projeto de reeleição do governador Pedro Taques. As ruas falam e clamam por renovação do executivo, e dos legislativos federal e estadual. O povo quer resultados práticos que reflitam na melhoria de vida dos que mais precisam. O povo clama pelo fim da corrupção. O povo clama por justiça e por diminuição das desigualdades sociais, onde poucos continuam tendo muito e muitos tendo abaixo do mínimo para sobrevivência. A meu ver o atual governo não conseguiu dissolver essa grande lacuna. O Índice de Desenvolvimento Humano - IDH do Estado de Mato Grosso despencou para a 19ª posição, só melhorando nas cidades dos grandes conglomerados do agronegócio, acredito que nem 20 municípios dos 141.
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